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A força quilombola do Córrego do Sossego, em Guaçuí

A força quilombola do Córrego do Sossego, em Guaçuí

No Quilombo do Córrego do Sossego, no interior de Guaçuí, Dona Lena e sua família celebram com fartura e fé as conquistas de uma dolorosa  história de resistência

Publicado em 25 de janeiro de 2020 às 20:04

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Comunidade Quilombola Córrego do Sossego, em Guaçuí. (Luciney Araújo)

Por Luanna Esteves

Com lenço na cabeça, pano de prato no ombro, chinelo no pé e um enorme sorriso estampado o rosto, é assim que Maria Helena de Oliveira Barbosa, 54 anos, a famosa Dona Lena, recebe as visitas que chegam ao Quilombo do Córrego do Sossego, no interior de Guaçuí, Sul do Estado. Dona Lena passa horas ao fogão cozinhando, empolgada para receber as visitas. Não é à toa que a cozinha é a porta de entrada da casa. 

“Hoje tem que celebrar e receber os amigos com fartura porque a gente sabe bem o que é sentir, literalmente na pele, a fome e a escassez”, comenta orgulhosa a mulher que lutou e mobilizou sua família para o reconhecimento da comunidade quilombola onde viveram seus bisavós escravizados.

Lena tem quatro filhos e nove netos que vivem juntos e misturados. “Como nossa gente aprendeu a ser, sabe?”, comenta, sorridente. São quatro gerações descendentes de escravizados, uma família fruto de um passado doloroso. “Eu me lembro em detalhes da minha adolescência, quando a gente dormia naquelas casas de barro, no chão, e tinha que passar cocô de vaca porque não tinha piso. Nossos colchões eram do capim que plantávamos ao redor do terreiro”, lembra a quilombola. 

A história de resistência transformou Lena em uma mulher de muita força e fé. Ela aprendeu a sorrir em vez de se curvar, acreditando que não há justiça se há sofrer, não há justiça sem amor e sem nunca se entregar. Ela se entregou à causa de seus antepassados e lutou por suas terras de direito. O reconhecimento veio em 2018, com a certificação das terras pela Fundação Cultural Palmares.

Comunidade Quilombola Córrego do Sossego, em Guaçuí. (Luciney Araújo)

Sendo quilombo, a casa de Lena virou ponto de referência na região, lugar sempre muito festivo, com gargalhadas, união e fartura. Volta e meia tem roda de capoeira, bate-flexa e caxambu para festejar a vida. “E sabe o que não pode faltar?”, questiona Dona Maria, mãe de Lena, “comida!”, responde.

HISTÓRIA

A mesa quase sempre está posta. Se a visita é anunciada, tem feijoada, tutu de feijão, feijão tropeiro, cocada, broa, pãozinho de cebola, cavaco, broa, todo tipo de salgadinho e o famoso café de melaço, adoçado com a cana-de-açúcar moída no engenho do próprio quintal. “É assim que recebemos quem vem visitar porque a comida nos ajuda a contar nossa história”, pontua Lena.

Os quitutes são feitos com a matéria-prima plantada, colhida e preparada nas terras do quilombo: banana da terra, farinha de mandioca, canjiquinha, fubá e melaço de cana. “A gente sempre plantou a mandioca e o milho, mas não era da gente. Nossa mão-de-obra não era nossa. Hoje, temos o orgulho de dizer que plantamos pra gente e a comida é a nossa fonte de renda.” desabafa Marciano Oliveira, filho de Dona Lena.

Comunidade Quilombola Córrego do Sossego, em Guaçuí. (Luciney Araújo)

Os equipamentos também são ancestrais. José Luiz, esposo de Lena, com toda sua simplicidade, nos apresenta o funcionamento do engenho como quem ensina a beber água. “Não tem segredo nenhum, menina. O engenho de açúcar mói a cana com a força do cavalo, aí o caldo de cana é fervido, vira melado e, com ele, fazemos uma comidaiada. Entendeu?”.

FESTIVIDADES

Foi uma grande festa que marcou a certificação do quilombo em maio de 2018, com direito a danças folclóricas, cantoria e comilança. Foi um momento que sinalizou o início de tantas outras festividades, pois o quilombo virou ponto cultural e entrou no circuito turístico da cidade de Guaçuí. Por exemplo, 13 de Maio, Dia da Abolição da Escravatura, é a data da festa mais tradicional realizada pela família da Dona Lena há aproximadamente 100 anos.

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Nesta data, como já é tradição, a comunidade quilombola, que expressa sua fé pela manifestação espírita-cristã, recebe grupos vindos de outros municípios da região e até do Rio de Janeiro. Com cânticos e rezas, seguem em procissão até a casa de oração, onde papéis esvoaçantes decoram o teto e um altar com santos, terços e um banner em tecido que se destaca: Viva a libertação!

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