Mônica Campos Pitanga - Idealizadora do projeto de acessibilidade Mova-se
Mônica Campos Pitanga - Idealizadora do projeto de acessibilidade Mova-se
História de vida

Mãe e filha unidas em projeto de acessibilidade em Cachoeiro

Mãe de adolescente cadeirante criou projeto de acessibilidade que está conseguindo a adesão de comerciantes de Cachoeiro de Itapemirim

Mônica Campos Pitanga - Idealizadora do projeto de acessibilidade Mova-se
Publicado em 09/02/2020 às 10h28
Atualizado em 09/02/2020 às 10h38

Foi o desejo de despertar a inclusão na sociedade que Mônica Campos Pitanga, 40, mãe de Luísa, 16, cadeirante, começou um projeto inovador em Cachoeiro de Itapemirim, no Sul do Estado. Criado em 2018, o Mova-se levanta a bandeira da acessibilidade ao realizar palestras em escolas e promover diversas ações sociais para incluir pessoas com dificuldades motoras em atividades como dança, esporte, lazer e cultura.

O resultado do trabalho de conscientização nas ruas já está dando resultado em Cachoeiro. Segundo Mônica, comércios, lojas e restaurantes já estão fazendo adaptações físicas, com reforma de banheiros e implantação de rampas nos estabelecimentos.

No ano passado, uma das iniciativas culturais promovidas pela organização sem fins lucrativos chamou muito a atenção na cidade, quando Mônica se apresentou em um espetáculo de dança inclusiva com Luísa. Mãe e filha subiram ao palco pela primeira vez, e o vídeo da apresentação emocionou plateia e internautas, que compartilharam milhares de vezes nas redes sociais. Mônica, inclusive, resolveu aprender balé aos 36 anos apenas para que um dia pudesse dançar com a filha, o que ocorreu no ano passado.

Mônica Pitanga se apresentou em um espetáculo de dança inclusiva com Luísa, de 16 anos, que é cadeirante. Crédito: Reprodução
Mônica Pitanga se apresentou em um espetáculo de dança inclusiva com Luísa, de 16 anos, que é cadeirante. Crédito: Reprodução

Na entrevista, a empresária detalha as dificuldades da filha de frequentar lugares como escola, restaurantes, clubes e casas de festas, e como isso influenciou na criação do Mova-se.

Como surgiu a ideia do projeto?

A ideia surgiu quando voltei de uma viagem dos Estados Unidos. Em outubro de 2018, minha filha Luísa fez 15 anos e fomos com ela à Nova Iorque. Alugamos uma scooter (cadeira elétrica) e andamos muito, durante 15 dias, pela cidade toda. Fomos a todos os lugares que quisemos ir, como parques, lojas, restaurantes, teatro, shows, passeio de barco... Todos os lugares eram acessíveis. E ninguém olhou para ela com preconceito, o que é comum no Brasil. No último dia da viagem, Luísa me falou que queria morar lá. Isso foi o que mais me encorajou a criar o projeto. Lá, as coisas funcionam e a pessoa com deficiência tem uma vida independente e pode ir aonde quer, mesmo com limitação. A pessoa com deficiência lá pode precisar de um tempo diferente para fazer as coisas, mas ela vai conseguir fazer, como ir ao banco, ao supermercado, estudar... Por isso, quando voltei para o Brasil, pensei que tinha que fazer alguma coisa e não ficar só no papel de vítima. A partir dessa ideia, eu fiz um grupo em aplicativo de mensagens e fui adicionando pessoas que conhecia e sabia que tinham alguma deficiência. Depois fui abordando as pessoas nas ruas e nas redes sociais perguntando se queriam fazer parte de um projeto para unir forças e lutar por direitos.

Sua filha influenciou na sua ideia de desenvolver o Mova-se?

Sim, ver o sofrimento dela foi ponto fundamental para a criação do projeto.

Qual foi a fase mais difícil que sua filha enfrentou pela falta de acessibilidade?

