Publicado em 10 de maio de 2025 às 07:39
Diferentemente de outros países, onde as prisões são administradas por agências públicas, as penitenciárias e centros de detenção de imigrantes sem documentos nos Estados Unidos são um negócio multimilionário, mantido com a participação de empresas privadas.>
A volta do presidente americano Donald Trump à Casa Branca, em 20 de janeiro, e sua promessa de implementação de uma política de deportações em massa fez disparar o valor das ações dos dois gigantes do negócio carcerário: o GEO Group e a CoreCivic.>
"O GEO Group foi criado para este momento único da história do nosso país e para as oportunidades que ele irá trazer", declarou o fundador da empresa, George Zoley, em uma chamada com investidores, dias depois da eleição de Trump para a presidência americana.>
Esta é uma "oportunidade sem precedentes", destacou o presidente e diretor-executivo do maior operador de prisões privadas dos Estados Unidos, que também abriga o maior número de imigrantes no país.>
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A empresa teve uma receita total de US$ 2,4 bilhões (cerca de R$ 13,5 bilhões) em 2024 e espera dobrar os seus serviços, aumentando sua rentabilidade, durante o segundo mandato de Trump.>
Entre seus maiores acionistas, estão os fundos de investimentos BlackRock, Vanguard, Wolf Hill, FMR e Goldman Sachs.>
Já a CoreCivic é a segunda maior empresa carcerária do país. Ela atingiu receita de US$ 2 bilhões (cerca de R$ 11,3 bilhões) em 2024 e também projeta uma avalanche de novos negócios com o governo Trump.>
"Trabalho há 32 anos na CoreCivic e este, sem dúvida, é um dos períodos mais emocionantes da minha carreira", declarou em fevereiro o diretor-executivo da empresa, Damon Hininger. Ele prevê que a CoreCivic poderá vir a ter "o crescimento mais significativo da sua história" nos próximos anos.>
Alguns dos seus grandes acionistas são o BlackRock e Vanguard, além da River Road e da Cooper Creek Partners.>
Estas e outras empresas menores dividem o controle das prisões e centros de detenção de migrantes sem documentos. Elas detêm contratos financiados com fundos públicos, por meio do Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês), uma agência governamental subordinada ao Departamento de Segurança Nacional americano.>
O ICE é o órgão encarregado das deportações de imigrantes. Por isso, ele agora exige que os centros de detenção tenham capacidade suficiente para receber um número cada vez maior de detidos.>
Este é o motivo da urgência do governo americano para firmar novos contatos que permitam a reabertura ou construção de novas unidades.>
Esta perspectiva fez com que, desde que Donald Trump venceu as eleições presidenciais de novembro passado, o valor das ações do GEO Group disparasse em cerca de 90% – e o da CoreCivic, em cerca de 50%.>
Os acordos entre o governo Trump e as empresas privadas para ampliar a capacidade das unidades existentes estão avançando.>
O GEO Group e o governo americano anunciaram em fevereiro a reabertura do centro de detenção Delaney Hall, no Estado de Nova Jersey, com a assinatura de um contrato de 15 anos, no valor de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,6 bilhões).>
Localizado perto de um aeroporto internacional, Delaney Hall será "o primeiro centro de detenção a ser aberto durante o novo governo", segundo declarou há algumas semanas o então diretor interino do ICE, Caleb Vitello.>
O GEO Group espera que este contrato gere mais de US$ 60 milhões (cerca de R$ 338 milhões) de receita durante seu primeiro ano completo de operação. O centro cumpriu com a mesma função entre 2011 e 2017, quando era de propriedade da empresa privada Community Education Centers, adquirida pelo GEO Group em 2017.>
Organizações comunitárias protestaram contra a reabertura da unidade e o prefeito da cidade de Newark (onde está localizado do centro de detenção), Ras Baraka, declarou que Delaney Hall "não é bem-vindo").>
"Não queremos fazer parte disso", afirmou ele, em referência às políticas de deportação do governo americano. Ele defende que elas não respeitam o processo devido a que têm direito as pessoas detidas nos Estados Unidos.>
Mas Delaney Hall é apenas um exemplo das diversas unidades que irão reiniciar suas operações nos próximos meses.>
No Estado americano do Texas, a empresa privada CoreCivic também assinou, há algumas semanas, um contrato para reabrir o centro de detenção de imigrantes da cidade de Dilley. Anteriormente, este centro abrigava famílias com filhos que haviam sido detidas pelo ICE.>
