Publicado em 22 de fevereiro de 2019 às 20:39
Atleta com quatro Olimpíadas no currículo, engajada, militante e dona de uma ONG que trabalha no combate à pedofilia. E não para por aí. Atual gerente de esportes na Prefeitura de Recife, Joanna Maranhão ainda se desdobra para realizar palestras pelo Brasil e vive um dos maiores desafios de sua vida: a maternidade. Com apenas 31 anos, a ex-nadadora não cansa de se redescobrir e de se posicionar. Mesmo que isso incomode uns e outros.>
O Brasil vive um momento conturbado politicamente e poucos atletas se manifestam sobre as mais diversas polêmicas. Joanna sempre remou contra a maré. Em 2008, revelou que sofria abuso sexual do seu ex-técnico de natação. Desde então, decidiu que poderia ser voz e defender causas importantes.>
Nos Estados Unidos, atletas como LeBron James, Serena Willians e jogadores da NFL têm a marca de se posicionarem politicamente. No Brasil isso ainda não é uma prática. Por que o atleta brasileiro, em um contexto geral, tem receio de se expor politicamente?>
Primeiramente, Estados Unidos é um país liberal, seja na política, economia e outros quesitos. No liberalismo raiz você pode dar sua opinião, seja ela qual for. No Brasil, o atleta é ensinado através de media training, nas Forças Armadas, no COB (Comitê Olímpico Brasileiro), a como lidar com a imprensa. E várias vezes, na minha ausência, eu era exemplo de como não lidar com a imprensa. Eu sempre achei limitador me enxergar como alguém que condiciona o corpo, dá resultados e pronto. Eu nunca me vi como esse ser que busca performance e só fala sobre isso. Eu até fazia isso, mas também sempre gostei de ler sobre política e sempre me coloquei nesse lugar de eterna ouvinte, aprendiz, de não ter verdades absolutas. Nunca deixei de treinar e dar resultados porque eu falava sobre política. Em 2015, passei um período na altitude, fiquei 21 dias treinando de manhã e de tarde, e ainda fazia um curso online sobre política. Uma coisa não exclui a outra.>
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Quando percebeu que se posicionar era importante para você e para a categoria?>
Foi um processo. Eu rompi isso, me libertei quando falei do meu próprio abuso. Eu percebi e decidi que não queria silenciar sobre mais nada, que poderia gritar minhas dores e minhas opiniões. Fiz isso da maneira errada muitas vezes, mas aprendi que existem muitas maneiras de colocar o seu ponto de vista. E magoei algumas pessoas, mas não me condeno, eu era muito jovem. Em 2007, eu chamei o Coaracy (Nunes, ex-presidente da Confederação Brasileira de Natação, preso por corrupção na entidade) de velho alguma coisa. Eu perdi toda a razão, eu tinha que combater aquela gestão, mas jamais a pessoa. Perdi a razão, o sentido do que eu estava falando. Não podemos ofender pessoas por conta da idade, cor, gênero... As condutas que nos ferem sim.>
Uma vez você disse que jamais seria política. Por quê?>
De maneira geral sim, mas eu ainda penso. Quando Bolsonaro ganhou, eu falei: Em 2020 vou me candidatar a vereadora.Mas quando você é eleito para um cargo, você está representando uma gama de pessoas, e cada uma tem um motivo. Você não consegue atender a todas as expectativas de pessoas. Nesse momento de pessoas machucadas, não quero ser mais uma razão. Tenho medo de magoar pessoas, estou vendo pessoas muito feridas.>
Você, inclusive, já teve uma polêmica com um filho do presiBolsonaro. Você fez um post na internet sobre seus abusos de infância e isso acabou gerando uma repercussão por conta do Carlos Bolsonaro. O que houve?>
Eu sempre uso minhas redes pra falar sobre esse assunto, estando em pauta ou não. Peguei um link de uma ONG que atua há mais de 20 anos na causa e é importante colocar os termos corretos. Pedofilia é uma síndrome e a medicina considera doença. Quando alguém é diagnosticado e comete o abuso, tem que pagar criminalmente por isso. Porém nem todos que abusam são diagnosticados pedófilos. Ou seja, nem todos são doentes. Tem a relação de poder, do maior para o menor. E eu fui fazer essa explicação. Ele tirou do contexto e em um timing perfeito, porque foi na época do impeachment do Crivella (prefeito do Rio de Janeiro), ele se absteve e foi criticado por isso. Como mulher, entrei no foco e fui uma válvula de escape. Recebi ameaças de morte do tipo: Se te pego na rua esfrego sua cara no asfalto. Isso tudo há menos de dois meses de ter perdido meu filho e minha mãe com câncer de mama. Famosos como a Ana Paula, do vôlei, e Danilo Gentili entraram na causa. Até hoje recebo uma crítica ou outra e dou a resposta: Contextualize, isso é uma acusação e você tem que provar. Coloquei o Carlos na justiça e o processo está rolando. Uma coisa é a pessoa me chamar de feia, fracassada. É a opinião dela. Mas falar que eu defendo pedófilo é uma mentira.>
Atualmente você tem realizado palestras. Tem tratado de quais assuntos e como pensa em ajudar na vida das pessoas?>
