Publicado em 7 de maio de 2025 às 17:39
A Casa Santa Marta tem 128 quartos. No dia 7 de maio, ela foi ocupada pelos cardeais que participam do conclave para eleger o próximo papa.>
Mas um dos quartos da hospedaria do Vaticano segue lacrado com uma fita vermelha, desde que seu último morador – o papa Francisco – morreu ali, na segunda-feira após a Páscoa.>
Aquela suíte só será reaberta quando o novo papa for escolhido.>
A fita permanece como um lembrete tangível do homem que os cardeais estão tentando substituir. Mas a presença do papa Francisco emerge imponente neste conclave de formas muito mais profundas.>
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Ele passou 12 anos no cargo e nomeou cerca de 80% dos cardeais que irão eleger seu sucessor.>
Francisco também procurou alterar radicalmente o funcionamento da Igreja Católica, afastando seu centro de gravidade da hierarquia do Vaticano, em direção às bases de fiéis espalhadas pelo mundo. Ele se concentrou nos pobres e nos marginalizados.>
Minhas conversas com os cardeais e as pessoas que avaliam as necessidades da Igreja Católica nos dias que antecederam esta eleição papal quase sempre terminavam observando o que é preciso fazer, segundo a óptica das ações tomadas por Francisco durante seu pontificado.>
Nos últimos dias, parece ter havido uma integração crescente em torno da ideia de que o trabalho do papa Francisco precisa ter continuidade. Mas alguns dos seus críticos estão longe de se convencerem disso.>
Será que pode haver opositores em quantidade suficiente para influenciar a votação, à medida que a Igreja tenta reconciliar as diferentes visões e realidades que ela enfrenta pelo mundo?>
Durante as duas semanas que se seguiram à morte do papa Francisco, os cardeais se reuniram no Vaticano quase que diariamente. Estas reuniões pré-conclave são conhecidas como congregações gerais.>
O conclave na Capela Sistina é restrito aos cardeais que não tenham atingido 80 anos de idade (neste, são 133 participantes). Mas as reuniões preliminares são abertas para todos os 252 cardeais.>
Cada um dos participantes recebe cinco minutos para divulgar suas ideias, mas sabemos que alguns deles levaram mais tempo para isso.>
Foi durante uma destas reuniões realizadas antes do último conclave, em 2013, que o então cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio impressionou os demais participantes, em um discurso que durou menos de quatro minutos.>
Bergoglio falou sobre a necessidade de conexão com as pessoas nos cantos mais distantes do mundo católico.>
E, durante o conclave, ele seria eleito o novo pontífice – o papa Francisco.>
Durante seu pontificado, Francisco tomou a decisão consciente de nomear cardeais desses lugares distantes. Por isso, temos hoje o conclave mais diversificado da história.>
Pela primeira vez, há no conclave representantes de Cabo Verde, Haiti, Sudão do Sul, Tonga, Mianmar, Papua-Nova Guiné e Ruanda.>
Esta diversidade já deixou sua marca. Conta-se que as reuniões pré-conclave colocaram em evidência as diferentes necessidades que a Igreja Católica parece enfrentar em cada lugar do mundo.>
Na Europa, por exemplo, uma consideração importante para algumas pessoas pode ser encontrar formas de revigorar e aumentar a relevância da missão da Igreja Católica, frente à redução das congregações locais.>
Já em outros continentes, como a África e a Ásia, as preocupações podem girar em torno de questões sociais, pobreza e resolução de conflitos.>
O candidato a papa, provavelmente, é aquele que tenha pelo menos demonstrado reconhecimento destas realidades regionais muito diferentes.>
Os títulos oficiais a serem herdados pelo novo papa dão uma ideia da amplitude do seu cargo: Bispo de Roma, Vigário de Jesus Cristo, Sucessor do Príncipe dos Apóstolos, Supremo Pontífice da Igreja Universal e Soberano do Estado do Vaticano são alguns deles.>
Alguns destes títulos são profundamente espirituais, mas o último mencionado indica que também é preciso ser um chefe de Estado. Afinal, o papa é o líder de um país, mesmo que seja o menor do mundo.>
"Ao contrário de um Estado comum, a agenda do Vaticano é definida, até certo ponto, pela pauta enfatizada pelo papa no poder naquele momento", explica o Embaixador britânico na Santa Sé, Chris Trott. "Aparentemente, é um Estado minúsculo, [mas] sua força é muitas, muitas vezes maior do que o seu tamanho.">
"E o papa Francisco tinha 50 milhões de seguidores no Twitter, de forma que [este é] um Estado muito, muito pequeno, mas um incrível influenciador global.">
Francisco decidiu amplificar esta parte do seu cargo. Ele se tornou um poderoso porta-voz global dos marginalizados, incluindo os pobres e as vítimas da guerra.>
O papa também tentou desempenhar o papel de pacificador, mas nem todos acreditam que ele tenha sido bem sucedido neste particular, principalmente em relação à China e à Rússia.>
