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Vereador da Serra é acusado de pegar parte de salário de servidores

Vereador da Serra é acusado de pegar parte de salário de servidores

Ex-funcionários afirmam que parlamentar exigia contribuições para campanha eleitoral; Ministério Público investiga o caso

Publicado em 22 de fevereiro de 2019 às 01:15

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Vereador Geraldinho Feu Rosa (PSB) durante reunião com servidores de seu gabinete. (Reprodução)

Com um histórico de quatro ex-presidentes denunciados à Justiça pela prática “rachid” – que é quando o servidor público é obrigado a dar parte do salário em troca da manutenção no cargo –, a Câmara da Serra tem outro gabinete onde uma suspeita similar se instala.

Ex-servidores do vereador José Geraldo Carreiro (PSB), o Geraldinho Feu Rosa, dizem que durante todo o ano de 2017 tiveram que contribuir com parte do salário para o parlamentar.

Após uma pausa, em outubro do ano passado o vereador pediu novas “doações”, que seriam uma espécie de caixa para as eleições do ano que vem. O pedido foi gravado em vídeo ao qual a reportagem do Gazeta Online teve acesso (veja abaixo). O Ministério Público Estadual (MPES) já investiga o caso.

VEJA O VÍDEO

Segundo ex-funcionários, que pediram para não ter os nomes divulgados, os pagamentos começaram logo após a posse do parlamentar, em 2017. Eles disseram que ajudaram o vereador durante a campanha eleitoral, de 2016, mas que não sabiam que teriam que repassar parte do salário ao vereador antes de assumir o cargo.

“Cada um tinha que dar 10% do salário, todo mês. Quem não entregasse, era cobrado por ele. Nós entregávamos para os assessores mais próximos dele, ou deixávamos na gaveta da mesa, e era recolhido. Depois, o dinheiro ia para uma conta”, relata.

Outra ex-assessora conta que no primeiro ano de mandato o vereador afirmava que parte do valor recolhido seria para ajudar em projetos sociais do bairro Feu Rosa, seu reduto eleitoral.

“Eu passava para ele, achando que era para ajudar na comunidade. Depois de um tempo, uma pessoa reclamou com ele, pediu para contribuir com menos, pois o dinheiro fazia falta, já que ela ganhava muito pouco. Ele disse que se não desse, ele ia exonerá-la”, afirmou.

No gabinete do vereador há 15 servidores. Os salários deles vão de R$ 955,27, para o cargo de assistente de gabinete, a R$ 4.363,54, para o chefe de gabinete. E as “doações” não se limitariam a eles. Funcionários indicados pelo vereador para atuar na administração da Câmara ou na prefeitura também teriam que dar contribuições. Por mês, ele conseguia recolher em torno de R$ 3 mil ao todo, segundo os denunciantes.

Em conversas em grupos de WhatsApp, por exemplo, um dos servidores refere-se ao repasse como “dízimo”.

Os ex-funcionários contam ainda que o dinheiro só parou de ser recolhido no início de 2018, pois um dos assessores comentou sobre a entrega com sua filha, e ela teria reclamado sobre a prática com o chefe de gabinete. Temendo denúncias, Geraldinho suspendeu o esquema.

PROPOSTA

Em outubro do ano passado, o vereador Geraldinho tentou retomar a coleta de dinheiro com os servidores.

Conversas do grupo de funcionários de Geraldinho Feu Rosa. (Reprodução)

O vídeo gravado por um dos então funcionários mostra o parlamentar sugerindo o repasse da quantia por parte dos assessores. Ele contou que decidiu gravar as imagens porque discordou da ideia do vereador de voltar a cobrar as contribuições.

“O que eu estou sugerindo, e isso aqui tem que ficar entre nós mesmo, sem comentar aí em rede social, porque é arriscar. Quem ganha até R$ 1.500, vai todo mês entregar R$ 150. Acima de R$ 2.000, vai ser R$ 200. Mas o dinheiro é dele (de quem doou)”, sugeriu o vereador, em uma reunião com todos do gabinete.

Segundo os servidores, a proposta era de que cada funcionário reservasse 10% do salário, mas dessa vez depositasse em uma poupança privada, em seu próprio nome, para que juntassem em torno de R$ 3 mil cada um até 2020, para contribuir com as eleições.

“Esse negócio aqui não é para comprar nada (para a comunidade). O negócio é seu. Isso aqui é para a campanha”, disse Geraldinho.

Ele também pediu cuidado com a forma como o dinheiro seria doado. “A poupança você tem que declarar da onde você ganhou esse dinheiro. A Polícia Federal vai vir em cima de mim”.

O vídeo também mostra que o vereador pediu sigilo sobre o acordo.

