Publicado em 13 de fevereiro de 2025 às 18:44
Um projeto de lei em tramitação no Congresso da Colômbia visa proibir a venda de mercadorias que celebrem o narcotraficante Pablo Escobar, cujo cartel de cocaína está ligado a milhares de assassinatos.>
Um dia, em 1989, Gonzalo Rojas estava na escola em Bogotá, capital colombiana, quando um professor tirou ele da sala de aula para dar uma notícia devastadora.>
O pai dele, também chamado Gonzalo, havia morrido em um acidente de avião naquela manhã.>
"Me lembro de sair e ver minha mãe e minha avó me esperando, chorando", diz Rojas, que tinha apenas 10 anos na época. >
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"Foi um dia muito, muito triste.">
Minutos após a decolagem, uma explosão a bordo do voo 203 da Avianca matou a tripulação e os 107 passageiros a bordo, além de três pessoas no solo que foram atingidas pelos destroços.>
A explosão não foi um acidente. Foi um ataque à bomba deliberado de Pablo Escobar e do seu cartel de Medellín.>
Embora a era marcada por guerras às drogas, atentados a bomba, sequestros e uma taxa altíssima de homicídios tenha sido em grande parte relegada ao passado da Colômbia, o legado de Escobar não foi.>
O famoso criminoso, que foi morto pelas forças de segurança em 1993, alcançou um status quase de culto ao redor mundo, sendo imortalizado em livros, músicas e produções de TV, como a série Narcos da Netflix.>
Na própria Colômbia, seu nome e rosto estão estampados em canecas, chaveiros e camisetas em lojas de souvenirs que atendem principalmente a visitantes curiosos.>
Mas um projeto de lei no Congresso da Colômbia está tentando mudar isso.>
O projeto visa proibir produtos com Escobar — e com outros criminosos condenados — para ajudar a pôr fim à glorificação de um chefe do narcotráfico que foi central no comércio global de cocaína, e é amplamente considerado responsável por pelo menos 4 mil assassinatos.>
"Questões difíceis que fazem parte da história e da memória do nosso país não podem ser simplesmente relembradas por uma camiseta ou um adesivo vendido em uma esquina", diz o deputado Juan Sebastián Gómez, coautor do projeto de lei.>
A legislação proposta proibiria a venda, assim como o uso e o porte de roupas e itens que promovam criminosos, incluindo Escobar. Isso significaria multas para aqueles que violassem as regras e uma suspensão temporária dos negócios.>
Muitos comerciantes que vendem esses produtos afirmam que uma lei que proíba esse tipo de mercadoria prejudicaria seus meios de subsistência.>
"Isso é terrível. Temos o direito de trabalhar, e essas camisetas do Pablo, especialmente, sempre vendem bem", diz Joana Montoya, dona de uma barraca repleta de produtos de Escobar na Comuna 13, uma zona turística popular de Medellín.>
Medellín, a cidade natal de Escobar, era conhecida como "a cidade mais perigosa do mundo" no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, devido à violência associada com as guerras às drogas e o conflito armado da Colômbia.>
Hoje, ela foi revitalizada e se tornou um centro de inovação e turismo, com vendedores ávidos para lucrar com o fluxo de visitantes que querem levar souvenirs para casa — alguns relacionados a Escobar.>
"Essas mercadorias com Escobar beneficiam muitas famílias daqui — nos sustentam. Nos ajudam a pagar o aluguel, comprar comida, cuidar dos nossos filhos", diz Montoya, que sustenta a si mesma e a filha pequena.>
Ela afirma que pelo menos 15% de suas vendas são provenientes de produtos com Escobar, mas alguns vendedores disseram à BBC que, para eles, este percentual chega a 60%.>
Se o projeto de lei for aprovado, haverá um período de tempo definido para que os vendedores se familiarizem com as novas regras e eliminem gradualmente seu estoque de mercadorias com Escobar.>