O cardeal Vincent Nichols é a principal figura católica da Inglaterra e do País de Gales. Para ele, esta expansão do cargo é uma das razões que levam muitas pessoas a se interessarem pelo resultado do conclave, mesmo fora da fé católica.>
"Existe a sensação de que o papa, na pessoa do papa Francisco, se tornou uma figura que se dirigia a todas as pessoas do mundo", explica ele. "Pessoas religiosas e mesmo aquelas que não têm afiliação religiosa.">
"Estou cada vez mais consciente de que não apenas os católicos estão interessados nisso.">
Para muitos cardeais eleitores, as questões internas da Igreja Católica são as mais importantes. >
Isso nos faz perguntar qual tipo de papa eles desejam como administrador — alguém que dirija o corpo administrativo da Igreja e seus departamentos.>
O papa Francisco trabalhou para melhorar a forma em que a Igreja Católica lida com as enormes questões de abusos sexuais e corrupção financeira. Seu sucessor é quem precisará garantir que estas reformas sejam aplicadas igualmente em todo o mundo católico.>
Os próprios apoiadores dos esforços do papa Francisco para mudar o relacionamento entre a Igreja e sua base de fiéis e para construir pontes com os não católicos, às vezes, não sabiam ao certo qual a forma exata em que ele imaginava que tudo deveria funcionar.>
O papa Francisco mudou o tom sobre questões sociais com seus comentários. Ele falou abertamente sobre diversos temas, desde as mudanças climáticas até a transparência financeira do Vaticano.>
Mas, durante seu pontificado, algumas pessoas não tinham certeza sobre o que ele queria dizer ou como aqueles pontos seriam implementados.>
Uma de suas missões foi retirar parte do poder e da tomada de decisões da hierarquia do Vaticano e colocá-la nas mãos da base de fiéis católicos.>
Por cerca de quatro anos e com grandes esforços, ele encomendou o que foi, na verdade, uma pesquisa entre uma grande quantidade de católicos do mundo para descobrir o que era importante para eles.>
Leigos foram convidados a participar da mais recente conferência de bispos, que discutiu os resultados da pesquisa.>
As maiores questões levantadas se referiam à maior participação das mulheres na gestão da Igreja e à abertura para os católicos da comunidade LGBTQIA+.>
Mas a reunião terminou com uma certa confusão. Poucas medidas tangíveis foram tomadas e não ficou muito claro como os leigos irão ajudar a direcionar o futuro da Igreja Católica.>
Por isso, existe um desejo geral de maior clareza, por parte do novo papa.>
Ao longo do pontificado, alguns tradicionalistas atuantes manifestaram sua oposição contra o que consideravam afastamento dos ensinamentos e da longa tradição da Igreja Católica por parte do papa Francisco.>
Durante as reuniões de cardeais antes do conclave, diversos deles com mais de 80 anos de idade (que não participam da votação devido à idade) aproveitaram a oportunidade para deixar sua participação.>
A maioria das contribuições permaneceu em sigilo. Mas uma que veio a público foi a do cardeal italiano Beniamino Stella, de 83 anos. Ele criticou o papa Francisco por "impor suas próprias ideias", tentando afastar do clero a administração da Igreja.>
Ainda assim, durante a homilia do funeral de Francisco, o que pareceu ressoar com o público presente, a julgar pelo volume dos aplausos, foi a menção aos temas defendidos pelo papa: a dignidade dos migrantes, o fim das guerras e o meio ambiente.>
Estes aplausos teriam sido ouvidos, em alto e bom som, também vindo das fileiras ocupadas pelos cardeais.>
Em certo sentido, o papa Francisco realmente mostrou clareza ao se concentrar em fazer a Igreja Católica relevante para as pessoas no seu dia dia e, por fim, nas suas dificuldades. E ele também falou claramente sobre a conexão da Igreja com o mundo fora da sua fé.>
"Existe a sensação de que, na voz do papa, existe a voz de algo que é necessário", afirma o cardeal Nichols.>
"Para algumas pessoas, ela é uma bússola moral. Para outras, é a sensação de aceitação. Para outras, é a insistência de que precisamos observar as coisas do ponto de vista dos mais pobres. É uma voz que ficou em silêncio e nossa tarefa é encontrar alguém que possa levá-la adiante.">
Entre a morte do papa e a chegada dos cardeais à Casa Santa Marta para superlotar suas acomodações, parece ter surgido uma tendência favorável à continuidade das conquistas de Francisco.>
Talvez esta visão de continuidade possa atrair alguns dos céticos, de forma pragmática.>
A palavra "unidade" foi muito mencionada nos últimos dias, depois de um período em que a divisão entre os apoiadores e os detratores de Francisco e sua visão da Igreja, às vezes, atingia níveis desagradáveis.>
Mas, no final, dentro da Capela Sistina – a mais sagrada das câmaras eleitorais –, mesmo com todo o pragmatismo que pode ter sido considerado anteriormente, os cardeais serão impelidos a deixar que Deus e o Espírito Santo os orientem, na hora de depositar seus votos.>
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