Publicado em 31 de maio de 2025 às 13:39
Xiao Chen compareceu ao consulado americano em Xangai na manhã de quinta-feira (29/05), horas depois de Washington anunciar que revogaria "agressivamente" os vistos de estudantes chineses.>
A jovem de 22 anos tinha um agendamento para o visto: ela viajaria para Michigan no outono para estudar comunicação.>
Após uma conversa "amigável", ela foi informada de que seu pedido havia sido rejeitado. Nenhuma explicação foi dada.>
"Me sinto como uma planta aquática à deriva, levada pelo vento e pela tempestade", disse ela, usando uma expressão chinesa comum para descrever seu sentimento de incerteza e desamparo.>
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Ela estava esperançosa porque já tinha recebido a carta de aceitação da universidade. E acreditava ter sido poupada dos anúncios explosivos do governo americano dos últimos dias.>
Primeiro, o governo do presidente Donald Trump decidiu encerrar a capacidade da Universidade de Harvard de admitir estudantes internacionais — uma medida que desde então foi bloqueada na Justiça.>
Depois Washington anunciou que havia suspendido os agendamentos para vistos para todos os estudantes estrangeiros.>
Agora, Chen está pronta para seu plano B.>
"Se eu não conseguir um visto, provavelmente tirarei um ano sabático. Depois, vou esperar para ver se as coisas melhoram no ano que vem", diz ela.>
Um visto válido pode não ser suficiente, porque estudantes com visto podem ser "retidos no aeroporto e deportados".>
"É ruim para todos os estudantes chineses.">
Essa foi uma semana desanimadora para os estudantes internacionais nos EUA e talvez ainda mais difícil para os cerca de 280 mil estudantes chineses que viram seu país ser alvo de críticas.>
A secretária de Segurança Interna dos EUA, Kristi Noem, acusou Harvard de estar em coordenação com o Partido Comunista Chinês.>
O secretário de Estado, Marco Rubio, afirmou que a ação contra estudantes chineses nos EUA incluiria "aqueles com vínculos com o Partido Comunista Chinês ou que estudam em áreas críticas".>
Isso poderia afetar um amplo segmento de estudantes — visto que a filiação ao Partido Comunista é comum entre autoridades, empreendedores, empresários e até mesmo artistas e celebridades na China.>
Pequim classificou as medidas do governo Trump como uma "ação politicamente motivada e discriminatória", e seu ministério das Relações Exteriores apresentou um protesto formal.>
No passado, a China enviava o maior número de estudantes internacionais para os campi americanos. Mas esses números diminuíram à medida que as relações entre os dois países se deterioraram.>
Uma Pequim mais poderosa e cada vez mais assertiva agora desafia Washington pela supremacia em praticamente tudo — do comércio à tecnologia.>
O primeiro mandato de Trump já havia causado problemas para os estudantes chineses. Em 2020, ele assinou uma ordem proibindo estudantes e pesquisadores chineses ligados às forças armadas de Pequim de obter vistos americanos.>
Essa ordem permaneceu em vigor durante a presidência de Joe Biden. Washington nunca esclareceu o que constitui esses "laços" com as Forças Armadas, levando muitos estudantes a terem seus vistos revogados ou serem recusados nas fronteiras dos EUA, às vezes sem explicação adequada.>
Um deles, que preferiu não ser identificado, afirmou que o departamento de Alfândega e Proteção de Fronteiras (CBP, na sigla em inglês) cancelou seu visto ao chegar a Boston em agosto de 2023.>
Ele havia sido aceito em um programa de pós-doutorado na Universidade Harvard. Ele estudava medicina regenerativa com especialização em câncer de mama e havia concluído seu mestrado em uma instituição de pesquisa militar na China.>
O estudante afirmou que não era membro do Partido Comunista e que sua pesquisa não tinha nada a ver com as Forças Armadas.>
"Me perguntaram qual era a relação entre minha pesquisa e os assuntos de defesa da China", disse ele à BBC na época. "Eu disse a eles: 'como o câncer de mama pode ter algo a ver com a defesa nacional? Se vocês sabem, por favor, me digam.'">
Ele acredita que nunca teve chances de ser aprovado porque as autoridades já haviam se decidido. Ele se lembrou de um deles perguntando: "Foi o Xi Jinping quem comprou a mala para você?">
O que era surpreendente no começo, ou até mesmo chocante, gradualmente foi se normalizando, na medida em que mais e mais estudantes chineses lutavam para obter vistos ou admissão para estudar ciência e tecnologia em universidades americanas.>
