Publicado em 10 de março de 2025 às 16:44
"O maior experimento psicológico da história.">
Estávamos em 2020, e foi assim que a então professora de psicologia da saúde da Universidade Vrije de Bruxelas, Elke Van Hoof, descreveu o confinamento resultante da pandemia de covid-19.>
Em entrevista à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, a especialista em estresse e trauma se referia a uma medida sem precedentes que, naquele momento, se espalhava pelo mundo, mantendo 2,6 bilhões de pessoas sob alguma forma de isolamento em nível global.>
Cinco anos se passaram desde aquela quarta-feira, 11 de março, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a covid-19 uma pandemia.>
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Desde então, segundo dados da OMS, o vírus Sars-CoV-2, causador da doença, provocou mais de 777 milhões de infecções e matou mais de 7 milhões de pessoas, embora os especialistas da organização estimem que as mortes associadas à pandemia cheguem a 15 milhões.>
Os inúmeros e profundos impactos negativos desta pandemia ainda estão sendo sentidos no mundo todo.>
No entanto, alguns analistas destacam que esse momento tão sombrio também resultou em lições positivas. A BBC destaca quatro delas.>
Demorou apenas nove meses para os cientistas encontrarem uma vacina eficaz para combater o Sars-Cov-2. E eles fizeram isso por meio de um método que revolucionou o desenvolvimento de imunizantes em todo o mundo.>
Embora o uso de RNA mensageiro sintético já viesse sendo estudado como um mecanismo eficaz para o desenvolvimento de vacinas há anos, foi a pandemia de covid-19 que realmente acelerou seu desenvolvimento.>
Tanto a Pfizer, em parceria com a BioNtech, quanto a Moderna utilizaram esse mecanismo para criar suas vacinas em tempo recorde, permitindo que milhões de pessoas recebessem doses ao redor do mundo.>
Em 8 de dezembro de 2020, Margaret Keenan, uma mulher de 90 anos do Reino Unido, se tornou a primeira pessoa a receber uma dose aprovada da vacina fabricada pela Pfizer/BioNTech. >
Os cientistas Katalin Karikó e Drew Weissman, criadores desta fórmula, receberam o Prêmio Nobel de Medicina em 2023.>
A corrida para encontrar uma vacina que imunizasse a população e evitasse mais mortes é um dos maiores legados positivos da pandemia, de acordo com a porta-voz da OMS, Margaret Harris.>
"Testemunhamos avanços tecnológicos em uma velocidade incrível", diz a especialista em saúde pública à BBC News Mundo.>
"A tecnologia do RNA mensageiro já era conhecida, mas agora estamos vendo como está sendo usada para desenvolver outros avanços, incluindo vacinas contra o câncer.">
Ela vai além: "Entendemos que a ciência é fundamental.">
Devi Sridhar, professora da Universidade de Edimburgo, na Escócia, e autora do livro Preventable: How a Pandemic Changed the World & How to Stop the Next One ("Evitável: Como uma pandemia mudou o mundo e como impedir a próxima", em tradução livre), destaca que as lições da pandemia tiveram um impacto na melhor detecção e identificação de novos surtos.>
"Nossa capacidade científica melhorou, nossas plataformas estão cada vez mais avançadas. Se a pergunta que tínhamos no início da pandemia era se haveria vacina, a pergunta agora é: com que rapidez poderemos produzir uma", afirma.>
A colaboração conjunta dos países para o desenvolvimento destas vacinas e o direcionamento de recursos para este processo permitiu, segundo Sridhar, uma das coisas mais positivas resultantes da covid-19.>
Além disso, há ensinamentos que nos permitem estar mais bem preparados para a próxima pandemia, diz ela. Por exemplo, os países que "parecem ter se saído melhor foram aqueles com populações mais saudáveis antes da pandemia".>
Em março de 2020, o microbiologista Ignacio López-Goñi, da Universidade de Navarra, na Espanha, foi um dos primeiros cientistas a ousar apontar que poderia haver aspectos positivos relacionados à pandemia emergente.>
"A pandemia de gripe de 1918 causou mais de 25 milhões de mortes em menos de 25 semanas. Será que algo semelhante poderia voltar a acontecer hoje em dia? Como podemos ver, muito provavelmente não", disse ele na época.>
Cinco anos depois, o acadêmico continua vendo o copo meio cheio, especialmente do ponto de vista científico.>
"Fizemos muitos avanços. O vírus causador da covid-19 é o mais publicado de todos os tempos, o mais estudado de todos os patógenos infecciosos, mais do que o causador da malária, da Aids ou qualquer outro", afirma.>
