Publicado em 4 de maio de 2025 às 15:38
Você talvez já tenha visto vídeos nas redes sociais: "cinco sinais de que você pode ser autista". Talvez tenha ouvido falar das longas filas de espera para diagnóstico. Talvez saiba — ou sinta — que o número de pessoas consideradas autistas está crescendo, e rápido.>
Há muito em jogo. Esses números têm significados muito diferentes para pessoas diferentes. Para alguns, o autismo é um medo (e se isso acontecer com meu filho?); para outros, é uma identidade — talvez até um superpoder.>
Mas, afinal, qual é a verdade sobre o número de pessoas autistas — e o que isso realmente significa?>
Para contar algo, primeiro é preciso definir o que exatamente está sendo contado.>
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Para que alguém receba o diagnóstico de autismo, é necessário apresentar "dificuldades persistentes na vida social e na comunicação social", afirma Ginny Russell, professora associada de psiquiatria na University College London (UCL) e autora do livro The Rise of Autism. Ela utiliza os critérios do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, conhecido como DSM.>
Segundo ela, os comportamentos podem variar desde dificuldade em manter uma conversa até ausência total de fala.>
Um segundo grupo de critérios envolve interesses restritos e comportamentos repetitivos. Isso inclui "abanar as mãos, balançar o corpo ou cutucar a pele, mas também seguir rotinas rígidas, como comer sempre o mesmo alimento", explica.>
Mas qual é a evidência de que mais pessoas se encaixam nesses critérios hoje?>
Russell liderou um estudo que analisou a evolução das taxas de diagnóstico de autismo no Reino Unido ao longo de 20 anos, com base em dados de cerca de 9 milhões de pacientes registrados em clínicas de medicina geral.>
A pesquisa encontrou oito vezes mais novos diagnósticos de autismo em 2018 do que em 1998. "Foi um aumento enorme", diz ela, "melhor descrito como exponencial".>
E esse fenômeno não é exclusivo do Reino Unido. Embora faltem dados em muitas partes do mundo, Russell afirma que "em países de língua inglesa e da Europa onde temos informações, há fortes indícios de que ocorreu um aumento semelhante nas taxas de diagnóstico".>
Mas — e esse é um ponto crucial — um aumento no número de diagnósticos não significa necessariamente um aumento no número de pessoas autistas.>
O estudo de Russell e outros semelhantes mostram que houve, de fato, uma grande elevação nos diagnósticos. Ou seja, há mais autismo hoje — pelo menos do ponto de vista estatístico. Mas será que esse crescimento se deve a uma ampliação dos critérios de diagnóstico, e não a um aumento real no número de pessoas autistas?>
A definição de autismo não permaneceu estática. Os primeiros estudos que descreveram o transtorno surgiram nas décadas de 1930 e 1940, segundo Francesca Happé, professora de neurociência cognitiva no King's College London, que pesquisa o tema desde 1988.>
"As descrições originais falavam de crianças com grande necessidade de apoio, geralmente com fala muito tardia", afirma. "Algumas não falavam nada. E o foco era, claro, em crianças — principalmente meninos.">
Essa definição foi ampliada nos anos 1990, quando a síndrome de Asperger foi incorporada aos manuais de diagnóstico. Pessoas com Asperger passaram a ser consideradas no espectro autista por apresentarem dificuldades sociais e comportamentos repetitivos, embora tivessem linguagem fluente e inteligência preservada.>
O aumento de oito vezes nos novos diagnósticos apontado por Russell inclui os casos de Asperger, considerados um tipo específico de autismo.>
Outra categoria acrescentada aos manuais foi o "transtorno invasivo do desenvolvimento sem outra especificação" (PDD-NOS, na sigla em inglês), uma espécie de "diagnóstico guarda-chuva" que também contribuiu para a alta nas estatísticas.>
Hoje, os manuais usam o termo transtorno do espectro autista (TEA), que abrange casos anteriormente classificados como Asperger ou PDD-NOS.>
Ou seja: a rede diagnóstica do autismo foi lançada mais ampla.>
Um grupo que vem sendo incluído com mais frequência nesse espectro ampliado é o de mulheres e meninas.>
Estudos mostram que o aumento no número de diagnósticos tem sido muito mais rápido entre pessoas do sexo feminino do que do masculino.>
É algo que Sarah Hendrickx, que participa de equipes de diagnóstico de autismo há mais de 15 anos, observa em seu trabalho.>
"No começo, praticamente todos os pacientes eram homens. Hoje, quase todas as pessoas que atendo são mulheres", diz.>