"Precisaríamos de uma fase de transição para que as pessoas pudessem parar de vender esses produtos, e substituí-los por outros", explica o deputado Gómez. Ele diz que a Colômbia tem coisas mais interessantes para mostrar do que os chefes do narcotráfico, e que a associação com Escobar estigmatizou o país no exterior.>
Algumas das camisetas, vendidas por cerca de R$ 36, exibem uma frase de efeito associada a Escobar — plata o plomo, que pode ser traduzida como "prata ou chumbo". A expressão simboliza a escolha que o chefe do cartel dava àqueles que representavam uma ameaça às suas operações criminosas: aceitar um suborno ou ser morto.>
A assistente de loja María Suarez acredita que o lucro obtido com as vendas de mercadorias com Escobar não é ético.>
"Precisamos desta proibição. Ele fez coisas horríveis, e esses souvenirs são coisas que não deveriam existir", diz ela, explicando que se sente desconfortável pelo fato do chefe ter itens relacionados a Escobar no estoque.>
Acredita-se que Escobar e seu cartel de Medellín chegaram a controlar 80% da cocaína que entrava nos EUA. Em 1987, ele foi nomeado uma das pessoas mais ricas do mundo pela revista Forbes.>
Ele gastou parte de sua fortuna desenvolvendo bairros carentes, mas muitas pessoas consideram isso uma tática para comprar a lealdade de alguns segmentos da população.>
Anos depois da morte do pai, Rojas se lembra dele como um homem calmo e responsável, que amava a família. Para ele, o projeto de lei é um momento decisivo.>
"É um marco na maneira como refletimos sobre o que está acontecendo em termos de comercialização de imagens de Pablo Escobar, a fim de corrigir isso", avalia Rojas.>
Mas ele tem críticas em relação às propostas. Ele acredita que o projeto de lei não se concentra o suficiente na educação.>
Rojas se lembra de um dia, há muitos anos, em que encontrou um homem vestindo uma camiseta verde com a silhueta de Escobar e os dizeres: "Pablo, presidente".>
"Isso me deixou tão confuso que não consegui dizer nada a ele sobre o assunto", recorda.>
"É preciso dar mais ênfase à forma como transmitimos mensagens diferentes às novas gerações, para que não haja uma imagem positiva do que é um chefe de cartel.">
Rojas tem se envolvido ativamente nos esforços para reformular as narrativas sobre Escobar e o tráfico de drogas. Em parceria com algumas outras vítimas, ele lançou o narcostore.co em 2019, uma loja online que parece vender itens com o tema de Escobar.>
Mas nenhum dos produtos existe de fato e, quando os clientes selecionam um item, é exibido um depoimento em vídeo de uma vítima. Rojas diz que o site atraiu 180 milhões de visitas do mundo todo.>
No Congresso da Colômbia, o projeto de lei precisa passar por quatro etapas antes de se tornar lei. Gómez diz que espera que a proposta gere reflexão dentro e fora do Congresso.>
"Na Alemanha, não se vende camisetas de Hitler ou suásticas. Na Itália, não se vende adesivos de Mussolini, e você não vai ao Chile para obter uma cópia da carteira de identidade de Pinochet.">
"Acho que a coisa mais importante que o projeto de lei pode fazer é gerar uma conversa como país — uma conversa que ainda não aconteceu.">
O prefeito de Medellín — que também foi candidato à presidência nas eleições de 2022 — apoiou publicamente o projeto de lei, chamando a promoção das mercadorias de "um insulto à cidade, ao país e às vítimas".>
Em El Poblado, uma área nobre de Medellín popular entre os turistas, três americanos visitam uma barraca repleta de souvenirs. Um deles compra um boné estampado com o nome e o rosto de Escobar. Ele diz que quer uma recordação da "história".>
No entanto, para os defensores do projeto de lei, não se trata de remover Escobar da história — mas, sim, de apagar uma construção mítica dele, promovendo novas formas de honrar as vítimas que ele matou —, e reconhecendo a dor persistente das que foram deixadas para trás.>
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