Localizado a cerca de 135 km da cidade de Laredo, na fronteira com o México, o Centro Residencial Familiar do Sul do Texas, em Dilley, espera colocar cerca de 2,4 mil leitos à disposição do governo americano.>
Este centro foi utilizado durante o governo do ex-presidente Barack Obama (2009-2017) e o primeiro mandato de Donald Trump (2017-2021). Mas o ex-presidente Joe Biden (2021-2024) eliminou gradualmente a detenção de famílias na unidade, para transformá-la em um centro de detenção de adultos.>
A CoreCivic informou que o local foi desativado em 2024, quando seu contrato foi encerrado.>
Prevê-se que o centro volte a abrigar famílias sob um novo contrato, segundo o administrador da cidade de Dilley, Henry Arredondo. Ele e o ICE descrevem a unidade como "limpa e organizada".>
"É claro que as pessoas que ficarão ali vivem uma aventura desafiadora, por assim dizer. Mas como sabem, eles precisam ser tratados com dignidade e respeito", declarou Arredondo à rede de rádio pública dos Estados Unidos NPR.>
Os novos contratos adjudicados nos últimos meses vêm em um momento em que a Casa Branca procura intensificar sua ofensiva contra a migração de pessoas sem documentos.>
O governo tem como objetivo deportar, pelo menos na primeira etapa, um milhão dos cerca de 11 milhões de imigrantes sem documentos que vivem nos Estados Unidos.>
Mas atingir esta meta não é uma tarefa fácil. Além de aumentar a quantidade de prisões de pessoas sem documentos, é preciso ampliar a capacidade das instalações destinadas a abrigar as pessoas detidas, enquanto esperam o momento da sua expulsão do país.>
Para cumprir com os planos do presidente Trump, o "czar da fronteira", Tom Homan, declarou que irá precisar de pelo menos 100 mil leitos para manter os imigrantes detidos. Este número representa mais do dobro da capacidade atual.>
Com este objetivo pela frente, a participação das empresa privadas é fundamental. Mas os novos contratos exigem mais financiamento.>
No momento, a Casa Branca deseja fazer com que o Congresso americano, de maioria republicana, aprove um aumento dos recursos necessários para fazer avançar sua política de deportações.>
Especialistas calculam que os custos de manutenção de uma pessoa adulta detida somem cerca de US$ 165 (cerca de R$ 929) por dia, por leito.>
Dados oficiais indicam que a população de detidos pelo ICE aumentou de 39 mil pessoas, em janeiro, para cerca de 48 mil, no início de abril. Este é o nível mais alto dos últimos cinco anos - muito acima dos 41,5 mil leitos, que é a capacidade máxima permitida atualmente pelos fundos disponíveis para o órgão.>
Recentemente, o ICE solicitou permissão para agilizar processos de contratação. A intenção é acelerar os contratos referentes a centros de detenção na Califórnia, Michigan e em outros Estados americanos.>
E, há algumas semanas, o governo Trump convidou as empresas privadas a apresentar propostas de ampliação da rede de centros de detenção, transporte, guardas de segurança, assistência médica e outros serviços, no valor de até US$ 45 bilhões (cerca de R$ 253,3 bilhões) para os próximos dois anos.>
Em meio às denúncias de superlotação em alguns centros de detenção, a Casa Branca parece enfrentar necessidade urgente de ampliar o número de leitos disponíveis.>
Nos últimos meses, o governo americano recorreu a instalações militares como a Estação Naval na baía de Guantánamo, em Cuba. De lá, saiu em março o primeiro voo de venezuelanos deportados para uma prisão de segurança máxima em El Salvador.>
Não se sabe se o governo Trump tem planos de continuar empregando aquela unidade ou outras instalações militares com este propósito.>
O professor de sociologia Brett Burkhardt, da Universidade Estadual de Oregon, nos Estados Unidos, investigou a participação do GEO Group e da CoreCivic no setor carcerário dos Estados Unidos.>
Como as duas empresas são cotadas nas bolsas de valores, elas precisam publicar seus resultados e prestar contas aos seus acionistas.>
Seus negócios envolvem todo o sistema penitenciário americano e não apenas os centros de detenção de migrantes. Mas este setor passou a representar uma parte substancial da sua receita nos últimos anos.>
"Os contratos são muito lucrativos", declarou Burkhardt à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.>
Atualmente, cerca de 70% de todos os imigrantes detidos se encontram em centros administrados por diferentes empresas privadas. Mas os negócios relacionados aos migrantes não se resumem apenas aos centros de detenção.>
