Publicado em 23 de setembro de 2019 às 09:11
A importação de revólveres e pistolas bateu recorde nos oito primeiros meses deste ano. De janeiro a agosto, as compras somaram US$ 15 milhões, mais que o dobro do registrado no mesmo período do ano passado.>
A alta foi identificada também na quantidade de armas que entraram no país --foram 37,3 mil revólveres e pistolas, sendo 25,6 mil deles somente no mês em agosto. Nos primeiros oito meses do ano passado, para comparação, foram importadas 17,5 mil armas dessas categorias.>
Os resultados, obtidos pela Folha de S.Paulo nos registros do Ministério da Economia, são muito superiores à série histórica. Em 2005, por exemplo, foram 26 unidades, com valor total de US$ 7.200.>
O impulso coincide com uma mudança. Até o ano passado, a importação de armas era proibida quando existissem produtos similares fabricados no Brasil.>
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Essa restrição foi derrubada em decreto do presidente Jair Bolsonaro, publicado em maio deste ano, que também flexibiliza normas para compra de armas no país.>
Os atos eram uma promessa de campanha do hoje presidente: ampliar a posse (direito de manter em casa ou no trabalho) e porte (direito mais amplo) de armas de fogo.>
A medida, contudo, é contestada por especialistas em segurança pública, como o gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani.>
"Antes mesmo dos decretos já havia um aumento na comercialização de armas no Brasil. Com os atos do presidente, a tendência de crescimento deve continuar. Quanto mais armas em circulação, pior a questão dos homicídios, a violência letal", disse.>
O aquecimento do mercado de armas --intenção manifesta de Bolsonaro, que afirma que a flexibilização do porte e da posse vão permitir que o cidadão se defenda melhor-- se reflete não só na quantidade já importada mas também no potencial de entrada desses produtos no Brasil.>
A procura por armas expandiu o número de pedidos para importações, que precisam de aval do Exército. >
Dados enviados à reportagem mostram que, de janeiro a agosto, foi autorizada a compra de 152,5 mil armas estrangeiras, contra 86,4 mil no mesmo período do ano passado.>
Isso indica que a importação de armas deve manter a tendência de alta, já que a maioria ainda vai desembarcar no Brasil. >
O aval do Exército é dado a qualquer arma de fogo --e não apenas revólver e pistola-- e pode ser para a compra de uma única unidade ou de um lote.>
Essa expansão, entretanto, foi puxada por pedidos feitos por pessoas físicas, afirma o Exército. Foram 5.000 autorizações --300 a mais do que no mesmo período de 2018, um avanço de 6,4%.>
Na mesma comparação, houve recuo nas autorizações para pessoas jurídicas e órgãos de segurança pública. Esse número caiu 12%, de 478 para 421, nos primeiros oito meses de 2019.>
"É preocupante quando se começa a fomentar o mercado de armas com baixíssimas condições de controle. Ainda existem normas do Exército a serem cumpridas, mas ficou mais simples para que pessoas físicas consigam importar", afirmou o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima.>
Além de retirar a restrição a importações, os decretos de Bolsonaro flexibilizam o acesso a armas de fogo de calibre anteriormente restrito. Muitas dessas armas, segundo Langeani, não têm fabricação nacional e resta, então, buscar pelas unidades lá fora.>
A limitação para que se importasse apenas armas que não eram produzidas no Brasil foi criada para proteger a indústria nacional do setor, cuja principal empresa é a Taurus.>
O objetivo do governo foi exatamente o oposto, abrir esse mercado para a concorrência internacional e, assim, permitir a compra de armas estrangeiras que podem ser mais baratas e de melhor qualidade que as brasileiras.>
O Instituto Sou da Paz defende a quebra do monopólio para as aquisições feitas por órgãos de segurança pública, mas é contra a liberação para pessoas físicas e empresas que comercializam armas de fogo.>
"Essa desregulamentação total do controle de armas pode ter efeito no mercado ilegal também, que é abastecido parcialmente por desvios do mercado formal", afirma Langeani.>
Sob Bolsonaro, o comércio de armas dentro do Brasil também cresceu.>
No primeiro semestre de 2019, a Taurus vendeu cerca de 50 mil armas de fogo em território nacional. O valor é quase 13% superior às comercializações de armamentos do mesmo período do ano passado, quando cerca de 44 mil armas foram vendidas.>
A empresa é especializada na fabricação de revólveres, pistolas e armas longas, como rifles e espingardas.>
As vendas no Brasil proporcionaram uma receita líquida de R$ 71,2 milhões na primeira metade do ano à Taurus, superando em 10% o registrado no mesmo período do ano anterior.>
Outro indicador desse aquecimento do mercado interno vem da base de dados da Polícia Federal.>
Os registros de armas compradas por civis para defesa pessoal estão em alta. No primeiro semestre, o cadastro já representa 65% do total de vendas do ano passado inteiro.>
Foram 17,9 mil armas catalogadas até junho de 2019, contra 27,5 mil em todo ano de 2018. Já o total de registros feitos no país em 2018, incluindo de pessoas jurídicas como empresas de segurança, chegou a 196,8 mil, segundo o Fórum Nacional de Segurança Pública. A entidade ainda não compilou os dados deste ano.>
"Quando você fomenta e facilita o acesso, há estímulo a esse mercado. A grande pergunta é como o Estado vai fiscalizar isso", diz o presidente do Fórum.>
Os decretos que flexibilizam o porte e posse de armas --os mesmos que retiram a barreira a importações-- são questionados no STF (Supremo Tribunal Federal), que ainda não se posicionou sobre o assunto.>
Uma das ações é movida pelo partido Rede Sustentabilidade. O líder da sigla no Senado, Randolfe Rodrigues (AP), teme que o aumento de armas no país gere aumento da violência.>
"A medida [de mudanças nas regras em relação a armas de fogo] não pode ser por meio de decreto do presidente da República. Isso teria que ser debatido no Congresso. A gente não resolve os problemas do país armando todo mundo", declarou. Na ação, o partido argumenta que afrouxar as regras de acesso a armas coloca em risco a segurança de toda a sociedade.>
No último dia do mandato, a ex-procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu que o STF declare inconstitucionais os seis decretos de Bolsonaro que alteram as regras para aquisição de armas.>
O parecer foi enviado por ela na terça-feira (17), contrariando os interesses do Palácio do Planalto. Dodge concorda com o partido Rede e sustenta que o tema deveria ter sido discutido pelo Congresso, e não definido em decreto presidencial.>
Ainda não há previsão para a decisão do Supremo.>
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