Quando tinha 11 anos ela precisou mudar de escola. A sala em que estudava ficava no terceiro andar e a cantina no primeiro então, por muitas vezes, ela lanchou sozinha por depender de uma pessoa para chegar até a cantina, já que a rampa era inclinada e passava por fora da escola. E, às vezes, quando ela chegava, as amigas já estavam subindo. Ela foi se sentindo excluída dos momentos de lazer. Depois também teve a fase em que ela tentou fazer um curso para a prova do Ifes e os dois cursinhos da cidade tinham escadas enormes e o andador dela não entrava no banheiro. Mas 2018 foi o ano mais difícil. Luísa fez 15 anos e quis sair sozinha, sem a mãe, como toda adolescente. E as dificuldades aumentaram muito. Quando ela era criança, eu pegava no colo e levava para todos os lugares, mas quando ela começou a querer sair sozinha eu vi que alguns lugares eram impossíveis. E quem tem adolescente em casa sabe que eles querem liberdade, querem sair, querem ir ao cinema e aproveitar. A falta de acessibilidade em restaurantes, casas de festas, lanchonetes e sorveterias dificulta muito. Ela foi convidada para muitas festas de 15 anos e as casas de festas nem sempre tinham acessibilidade, então, ela acabava ficando muito restrita e dependendo sempre de uma pessoa para sair e se divertir. Também é comum eu sair com Luísa e precisar usar a vaga reservada para pessoas com deficiência, mas encontrar ocupada por um carro sem o adesivo e o cartão que lhe dá o direito. Outra dificuldade muito grande são as calçadas, que são péssimas em Cachoeiro e no Brasil em geral. Os carros estacionam nas poucas rampas de acesso às calçadas.

O que já foi desenvolvido?

Foram muitas ações. O Mova-se nas escolas, que é o trabalho de conscientização de crianças para a importância de respeitar as diferenças e despertar neles a empatia. Foram mais de 10 escolas visitadas e cinco cursos universitários: Direito, Medicina, Psicologia, Arquitetura e Engenharia. Acreditamos que cada um dentro da sua profissão pode fazer a sua parte para mudar essa realidade. Outra iniciativa foi o Mova-se para a vida, que oferece ajuda psicológica para integrantes do projeto; o Multa moral, com objetivo de conscientizar os motoristas do mal que fazem quando não respeitam as vagas de idosos e de deficientes. Também promovemos três edições de caminhadas diagnosticadas para detectar os pontos a serem melhorados com ajuda de uma arquiteta voluntária. Criamos o nosso site (www.projetomovase.org.br), estivemos três vezes na Câmara de Vereadores e uma vez na prefeitura e realizamos palestras e eventos com o objetivo de tirar as pessoas com deficiência de casa, onde vivem numa espécie de prisão, e trazê-las para o convívio social e para o lazer. Na área cultural, realizamos um espetáculo de dança inclusiva, onde tiveram como convidados 10 alunos da Apae de Cachoeiro com deficiência intelectual, cinco com Síndrome de Down, três cadeirantes, idosos e eu dançando com a minha filha no andador.

O vídeo da dança com a sua filha viralizou nas redes sociais. Como foi a experiência?

Foi um momento mágico. Luísa dança com o professor Jeremias Schaydegger desde os 7 anos e ele sempre teve olhar inclusivo. Quando ela fez uma cirurgia no quadril, ficou sem dançar por três anos e teve que usar o andador, não conseguiu mais andar sozinha. Um dia eu tive esse desejo de dançar com ela e chamei o professor para fazer o espetáculo de dança inclusiva e foi realmente emociante, a realização de um sonho. Quem assistiu falou que ficou emocionado.

Sente que está conseguindo atingir os objetivos do projeto?

Estou muito feliz. Trabalhamos muito, não foi fácil, mas contei com a ajuda de muita gente que nos recebeu e abraçou a causa. Comércios, lojas e restaurantes estão se adaptando, reformando banheiros, rampas e estamos recebendo muitas fotos agradecendo pelo projeto, dizendo que antes não pensavam dessa forma e que agora despertaram para esse lado. Estamos vendo modificações reais de lugares particulares. Só o setor público ainda não teve nenhum retorno na prática. Também recebemos relatos de crianças que falam com os pais sobre o que aprendeu na escola a partir do projeto. Sem contar a alegria das pessoas com deficiência em poder participar de danças, eventos e atividades que algumas nunca tiveram oportunidade de participar. Tivemos pessoas que estão superando depressão. Estamos conseguindo bastante coisa e, em 2020, se Deus quiser, vamos conseguir mais.

O que sonha como principal melhoria para os deficientes físicos?

Meu maior sonho é que todas as leis que existem sejam respeitadas. Não precisamos de mais leis, falta fiscalização. As pessoas não respeitam. Quando vamos falar do projeto, percebemos que muitos não param para pensar nas dificuldades do próximo. E depois do Mova-se, muitas pessoas abriram os olhos para o assunto. O objetivo principal é despertar empatia, fazer com que as pessoas se coloquem no lugar do próximo e entendam que ninguém está livre de sofrer um acidente, de envelhecer ou de ter uma doença degenerativa e ficar com alguma limitação física. Segundo o Censo do IBGE, um quarto da população tem algum tipo de deficiência.

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