Ela mesma recebeu o diagnóstico de autismo já adulta e é autora do livro Women and Girls on the Autism Spectrum (Mulheres e Meninas no Espectro Autista).>
Hendrickx acredita que o crescimento no número de diagnósticos reflete uma espécie de "acerto de contas" após décadas de invisibilidade de pessoas como ela.>
Como o autismo era visto principalmente como um transtorno masculino, muitas meninas autistas eram diagnosticadas com problemas de saúde mental, como ansiedade social, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ou transtorno de personalidade borderline.>
Graças a um aumento nas pesquisas e a publicações como o próprio livro de Hendrickx, publicado pela primeira vez em 2014, hoje há mais compreensão sobre como o autismo se manifesta em meninas e mulheres.>
Uma diferença importante entre os gêneros, segundo ela, é que meninas tendem a ser melhores em "mascarar" seus traços autistas — ou seja, imitam comportamentos de outras pessoas para se integrar socialmente.>
O crescimento nos diagnósticos também foi muito mais acelerado entre adultos do que entre crianças.>
Para Hendrickx, isso mostra mais um aspecto da ampliação do espectro: ele passou a incluir pessoas com menor necessidade de apoio.>
"Estamos falando de indivíduos sem deficiência intelectual", diz. "Pessoas com atrasos no desenvolvimento ou na fala costumavam ser diagnosticadas muito mais cedo, pois os sinais eram evidentes desde a infância.">
Há dados que confirmam isso. Um estudo aponta que, entre 2000 e 2018, os novos diagnósticos de autismo em pessoas com deficiência intelectual aumentaram cerca de 20%, enquanto os diagnósticos em pessoas sem deficiência intelectual subiram 700%.>
O "centro de gravidade" do autismo mudou.>
Para Ellie Middleton, criadora de conteúdo e autora autista com TDAH, isso é positivo.>
Aos 27 anos, ela diz que os céticos sobre o aumento dos diagnósticos deveriam, na verdade, se perguntar: "como todas essas pessoas passaram tanto tempo sem diagnóstico, sem apoio e sendo negligenciadas?">
Middleton conta que chegou a um estado grave de sofrimento mental antes do diagnóstico. "Aos 17 anos, eu tomava a dose máxima de antidepressivos permitida para um adulto", relata. "Não podia ficar sozinha, não conseguia sair de casa.">
O diagnóstico de autismo, três anos atrás, a ajudou a mudar sua forma de viver e cuidar melhor da saúde mental.>
Mas outras pessoas se preocupam com a forma como o autismo é retratado na mídia e nas redes sociais.>
A exposição de celebridades pode "glamourizar" o autismo, diz Venessa Swaby, também autista e responsável por grupos de apoio a crianças autistas e suas famílias, por meio da organização A2ndvoice.>
Enquanto isso, famílias com filhos autistas não verbais sentem que são "esquecidas".>
Conforme o número de diagnósticos cresce, aumenta também a diversidade dentro da comunidade autista — o que, por sua vez, gera tensões sobre quem "tem direito" ao termo e o que ele significa.>
O aumento nas estatísticas também alimenta a conscientização — e isso gera um ciclo de retroalimentação: quanto mais diagnósticos, mais pessoas se informam, o que leva a ainda mais diagnósticos.>
A internet e as redes sociais têm papel central nesse processo — assim como as especulações sobre as causas do crescimento.>
Teorias já desmentidas, como a que ligava a vacina tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) ao autismo, ainda circulam. Há também quem acredite que há algo na alimentação, na água ou no ar que estaria provocando mais casos.>
Mas, como vimos, os dados indicam que o aumento nos diagnósticos se deve, sobretudo, a uma ampliação da definição de autismo — e há pesquisas sólidas que mostram que o autismo tem base majoritariamente genética.>
Existem evidências de que causas ambientais poderiam ter algum papel, ainda que pequeno?>
Russell investigou pesquisas sobre possíveis fatores ambientais e encontrou poucos que possam explicar parte do aumento.>
"Há uma relação bem estabelecida entre idade dos pais e autismo", diz. "Quanto mais velhos os pais, maior a probabilidade de terem um filho autista — embora o efeito seja pequeno.">
Ela também cita indícios relacionados a nascimento prematuro, infecções durante a gestação e complicações no parto.>
Mas, segundo ela, é importante colocar esses fatores em perspectiva.>
"Sinceramente, acredito que a imensa maioria do aumento se deve ao que chamo de cultura diagnóstica", afirma. "Nossa concepção do transtorno mudou — e isso é o que provocou o crescimento.">
Você pode ouvir The Autism Curve no BBC Sounds (em inglês).>
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