Publicado em 25 de outubro de 2022 às 14:52
Desde o ano 2000, o número de mulheres presas no Brasil quadruplicou enquanto, no mundo, a população prisional feminina cresceu 60%, somando 740 mil mulheres.>
Com o aumento desproporcional, o Brasil bateu a marca das 42 mil presas, ultrapassou a Rússia (37 mil) e assumiu a terceira posição no ranking dos países com mais mulheres atrás das grades. A lista é encabeçada por EUA (211 mil) e China (145 mil).>
Os dados são da quinta edição do World Female Imprisonment List, levantamento global sobre mulheres presas realizado pelo ICPR (sigla em inglês para Instituto de Pesquisa em Políticas Criminal e de Justiça) de Birkbeck College (Universidade de Londres), no Reino Unido.>
Para comparação, considerando homens presos, o Brasil ocupa desde 2017 a mesma terceira posição no ranking global, também atrás de EUA e China. Desde 2000, essa população aumentou 22% no globo - quase um terço do crescimento entre mulheres.>
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A taxa de encarceramento feminino no Brasil, que em 2000 era de 6 presas para cada 100 mil mulheres, agora é de 20, o que coloca o país em 15º lugar no ranking proporcional - liderado por EUA (64), Tailândia (47), El Salvador (42), Turcomenistão (38), Brunei (36), Macau, na China, (32), Belarus (30), Uruguai (29), Ruanda (28) e Rússia (27).>
O documento britânico compila dados prisionais de fontes oficiais e destaca tanto o fornecimento incompleto de dados pelo governo da China quanto a indisponibilidade total de informações de outros cinco países: Cuba, Etiópia, Coreia do Norte, Somália e Uzbequistão.>
Os dados consideram tanto presas provisórias (aquelas que ainda não foram julgadas) quanto condenadas. No Brasil, 45% das mulheres encarceradas são presas provisórias.>
Para Catherine Heard, diretora do projeto no ICPR, é preocupante o aumento de mulheres presas porque as evidências mostram que a prisão é particularmente prejudicial para elas. "Seus impactos adversos continuam por muito mais tempo e podem causar danos irreparáveis, não apenas às mulheres, individualmente, mas também a seus filhos.">
No Brasil, 74% das mulheres presas são mães e 56% têm dois ou mais filhos, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública de 2018.>
"Muitas mulheres presas são mães que têm sido a principal ou a única cuidadora de seus filhos. Portanto, as consequências de cada vez mais mulheres serem presas são sérias para famílias, comunidades e para a sociedade como um todo", afirma Heard.>
Segundo ela, observar o sistema prisional através de um recorte de gênero é importante porque "mulheres presas, em geral, vêm de um contexto de privação e desigualdade".>
Entre as presas brasileiras, 63,5% são mulheres negras, 47,3% são jovens e 51,9% têm apenas o ensino fundamental incompleto. Além disso, dados de 2018 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) a partir do registro no CadÚnico mostram que a mediana da renda familiar mensal per capita de mulheres presas era de R$ 40 enquanto a de mulheres não presas era de R$ 100.>
Para Karine Vieira, que passou pelo sistema carcerário de São Paulo antes de criar a ONG Responsa, em que auxilia egressas de presídios numa nova jornada fora do crime, as mulheres entram na criminalidade por fatores diversos, mas uma parte considerável é por questão de sobrevivência e de autonomia.>
"Há um crescimento enorme de mulheres que buscam gerar renda para manter sua vida, seus lares, seus filhos e, por falta de oportunidade, encontram na criminalidade uma maneira de sobrevivência", avalia ela.>
"São mães solos, mulheres que romperam relacionamentos, entre outras. É importante enxergarmos que boa parte delas são mulheres periféricas, com baixa escolaridade e pouco acesso.">
Heard, a diretora do programa de dados prisionais do ICPR, aponta que o aumento exponencial de mulheres presas no Brasil teve como motores o "uso praticamente automático da prisão preventiva nos casos de acusação de crimes ligados a drogas e as altas penas aplicadas a esses casos".>
No Brasil, 3 a cada 5 mulheres presas respondem por crimes relacionados à Lei de Drogas (11.343), de acordo com o Infopen 2018.>
"Os países que apresentaram os maiores crescimentos [de mulheres presas] tiveram 'guerra às drogas' muito duras nos anos recentes, o que envolve políticas de tolerância zero até para práticas menores, como posse para uso pessoal", diz Heard. "Essas são políticas exportadas dos EUA para a América Latina e também para alguns países da Ásia, como a Tailândia", explica.>
Para a pesquisadora britânica, é importante observar que as mulheres presas "têm histórias anteriores de traumas, problemas de saúde mental, desamparo, abuso de drogas ou álcool e violência sexual ou doméstica".>
No Brasil, a maioria das mulheres presas relata uma trajetória de violências. Estudos no Rio de Janeiro e em Santa Catarina apontaram que a cada 4 presas 3 sofreram violência na infância ou adolescência e que os casos de violência doméstica praticada por parceiro têm proporção ainda maior.>
Segundo Heard, "a prisão traumatiza novamente essas mulheres e as distancia ainda mais dos mecanismos de apoio, aumentando o estigma aos olhos da sociedade", o que dificulta a retomada da vida fora do crime.>
Heard aponta para o fato de mulheres serem majoritariamente acusadas por crimes não violentos e de muitas ficarem presas porque não têm como pagar multas e fiança ou, em alguns casos, terem dificuldade em obter representação legal.>
"A prisão muitas vezes só perpetua a violência estrutural e de Estado", avalia.>
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