Publicado em 17 de novembro de 2025 às 16:03
Quando Israel e Hamas concordaram com um cessar-fogo na Faixa de Gaza, há um mês, Mona al-Harazeen lembra não ter conseguido conter o choro. >
Só pensava no filho Yazan, morto, segundo ela, em um bombardeio nos primeiros meses da guerra, aos 17 anos.>
"Durante a guerra, não tivemos tempo de ficar tristes. Eu não tive tempo de viver o luto", explica a mulher de 36 anos, que trabalhava no setor administrativo da companhia elétrica local. "Quando a guerra acaba, a dor e a tristeza voltam.">
Falando por telefone à BBC, ela diz que a primeira coisa que fez foi retornar ao norte da Faixa de Gaza, onde viveu a maior parte da vida. Tinha fugido de bombardeios intensos semanas antes de o cessar-fogo entrar em vigor, em outubro.>
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Não era a primeira vez que al-Harazeen fazia esse percurso. Em janeiro de 2025, quando um cessar-fogo anterior foi firmado, ela também caminhou do sul ao norte. >
Na ocasião, carregava o corpo de Yazan, que havia retirado dos escombros onde estava preso havia quase um ano. Chorando, explica que queria dar ao filho um enterro digno.>
Desta vez, ela foi de carro. O trajeto, que antes da guerra levaria 30 minutos, durou cerca de três horas, em meio a estradas destruídas e engarrafamentos causados pelo grande número de pessoas retornando ao norte.>
Desta vez, ela foi de carro. O trajeto, que antes da guerra levaria 30 minutos, durou cerca de três horas, em meio a estradas destruídas e engarrafamentos causados pelo grande número de pessoas retornando ao norte.>
Ao cruzar o vale com vista para a Cidade de Gaza, al-Harazeen diz ter ficado aterrorizada. "Até onde eu podia ver, só havia espaços vazios. Era uma cena horrível. O chão estava coberto de destroços, como se tivesse engolido todos os prédios.">
Ela conta que o horizonte mudou completamente: edifícios de até 13 andares desapareceram. >
"Foi solitário e assustador. Não consigo descrever a sensação. Só chorei", diz. Ela já sabia que sua casa, onde morou por 20 anos, fora destruída em 2024. Apesar disso, quer permanecer na cidade, "porque é o meu lar". Encontrou um apartamento de três cômodos para alugar a dez minutos de carro.>
É um dos poucos disponíveis e, segundo ela, custa caro. Só consegue pagar dividindo o aluguel com a mãe, duas irmãs e suas famílias. Não sabe por quanto tempo vão conseguir manter o arranjo.>
Ela afirma não ter recebido ajuda nem doações de alimentos. Diz que alguns produtos voltaram a aparecer, mas com preços "absurdos".>
Antes da guerra, 1kg de banana custava cerca de três shekels (R$ 5,40). Agora, está em torno de 20 shekels (R$ 36). Um pacote de pão pita, que custava sete ou oito shekels (R$ 15), hoje chega a 60 shekels (R$ 108).>
Ela ainda não consegue comprar ovos e conta que muitas famílias cozinham em fogueiras, por falta de gás. >
"Acendemos fogo sobre placas de metal, em cilindros grandes, nas varandas, em banheiros desativados ou perto das janelas, para ferver água e esquentar a comida.">
"Como não temos móveis, sentamos em cobertores e almofadas no chão", acrescenta.>
Ela diz que os habitantes de Gaza não se sentem seguros e duvidam da estabilidade do cessar-fogo. "Ainda ouvimos tiros, foguetes e bombardeios. Tenho muito medo.">
Mesmo assim, dorme um pouco mais tranquila ao saber que os outros dois filhos, Mohammad, 16, e Bashar, 12, estão relativamente protegidos.>
O futuro, para ela, é sombrio: "Não temos futuro... Gaza acabou.">
"Gostaria, nem que fosse por um dia, de voltar à minha casa, tomar banho no meu banheiro, dormir na minha cama, pentear o cabelo diante do espelho, vestir roupas limpas, passar meu perfume. Tenho saudade das coisas simples que fazia e já não posso fazer.">
Enquanto a maioria das pessoas ouvidas diz achar impossível pensar em reconstruir a vida, algumas, como Jumana, 26, encontram breves lampejos da antiga rotina.>
Sua casa é uma das poucas ainda de pé na Cidade de Gaza. >
"Nosso apartamento não foi gravemente danificado, graças a Deus", afirma por telefone. "Só as janelas quebraram, e a cozinha ficou um pouco destruída.">
A jornalista freelancer vive ali com o marido, que também trabalha na área, e as duas filhas. A mais velha, Tulin, 6, que sonhava voltar à escola, começou a ter aulas particulares, sendo as primeiras desde o início da guerra.>
A caçula, Thalia, 2, nasceu menos de uma semana depois do ataque de 7 de outubro de 2023, liderado pelo Hamas contra o sul de Israel, quando 251 pessoas foram sequestradas e cerca de 1.200 morreram.>
Tulin também nasceu em outubro, e os pais esperavam, neste ano, finalmente fazer uma grande festa para as duas. Mas os planos ruíram quando um parente foi morto em bombardeios israelenses no fim de outubro, após Israel e Hamas se acusarem mutuamente de violar o cessar-fogo.>
Ele é uma das mais de 68 mil vítimas da guerra em Gaza, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas, números aceitos pela Organização das Nações Unidas (ONU) e outras entidades internacionais.>
O Exército israelense afirmou ter atingido "dezenas de alvos terroristas e militantes" em resposta a violações do acordo mediado pelos Estados Unidos. >
O ministro da Defesa de Israel acusou o Hamas de um ataque que matou um soldado israelense e de descumprir as condições sobre a devolução dos corpos de reféns mortos. >
O Hamas negou envolvimento e acusou Israel de tentar minar o acordo.>
Para Jumana, o episódio foi um lembrete de que a vida está longe do normal. "Com guerra ou sem guerra, é isso que nossas vidas viraram, a triste realidade", diz, com amargura.>
Ainda assim, saiu para passear com o marido e as meninas. Compartilhou um vídeo das duas caminhando entre destroços.>
Depois, foram a um restaurante. "Comeram pizza, shawarma e tomaram Coca-Cola. Ficamos tanto tempo sem nada disso que parecia um sonho", conta.>
Jumana também postou fotos de alimentos que conseguiu comprar — espetinhos de carne, frango inteiro, sorvete, frutas e cordeiro. Levou as filhas ao supermercado e registrou prateleiras cheias de doces, salgadinhos e café, mas outras vazias ao fundo.>
"As prateleiras só ficam cheias quando o [Exército] israelense permite a entrada de mercadorias", explica. "Nem tudo está disponível. Se as fronteiras fecham por dois dias, os produtos somem imediatamente.">
Ela e o marido conseguem sustentar a família porque continuam trabalhando. Mas a maioria dos moradores está desempregada e os bancos permanecem fechados. >
Alguns ainda têm dinheiro guardado e cobram taxas de até 25% para liberar transferências, relata.>
Jumana também compartilhou imagens das filhas brincando e nadando no mar, com prédios destruídos ao fundo; em um deles, sem paredes nem janelas, ainda vive uma família.>
A cena resume a realidade em Gaza. "Não há futuro para nós nem para nossas filhas. Tentamos seguir, mas não é normal", diz. "Estamos planejando um futuro fora de Gaza, infelizmente.">
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