Inclusive semana que vem vou fazer em uma rede hoteleira. Sempre que é possível eu faço essas ações. Uma coisa que eu tento é ser eficiente na prevenção, salientando a importância da educação sexual. Existe uma certa resistência e há muitas maneiras de se fazer isso. Ainda que a criança sofra qualquer abuso, quando ela verbaliza e pede ajuda, ela sofre muito menos o trauma do que as que guardam por muitos anos. Falo de saúde e de pessoas adultas também. Tem pessoas abusadas na infância que não trataram isso e se tornam abusadoras. É uma gama de consequências na nossa sociedade e esse rompimento do silêncio é extremamente importante. Eu vou contando histórias legais que não saíam na imprensa. Conto em qual momento da minha adolescência eu decidi se era isso (a natação) que eu queria. Eu tento humanizar e dizer que o atleta sofre questionamentos, mas é possível viver absolutamente tudo. Não abdiquei de nada. Em certo momento falo de quatro Jogos Olímpicos e volto novamente à minha infância. Vivi os melhores e piores momentos no ambiente do esporte, mas que as memórias positivas sejam sempre maiores que as ruins.>
O governo Bolsonaro deu fim ao Ministério dos Esportes. É uma perda impactante? E o corte no Bolsa Atleta?>
Os atletas de alto rendimento, de ponta, olímpicos, têm salários dos clubes, bolsa atleta estadual, muitos fazem parte das Forças Armadas. Então eles têm muitas outras fontes de renda. Com certeza os mais afetados são os da base. O Bolsa Atleta era a única fonte de renda de muitos atletas da base. Quando foi proposto no governo Temer esse corte no Bolsa Atleta eu tentei uma mobilização. Mesmo estando em período de eleição, a comunidade poderia se colocar contra essa medida. Seja quem fosse eleito, que mantivesse esse programa, mas não tive muita voz. Eu já tinha parado de nadar, estava cuidando de tantos problemas, não dava para ficar na linha de frente o tempo inteiro. Na época eu já estava trabalhando com política pública no esporte da minha cidade. No alto rendimento já briguei demais. Às vezes até existe uma compreensão do que eu estava falando, me davam razão, mas isso exigia um posicionamento dos outros, que nem sempre tinham.>
E você agora está trabalhando na Secretaria de Esportes da Prefeitura de Recife. Como tem sido?>
Sim, sou gerente de projetos especiais há oito meses. É um mundo completamente diferente. Você vê que nesse caminho não vai conseguir, volta e procura uma saída, também tem a parte da papelada. Gosto muito de perguntar quando não sei alguma coisa e tenho toda uma equipe que trabalha comigo. A minha gestão é horizontal, todo mundo tem autonomia e alguma coisa para me ensinar. Quando eu me colocar como autoridade, eu saio. Eu não sou gerente, eu estou gerente. Não quero com a minha saída que os projetos parem. Não tenho o tempo para treinar como gostaria, fico oito horas trabalhando. Na natação eu fazia meu próprio horário, agora não é assim, trabalho com outras pessoas. Eu gosto de estar em ambientes diferentes do que eu estava. Quando você se torna gestora, você se torna didática. Tenho que dar respostas, vou para a população, escuto demandas, gosto de estar na rua. Quando reclamam, eu tenho que dar razão quando está faltando alguma coisa. Gosto das relações humanas.>
Você ainda é muito nova, tem apenas 31 anos. Já aceitou que agora é uma ex-atleta ou ainda sofre?>
Para mim não foi tão difícil, porque comecei a pensar na aposentadoria em 2017. Fiquei uns bons meses desesperada (risos). Vou trabalhar com o quê? Não sei fazer nada! Vi o meu marido (o ex-judoca Luciano Corrêa) nesse mesmo processo de transição, ele estava sofrendo por sair do tatame. Meu marido sofreu muito mais do que eu. Eu fui abençoada, porque realmente tive tempo de maturar. Eu fui fazendo o desmame de treino: fui diminuindo os treinos, fui assistindo competições pra ver se eu queria estar ali. Uma vez fui pra um Campeonato Brasileiro e não tinha vontade de estar ali. Conversei com a minha psicóloga e ela falou pra eu ver se ficaria mexida em 2019, falando de Pan, de Olimpíada. Sinto que meu papel foi cumprido. Dentro de vitórias e derrotas deixei meu recado e fiquei tranquila quando o Coaracy saiu, já que nessa troca de gestão fui uma peça-chave.>
Qual a principal diferença agora na vida de uma ex-nadadora?>
A remuneração é bem diferente! Claro, não tenho do que reclamar, eu consigo manter o meu padrão de vida, mas eu ganhava muito mais. Eu lembro que quando tinha 18 anos eu não entendia as pessoas. Via meu irmão caçula ficar desempregado. Eu tinha patrocínio, indo para uma Olimpíada. Vivi uma vida de sonho, mas ralei muito. É uma saudade gostosa, não de arrependimento. Não tenho nenhum e se da minha carreira. Essa questão financeira me aperta agora porque vou ser mãe. Faço cálculos e estou enlouquecendo, vou fazer o enxoval. Agora compreendo mais a minha mãe de não querer deixar faltar nada para o filho. Deixo de ir em restaurante, em salão por conta disso. Se for menina vai se chamar Maria, se for menino vai ser Caetano. Minha mãe apostou uma grade de cerveja com meu sogro (risos), ela quer Maria e ele Caetano.>
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