Cao, formado em psicologia e com pesquisa focada em neurociência, passou o último ano acadêmico se candidatando a programas de doutorado nos EUA.>
Ele se formou em universidades de primeira linha, com credenciais que poderiam levá-lo a uma instituição da Ivy League (a mais prestigiada dos EUA). Mas, das mais de 10 instituições para as quais se candidatou, apenas uma lhe fez uma oferta.>
Os cortes de Trump na pesquisa biomédica prejudicaram sua sorte — mas a desconfiança em torno dos pesquisadores chineses também foi um fator.>
Acusações e rumores de espionagem, especialmente em assuntos delicados, têm atormentado cidadãos chineses em universidades americanas nos últimos anos, chegando a arruinar algumas carreiras.>
"Um dos professores chegou a me dizer: 'Hoje em dia, quase não fazemos propostas para estudantes chineses, então não posso te dar uma entrevista'", disse Cao à BBC em fevereiro.>
"Sinto-me como um grão em uma ampulheta. Não consigo fazer nada.">
Para os estudantes chineses que se formaram em universidades americanas, retornar à China também não tem sido fácil.>
Eles já foram elogiados como sendo uma ponte da China com o resto do mundo. Mas agora estão descobrindo que os seus diplomas, antes cobiçados, não geram mais a mesma reação.>
Chen Jian (que preferiu não revelar seu nome verdadeiro) disse que rapidamente percebeu que sua graduação em uma universidade americana havia se tornado um obstáculo.>
Quando retornou em 2020, estagiou em um banco estatal e perguntou a um supervisor se havia a possibilidade de seguir lá, como empregado.>
O supervisor não disse isso diretamente, mas Chen entendeu a mensagem: "Os funcionários devem ter diplomas locais. Pessoas como eu (com diplomas estrangeiros) nem sequer receberão uma resposta.">
Mais tarde, ele percebeu que "realmente não havia colegas com diplomas universitários estrangeiros no departamento.">
Ele retornou aos EUA, fez mestrado na Universidade Johns Hopkins e agora trabalha na gigante chinesa de tecnologia Baidu. Mas, apesar de seu diploma em uma prestigiosa universidade americana, Chen não se sente em vantagem devido à forte concorrência de formados na China.>
O que também não ajuda é a desconfiança em torno de graduados estrangeiros. Pequim intensificou os avisos sobre espiões estrangeiros, alertando a população civil para que ficasse atenta a figuras suspeitas.>
Em abril, a proeminente empresária chinesa Dong Mingzhu disse aos acionistas em uma reunião a portas fechadas que sua empresa, a fabricante de eletrodomésticos Gree Electric, "nunca" contrataria chineses com formação estrangeira "porque há espiões entre eles".>
"Não sei quem é e quem não é", declarou Dong, em comentários que vazaram e viralizaram.>
Dias depois, a agência americana de inteligência CIA divulgou vídeos promocionais incentivando autoridades chinesas insatisfeitas com o governo a se tornarem espiãs e fornecerem informações confidenciais. "Seu destino está em suas mãos", dizia o vídeo.>
A desconfiança em relação aos estrangeiros, à medida que os EUA e a China se distanciam cada vez mais, é uma reviravolta surpreendente para muitos chineses que se lembram de ter crescido em um país muito diferente.>
Zhang Ni, que também se recusou a revelar seu nome verdadeiro, diz ter ficado "muito chocada" com os comentários de Dong.>
A jovem de 24 anos se formou recentemente em jornalismo pela Universidade de Columbia, em Nova York. Ela afirma que "não tem interesse em trabalhar na Gree Electric", mas o que a surpreendeu foi a mudança de atitude.>
O fato de tantas empresas chinesas "não gostarem de nada que possa ser associado a assuntos internacionais" contrasta fortemente com a infância de Zhang: uma infância "repleta de conversas sobre as Olimpíadas e a Expo Mundial".>
"Sempre que víamos estrangeiros, minha mãe me incentivava a conversar com eles para praticar meu inglês", diz ela.>
Essa disposição para trocar ideias e aprender sobre o mundo exterior parece estar diminuindo na China, segundo muitos.>
E os EUA, que antes atraíam tantos jovens chineses, não são mais tão acolhedores.>
Zhang não consegue deixar de pensar em uma piada que um amigo fez em um jantar de despedida antes de ela partir para os EUA.>
Foi um comentário leviano que agora resume o medo em Washington e Pequim: "Não vá virar uma espiã.">
Com reportagem adicional de Kelly Ng>
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