“Não precisa falar isso com ninguém. Se achar que não está de acordo, chega e fala. Não sai falando para a família, colocar em rede social, porque vai atrapalhar nós mesmos. Aqui não tem ninguém criança”.

MEDIDAS

Pessoas ligadas ao gabinete de Geraldinho afirmaram que apesar de ter havido uma nova proposta, os servidores não estariam reservando o dinheiro.

No entanto, em fevereiro deste ano, três servidores foram exonerados de seus cargos, e acreditam ter sido “perseguição política por saber demais”.

“Estava lá havia dois anos, e não fui informado do motivo da demissão. No outro período eu dava o dinheiro combinado, que chegou a R$ 240 por mês. Mas como agora preciso quitar minha casa, não aceitei”, disse um ex-servidor.

Vídeo mostra conversa de vereador com assessor sobre repasse

“Se aproveitaram da inocência dele”, diz advogado

O vereador Geraldinho Feu Rosa (PSB) foi procurado pela reportagem para justificar as alegações feitas pelos ex-servidores e a reunião, mostrada no vídeo. Após atender a ligação, ele disse que passaria o telefone a um assessor, que se apresentou apenas como Alberto, advogado do parlamentar.

“A gente já tomou algumas providências aqui, já foi na delegacia, deu queixa sobre isso. Coagiram o Geraldinho a fazer uma reunião sobre esse tipo de coisa”, afirmou, citando dois servidores que não estão tendo os nomes divulgados por motivos de segurança.

Em seguida, completou. “Se aproveitaram da inocência do vereador, e aí... No vídeo, você viu o vídeo? Tem eles insinuando algumas coisas para prejudicar a carreira do vereador, entendeu? Aí ele foi na delegacia hoje (ontem) e prestou queixa contra eles. Aí fica a critério de vocês. A gente está aberto a conversar”, disse o advogado.

Em seguida, ele pediu que a reportagem retornasse a ligação após 30 minutos para prestar mais informações. No entanto, nas tentativas de contato as ligações foram rejeitadas.

Em seu primeiro mandato na Câmara, o vereador Geraldinho Feu Rosa conta com um salário de R$ 9.208,33 brutos. Na Casa são realizadas duas sessões por semana.

Apesar de pertencer ao PSB, partido da vice do prefeito Audifax Barcelos (Rede), Márcia Lamas (PSB), o vereador tem tido uma relação estremecida com a legenda e com a prefeitura nos últimos meses, agindo como oposição nas votações.

CONDUTAS

A prática de “rachid”, em que funcionários de gabinetes são instados a devolver uma parte do salário que recebem como contrapartida à própria contratação, pode ser enquadrada como corrupção passiva e peculato, se comprovadas no processo, de acordo com o advogado especialista em Direito Penal Cássio Rebouças.

“Como todo parlamentar eleito tem direito a nomear uma série de assessores, pagos com dinheiro público, essa prática é infelizmente muito comum. Ele (num caso hipotético) se aproveita de sua função para praticar a coação”, explicou.

Casos de rachid também podem ser enquadrados no crime de concussão, que é exigir e receber vantagens indevidas direta ou indiretamente.

Além disso, na esfera cível, podem resultar em processo de improbidade administrativa.

No aspecto eleitoral, caso haja comprovação das irregularidades praticadas para obter o dinheiro de campanha, poderia ficar configurado o abuso do poder econômico e político.

“A doação, para ser feita, precisa ser espontânea. Se for mediante fraude, por coação, há uma vedação pela lei. A Justiça também poderia considerar, no processo, como arrecadação indireta de recursos públicos, já que a fonte dos repasses era a Câmara, por meio de seus servidores”, analisa o advogado eleitoral Marcelo Nunes.

Ministério Público já investiga o caso

Sobre o caso envolvendo o vereador Geraldinho Feu Rosa (PSB), que teria solicitado que os servidores de seu gabinete lhe repassassem parte de seus salários, para futuramente doar para campanha, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES), informou, por meio da Promotoria de Justiça Cível da Serra, que investiga o caso.

“A apuração ainda se encontra em fase inicial, já que o fato foi relatado ao MPES no dia 15 de fevereiro deste ano, por meio de depoimento prestado por um ex-assessor do vereador José Geraldo Carreiro, que apontou suposta prática de rachid realizada pelo parlamentar em face dos assessores lotados em seu gabinete e também de funcionários terceirizados que prestam serviços na Câmara da Serra. Caso sejam constatadas irregularidades, o MPES adotará as medidas previstas em lei”, afirmou o órgão, por nota.

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As imagens dos vídeos gravados pelo ex-assessor também foram encaminhado ao Ministério Público para fazer parte da investigação.

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