Publicado em 23 de outubro de 2018 às 11:42
Ao longo dos últimos dois anos, os cerca de 60 milhões de cristãos da China têm sentido o poder de um novo e assertivo governo ávido por fazer sua fé se ajoelhar.>
As autoridades demoliram centenas de igrejas protestantes, derrubando cruzes de campanários e expulsando as congregações. Católicos sofreram medidas similares, mas o governo chinês adotou uma abordagem diferente no fim de setembro, firmando um acordo diplomático qualificado por funcionários do Vaticano como uma conquista histórica: o primeiro reconhecimento formal de Pequim da autoridade do papa sobre as igrejas católicas na China.>
Mas, com a medida, Pequim parece ter o mesmo objetivo por trás das demolições de igrejas: maior controle sobre a veloz disseminação do cristianismo.>
"Estamos em um momento decisivo", afirmou Ying Fuk-tsang, diretor da escola de estudos religiosos da Universidade Chinesa de Hong Kong. "A atual administração entende que o governo foi muito frouxo no passado, e agora pretende aumentar a pressão.">
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No acordo, o papa Francisco reconhece a legitimidade de sete bispos nomeados por Pequim, em troca de um poder de decisão sobre como os futuros bispos chineses serão escolhidos.>
O Partido Comunista considera a concessão mútua em relação ao Vaticano como um passo na direção da eliminação de igrejas clandestinas, onde há várias gerações os católicos que se recusam a reconhecer a autoridade do partido se reúnem para rezar. Com o reconhecimento do papa a todos os bispos e membros do clero das igrejas católicas oficiais, a igreja clandestina pode perder a razão de existir.>
A manobra é parte de uma iniciativa mais ampla do governo de impor sua autoridade em todos os aspectos da sociedade, em curso desde que Xi Jinping assumiu o poder como líder do partido, em 2012.>
Xi tem comandado um vasto combate à corrupção, às organizações cívicas e ao jornalismo independente, mas sua abordagem em relação à religião tem sido mais seletiva.>
Com muitos chineses em busca de valores e tradições em meio ao confuso e caótico período de mudanças econômicas, Xi tem encorajado o crescimento de algumas religiões, como budismo e taoismo, enquanto toma medidas para garantir que elas se mantenham leais ao partido.>
Ele assumiu uma posição muito mais rigorosa em relação ao islamismo, que as autoridades associam à dificuldade de governar minoria étnicas, algumas delas envolvidas com grupos separatistas ou terroristas no longínquo oeste chinês. O governo está prendendo inúmeros muçulmanos para reeducação, no mais abrangente programa de confinamento desde a era de Mao.>
O cristianismo representa um conjunto diferente de desafios. Ele se espalhou mais rapidamente entre os profissionais de escolaridade mais elevada, nas maiores cidades e regiões mais prósperas da China, muitos deles frequentando igrejas fora da esfera de controle do governo - e as táticas do governo refletem os destinos diferentes de suas denominações.>
O número de católicos na China acompanhou o crescimento da população, elevando-se de 3 milhões em 1949 para cerca de 10 milhões atualmente, representando a menor das crenças aprovadas oficialmente na China.>
Milhões desses crentes resistem com teimosia ao controle do governo. Em algumas partes da China, as populações de católicos de distritos inteiros frequentam igrejas clandestinas, e as igrejas controladas pelo partido permanecem vazias.>
Isso tudo pode mudar com a reaproximação entre o Vaticano e Pequim.>
Vários bispos clandestinos na China deverão abdicar para abrir caminho aos bispos indicados por Pequim que o papa concordou em reconhecer. Em troca, o papa está obtendo algum poder na nomeação de novos bispos.>
Não está claro como será exatamente o funcionamento desse sistema, mas algum tipo de poder de veto informal parece provável. O Vaticano poderia rejeitar candidatos sugeridos pelas autoridades chinesas, mas principalmente por meio de consultas discretas, em vez de votações formais.>
Acho que, se isso ajudar a unir a Igreja, será algo positivo, afirmou o escritor católico You Yongxin, que vive em Fuzhou. Se o papa está certo de que conseguirá indicar bons bispos por meio deste acordo, devemos confiar que assim será.>
Ainda assim, o pacto representou um choque para muitos católicos chineses. Paul Dong Guanhua, um bispo auto-ordenado na igreja clandestina, da cidade de Zhengding, no norte da China, afirmou que não faz sentido para Pequim assinar qualquer acordo que poderia fortalecer a Igreja.>
A situação é bem diferente para os protestantes na China, cujo número aumentou acentuadamente, passando de cerca de 1 milhão em 1949 para mais de 50 milhões atualmente, em parte por causa da ausência da hierarquia eclesiástica, o que permitiu o crescimento mesmo em tempos de perseguição.>
Sem um representante diplomático com quem negociar, as autoridades chinesas empregaram uma tática diferente: demoliram algumas igrejas para mandar um recado a outras.>
A iniciativa começou em 2014, quando a província de Zhejiang demoliu uma grande igreja protestante e começou a remover campanários de centenas de outras. Até 2016, mais de 1.200 igrejas, protestantes em sua maioria, tinham sido decapitadas em Zhejiang.>
O ritmo parece ter se acelerado este ano, com várias igrejas em outras partes do país sendo fechadas ou demolidas.>
O governo também baniu as vendas online da Bíblia e incentivou o desenvolvimento de uma teologia cristã ao estilo chinês.>
O objetivo parece ser forçar as igrejas protestantes a se registrar no governo. A mensagem é que elas não podem ser independentes, disse o professor Ying. A questão é o controle.>
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