O impacto catastrófico que o fechamento de escolas teve devido à pandemia em todo o mundo e, em particular, na América Latina, está bem documentado.>
De acordo com Mercedes Mateo, chefe da Divisão de Educação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), uma das marcas mais profundas deixadas pela pandemia é o aumento das taxas de evasão escolar e o atraso na aprendizagem, principalmente no ensino fundamental e médio.>
No entanto, ela ressalta que esta experiência também proporcionou oportunidades excepcionais para o mundo educacional.>
"Houve realmente um impacto muito positivo que levou o debate sobre educação para o século 21, que serviu para repensar os sistemas educacionais", disse ela à BBC.>
Um avanço evidente é que durante e após a pandemia, ficou para trás o paradigma do ensino presencial e da sala de aula exclusivamente como um espaço físico e estático.>
"Durante a pandemia, ficou claro que o setor da educação era um dos setores menos digitalizados", afirma Mateo.>
Ela diz, inclusive, que havia uma certa demonização e resistência à digitalização de processos e práticas, mas que a covid-19 abriu o caminho para uma educação mais híbrida e flexível.>
"O fato de as salas de aula terem sido fechadas fez com que a educação passasse a ter maior prioridade na agenda política após a pandemia. Consolidou-se a ideia de manter o serviço educacional diante de qualquer circunstância", observa Mateo.>
Por outro lado, Sridhar não tem certeza de que, diante de uma nova pandemia, os governos tomem uma decisão diferente em relação ao fechamento de escolas.>
"Há o conhecimento teórico dos danos causados pelo fechamento das escolas, mas há também o prático: como fazer com que os pais enviem os filhos para a escola sabendo que eles podem ficar doentes", afirma.>
Mateo destaca, por sua vez, que há agora uma maior consciência sobre o papel da escola nas nossas sociedades.>
Na sua opinião, ficou demonstrado que a escola é muito mais do que um lugar onde as crianças e os jovens vão para aprender: é um espaço de apoio emocional, social e psicológico e, em muitos casos, também oferece serviços essenciais, como alimentação.>
A aniquilação de empregos foi uma das graves consequências da covid-19, e a região da América Latina e do Caribe foi uma das mais atingidas.>
A pandemia também aumentou as disparidades na participação de jovens e mulheres no mercado de trabalho — um dos maiores desafios restantes.>
Mas, no geral, os especialistas observam que, embora ainda haja muito avanço a ser feito, os impactos da pandemia no mercado de trabalho tiveram uma recuperação relativamente rápida, considerando os níveis de crescimento econômico nos últimos cinco anos.>
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma que as taxas de emprego e desemprego na região conseguiram voltar aos níveis pré-pandemia em 2023, ou seja, apenas oito trimestres após o início do período de recuperação, quando os lockdowns e as restrições de circulação permitiram aos trabalhadores retornar aos seus empregos ou, no caso daqueles que o haviam perdido, se reintegrar ao mercado de trabalho.>
E, embora inicialmente a recuperação tenha respondido fortemente à retomada de empregos informais, essa proporção vem diminuindo nos últimos anos.>
Para Gerson Martínez, especialista em economia do trabalho do Escritório Regional da OIT para a América Latina e o Caribe, há várias lições positivas da pandemia no âmbito do trabalho.>
Uma delas é que as políticas de proteção ao emprego e à renda que foram implementadas permitiram amortecer o golpe, e influenciaram positivamente a recuperação acelerada observada principalmente em 2021 na região, seguindo a tendência observada na média global.>
"Essa é uma boa notícia porque nos diz que essas medidas, e esta é uma importante lição aprendida para a nossa região, permitiram que a recuperação fosse quase total", disse ele à BBC News Mundo.>
Além disso, para a OIT, o mercado tem conseguido manter uma certa estabilidade na região. "Esperamos que essa resiliência se mantenha, pois acreditamos que isso se deve justamente ao fato de que se reconheceu a necessidade de instituições trabalhistas fortes, e essa também é uma lição deixada pela pandemia.">