As empresas também fornecem serviços de transporte e monitoramento eletrônico dos migrantes, enquanto estão em liberdade, à espera de suas audiências perante o Poder Judiciário.>
Burkhardt destaca que existe um certo nível de preocupação com a participação dessas empresas na gestão dos centros de detenção, já que há incentivos para que elas financiem campanhas políticas que promovam medidas migratórias mais rigorosas.>
A diretora-executiva da organização Worth Rises, Bianca Tylek, destaca este ponto. Ela é a autora do livro The Prison Industry: How it Works and Who Profits ("A indústria prisional: como funciona e quem se beneficia", em tradução livre).>
"Elas gastaram milhões de dólares, apoiando campanhas políticas que favorecem seus negócios", declarou ela à BBC.>
Tylek também afirma que a rentabilidade das operações dessas empresas depende da manutenção da maior quantidade possível de pessoas detidas, reduzindo ao máximo os custos dos serviços oferecidos.>
Esta lógica está presente em todo o sistema carcerário norte-americano. Mas, nos centros de detenção de imigrantes, a situação é mais preocupante, segundo ela, porque estas pessoas "têm menos direitos e podem sofrer mais abusos".>
A redução de custos faz com que as pessoas detidas vivam em condições abaixo dos padrões mínimos que deveriam ser oferecidos pelos centros de pessoas sem documentos, segundo a diretora de promoções da organização Detention Watch Network, Setareh Ghandehari.>
Existem denúncias, já há algum tempo, sobre as condições de vida precárias das pessoas detidas naqueles centros.>
Ghandehari declarou que, muitas vezes, os migrantes não têm acesso aos serviços médicos necessários. Além disso, segundo ela, as unidades não recebem manutenção e os banheiros e as condições de higiene estão longe de serem aceitáveis.>
"Observamos abusos em vários centros de detenção", destaca Ghandehari.>
Um porta-voz do GEO Group declarou à BBC que, ao longo das últimas quatro décadas, a empresa trabalhou com sete governos americanos.>
Em todos os casos, "nossos serviços contratados são supervisionados pelo governo federal", para garantir o rigoroso cumprimento dos padrões nacionais de detenção, aplicáveis a todos os centros do ICE.>
Os serviços prestados "incluem acesso a assistência médica 24 horas em certas unidades em que a GEO presta diretamente serviços médicos, segurança, manutenção e serviços de alimentação, bem como acesso a serviços recreativos e assessoria jurídica", destacou o porta-voz.>
A empresa também indica que, nas unidades em que ela oferece serviços de assistência médica, as pessoas detidas têm acesso a uma equipe de profissionais, formada por médicos, enfermeiros, dentistas, psicólogos e psiquiatras, bem como acesso a serviços externos, em caso de necessidade.>
Já a empresa CoreCivic declarou à BBC que sua reponsabilidade é "atender a cada pessoa com respeito e humanidade, enquanto ela recebe o processo legal devido a que tem direito".>
"Temos o firme compromisso de oferecer assistência de alta qualidade às pessoas em nossas instalações", declarou o diretor de Assuntos Públicos da empresa, Ryan Gustin.>
"Nossas unidades estão sujeitas a diversos níveis de supervisão e são monitoradas com muito rigor pelos nossos sócios governamentais, para garantir o pleno cumprimento das políticas e procedimentos", declarou ele.>
Por outro lado, a empresa afirmou estar comprometida com os direitos humanos das pessoas detidas, "incluindo direitos legais, segurança, assistência médica, visitas e qualidade de vida".>
A BBC News Mundo entrou em contato com o ICE, mas não recebeu resposta até a publicação desta reportagem.>
Uma análise dos registros de inspeção de 17 centros do ICE entre os anos fiscais de 2020 e 2023, realizada por um organismo de controle federal, encontrou evidências de assistência médica deficiente em mais da metade das instalações e violações das normas de saúde e segurança ambiental em mais de um terço delas, segundo informou o jornal The Washington Post.>
No momento, o que está claro é que, para implementar sua ambiciosa política de deportações, o governo Trump precisa conseguir o financiamento necessário para aumentar o número de prisões de imigrantes sem documentos e contar com unidades em quantidade suficiente para abrigá-los.>
Esta é uma batalha entre a Casa Branca e o Congresso americano que provavelmente irá ocorrer nos próximos meses, para cumprir com a promessa eleitoral de Donald Trump, de levar a cabo "a maior deportação" de imigrantes da história dos Estados Unidos.>
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