Publicado em 6 de setembro de 2025 às 11:33
Uma investigação da BBC revelou que uma rede internacional de spammers — usuários que disseminam mensagens falsas em massa — usa o Facebook para publicar imagens falsas do Holocausto criadas por inteligência artificial. >
Especialistas chamam esse tipo de material de AI slop (algo como "IA desleixada", em tradução livre), expressão usada para definir conteúdo automatizado de baixa qualidade.>
Organizações dedicadas à preservação da memória do Holocausto afirmam que as imagens causam sofrimento a sobreviventes e familiares.>
As entidades criticaram a Meta, dona do Facebook, que, segundo elas, permite transformar o massacre em um "jogo emocional".>
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Há poucas fotos autênticas do campo de concentração de Auschwitz feitas durante a Segunda Guerra Mundial (1939-45).>
Nos últimos meses, porém, spammers divulgaram imagens falsas que alegam mostrar o interior do campo de concentração, como a de uma prisioneira tocando violino ou de amantes junto às cercas. As publicações tiveram dezenas de milhares de curtidas e compartilhamentos.>
"Temos aqui alguém inventando histórias para um tipo de jogo emocional que acontece nas redes sociais", diz Pawel Sawicki, porta-voz do Memorial de Auschwitz, na Polônia.>
"Isto não é um jogo. É o mundo real, com sofrimento real e pessoas reais que queremos e precisamos lembrar.">
A BBC rastreou parte dessas imagens até as contas de uma rede de criadores de conteúdo no Paquistão, que colaboram entre si para lucrar com o Facebook.>
Eles exploram o programa de monetização de conteúdo (CM) da Meta, um sistema "só para convidados" que paga por publicações e visualizações com alto engajamento.>
Uma dessas contas, em nome de Abdul Mughees, que se apresenta como morador do Paquistão, publicou capturas de tela em que diz ter ganhado US$ 20 mil (cerca de R$ 104 mil) com esquemas de monetização em redes sociais, incluindo o da Meta. Em outra postagem, afirma ter acumulado mais de 1,2 bilhão de visualizações em quatro meses.>
A BBC não conseguiu verificar de forma independente os ganhos de nenhum criador.>
Entre as postagens de Abdul Mughees no Facebook estão fotos geradas por inteligência artificial de vítimas fictícias do Holocausto e relatos falsos, como o de uma criança escondida sob o assoalho ou de um bebê deixado nos trilhos de um campo de concentração.>
A análise da BBC sobre essa conta e dezenas de outras semelhantes indica que elas publicam quase só AI slop.>
O termo se refere a imagens e textos de baixa qualidade gerados por inteligência artificial, produzidos em grande volume e espalhados nas redes sociais.>
Auschwitz virou tema frequente em páginas e grupos de história. Algumas, com nomes como "Timeless Tales" (Contos atemporais, em tradução livre) e "History Haven" (Refúgio da história, em tradução livre), chegavam a publicar mais de 50 vezes por dia.>
Em junho, o Museu de Auschwitz alertou que contas como essas roubavam suas postagens, processavam o material em modelos de inteligência artificial e muitas vezes distorciam fatos históricos ou criavam narrativas e vítimas. >
Em nota no Facebook, afirmou que essas imagens representam uma "distorção perigosa" que "desrespeita as vítimas e assedia sua memória".>
Sawicki diz que o "tsunami" de imagens falsas enfraquece a missão do Memorial de Auschwitz de promover a conscientização sobre o Holocausto.>
"Já começamos a receber comentários em nossas postagens no Facebook dizendo 'isso é uma foto gerada por inteligência artificial'", afirmou.>
Sobreviventes e famílias também se dizem abalados com a proliferação de AI slop sobre o Holocausto, segundo uma organização dedicada à educação e à pesquisa do tema.>
"Eles não entendem bem o que estão vendo", diz Robert Williams, da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto.>
De acordo com Williams, sobreviventes sentem "tristeza por isso ser permitido", apesar de investimentos de governos e fundações em campanhas de conscientização.>
"Eles sentem que seus esforços não foram suficientes", afirma. "É triste pensar nisso, porque em breve perderemos os últimos sobreviventes.">
A Meta não incentiva deliberadamente a publicação de histórias falsas, incluindo sobre o Holocausto, mas seu sistema recompensa conteúdos com alto engajamento. A BBC também identificou contas de AI slop na Índia, no Vietnã, na Tailândia e na Nigéria.>
Para entender por que essas redes produzem em massa certos tipos de conteúdo, a BBC ouviu Fazal Rahman, paquistanês inscrito em vários programas de monetização em redes sociais. Ele disse que essa atividade se tornou sua única fonte de renda.>
Rahman afirmou não criar imagens do Holocausto e que nem conhecia o termo quando foi questionado, mas participa dos mesmos grupos do Facebook que os responsáveis por esse material.>
Segundo ele, uma página do Facebook com 300 mil seguidores pode render US$ 1.000 por mês (cerca de R$ 5.200) se tiver "conteúdo premium" voltado a públicos de maior valor no Reino Unido, nos EUA e na Europa. Ele calcula que as visualizações desses países valem oito vezes mais do que as da Ásia.>
Rahman afirmou que história é um tema confiável para gerar tráfego online.>
Outros criadores confirmam. A BBC encontrou vídeos tutoriais que ensinam, passo a passo, como usar modelos de inteligência artificial para produzir em série imagens e textos históricos falsos.>
Em um dos vídeos, o criador pediu a um chatbot de IA que listasse eventos históricos que poderiam servir de base para conteúdos. O Holocausto apareceu entre as respostas.>
Alguns também dão dicas de como enganar o público, fazendo com que suas páginas imitem outras entidades para atrair seguidores e se tornarem elegíveis ao programa de monetização da Meta.>
O Facebook tem um recurso de transparência que permite rastrear nomes anteriores de páginas. Com ele, a BBC identificou várias páginas que divulgaram AI slop sobre o Holocausto e antes se passavam por entidades como departamentos de bombeiros nos EUA, empresas comerciais e influenciadores americanos — todos sem consentimento.>
Segundo postagens públicas de criadores, essas páginas também podem ser vendidas ou alugadas a interessados em ingressar no mercado de criação de conteúdo.>
A BBC questionou a Meta sobre perfis que publicaram conteúdos de IA ligados ao Holocausto e adotaram práticas enganosas.>
Diversos perfis e grupos foram removidos, incluindo alguns já denunciados pelo Memorial de Auschwitz em junho.>
Um porta-voz da empresa disse que, embora as imagens falsas não tenham violado as políticas de conteúdo, a investigação apontou quebra de regras sobre personificação e comércio de páginas.>
"Removemos as páginas e grupos compartilhados conosco e desativamos as contas por violarem nossas políticas de spam e comportamento inautêntico", afirmou.>
A inteligência artificial já foi usada no passado para homenagear o Holocausto e dar vida às histórias de vítimas reais. Mas Robert Williams, da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto, alertou que isso pode reforçar a ideia de que o Holocausto teria sido fabricado.>
"Qualquer forma de manipulação extrema é algo do qual devemos evitar", disse.>
Reportagem adicional de Umer Draz Nangiana, BBC Urdu>
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