Mesmo assim, em 2025, a OIT alertou em seu último relatório que essa recuperação vem perdendo força, se olharmos para o cenário global, diante de ameaças como "tensões geopolíticas, o aumento dos custos das mudanças climáticas e problemas de dívida não resolvidos".>
Mas talvez a mudança mais evidente introduzida pela pandemia tenha sido o trabalho remoto e o trabalho híbrido em setores que antes só tinham contratos presenciais.>
Embora as evidências até agora tenham indicado que o impacto positivo do trabalho remoto na produtividade depende fundamentalmente da natureza desse trabalho (e de outros fatores relacionados às condições dos funcionários), e empresas no mundo todo estejam atualmente tentando voltar ao trabalho presencial, a experiência da pandemia trouxe mudanças.>
Muitos países avançaram em legislações sobre o trabalho remoto para, por exemplo, incluir maior flexibilidade em alguns setores.>
Uma mudança significativa no mercado de trabalho também resultou dos aplicativos de entrega, como Uber Eats e Rappi, entre outros, que abriram novos postos de trabalho, mas continuam sendo um desafio em termos de precarização e proteção trabalhista.>
A revolução tecnológica da pandemia também representa, de acordo com Martínez, uma "oportunidade de ouro" para continuar a usá-la a favor da produtividade do mercado. Por exemplo, com a inteligência artificial, que, segundo ele, em vez de ameaçar os empregos, pode otimizar os processos e a eficiência de diferentes setores.>
A pandemia foi um golpe para a saúde mental da humanidade. Não apenas entre aqueles que perderam entes queridos ou para as equipes médicas que viram centenas de pessoas morrerem diariamente por causa do vírus.>
O confinamento, a incerteza, a solidão, o medo e a angústia que se espalharam pelo mundo tornaram a pandemia um cenário traumático por si só.>
Agências como a OMS e a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) elaboraram relatórios detalhados sobre o aumento de transtornos de depressão e de ansiedade e da prevalência de comportamentos e pensamentos suicidas com a pandemia.>
Para a psicóloga e escritora Laura Rojas-Marcos, especialista em ansiedade, estresse e depressão, "a pandemia teve um impacto não apenas no nosso dia a dia, mas também na nossa memória emocional e na maneira como nos relacionamos. Foi um momento decisivo, não apenas de sofrimento, mas também de aprendizado".>
"Hoje há mais consciência sobre a importância de cuidar da saúde mental, que não é algo separado do corpo, mas algo que caminha completamente junto", diz ela.>
"Algumas pessoas, eu diria que muitas, aproveitaram a oportunidade para fazer uma reflexão sobre a vida, e aprenderam a valorizar outras pessoas, seu ambiente e até mesmo sua própria existência.">
Um estudo encomendado pelo Serviço Mundial da BBC à GlobeScan constatou, em 2022, que 36% das pessoas entrevistadas em 30 países ao redor do mundo disseram que se sentiam melhor do que antes da pandemia.>
"Muitos afirmaram que passar mais tempo com a família e ter uma conexão melhor com a comunidade e a natureza teve um efeito positivo, e que eles tinham mais clareza sobre suas prioridades gerais na vida", informou a BBC em outubro daquele ano.>
Outro aspecto positivo em termos de saúde mental, como destacaram organizações como a Opas, "foi que estimulou a adoção de abordagens inovadoras, como o atendimento remoto à saúde mental".>
Isso provocou uma mudança radical na forma como os psicólogos oferecem terapias de vários tipos atualmente.>
Essa flexibilidade, de fato, permitiu que Rojas-Marco ajudasse pessoas que, de outra forma, não teriam acesso à terapia.>
Ele se conectou, por exemplo, com soldados ucranianos que precisavam de apoio em meio à guerra com a Rússia, e com pacientes em áreas remotas, onde a oferta de espaços como estes é mínima.>
De acordo com a experiência de Rojas-Marcos e o intercâmbio que ela mantém com colegas de todo o mundo, são percebidos níveis mais altos de tolerância à frustração e capacidade de adaptabilidade.>
A pandemia também nos ensinou sobre resiliência e compaixão humana, duas questões que, de acordo com a especialista, estão no cerne da nossa natureza.>
Os gestos de solidariedade foram um afago em meio a uma tragédia rotulada como "o maior experimento psicológico da história".>
Para Margaret Harris, porta-voz da OMS, nós "vimos o melhor da humanidade" na pandemia.>
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