Publicado em 15 de janeiro de 2019 às 22:33
A alteração nas regras de posse de armas no Brasil, assinada nesta terça-feira (15) pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), fez com que parte dos especialistas em segurança pública no país previssem a alta da criminalidade e da dificuldade na ação policial. Por outro lado, outros especialistas, favoráveis à facilitação do acesso às armas, dizem que o texto assinado pelo presidente é ainda tímido e deveria ser aprofundado por futuras alterações na legislação.>
O texto estende o prazo de validade do registro de armas de 5 para 10 anos e cria pré-requisitos objetivos que precisam ser apresentados a um delegado da Polícia Federal para autorização da posse.>
O decreto vai atingir moradores de cidades violentas, de áreas rurais, servidores públicos que exercem funções com poder de polícia e proprietários de estabelecimentos comerciais. Também serão beneficiados pessoas que atualmente estão em situação de irregularidade, como prazo expirado para o registro.>
Para especialistas que se opõem à facilitação do acesso às armas, a mudança legal é o prenúncio de uma escalada na violência e até na dificuldade de atuação da polícia.>
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"Especialistas que estudam a segurança no país têm reiterado com dados e pesquisas nacionais e internacionais que apontam que quanto mais armas disponíveis, mais crimes e mais mortes", defende o ex-secretário nacional de segurança pública Luiz Eduardo Soares.>
"Só vamos incrementar os números da violência, aumentar os feminicídios, aumentar os números de mortes por ódio. Temo também pelo aumento das mortes no campo e de indígenas", comenta.>
Ainda segundo Soares, a presença de mais armas na sociedade tornaria mais graves os conflitos rotineiros que ocorrem em todo o país e que normalmente não resultariam em mortes.>
"As armas passarão a ser usadas em casos de conflitos que normalmente se esgotariam em si. Com a presença de armas, esses conflitos tendem a terminar em tragédias. Segundo pesquisas, quando há arma em casa, há mais risco de homicídio, de violência doméstica e suicídio", diz Soares.>
Essa é a mesma preocupação do Sargento da PM de Santa Catarina, presidente da Associação Nacional de Praças e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Elisando Lotin. Para ele, a maior presença de armas vai expor o policial à insegurança durante o seu trabalho.>
"Uma ocorrência corriqueira atendida pela polícia militar: briga de casal, perturbação do trabalho e do sossego alheio. Hoje eu, como policial, tenho a presunção de que não vai ter ninguém armado. A partir de agora, imagino que 63 milhões de pessoas podem ter arma de fogo. Em uma situação em que os ânimos estão exaltados, tem álcool, talvez até droga, vai aumentar o número de mortes de policiais, e por consequência o número de pessoas que a polícia mata, porque o policial vai ter que defender", analisa.>
Soares aponta ainda para o risco de aumento de roubo de armas e a sua destinação para o crime. "Quando somos abordados por um assaltante armado, e pensamos em usar a nossa arma, a chance de que essa utilização seja bem-sucedida na autodefesa é muito remota. O próprio presidente foi assaltado tendo sido levado a sua arma", diz.>
De modo geral, os especialistas ouvidos pela reportagem que são favoráveis ao maior acesso às armas defendem que o decreto desta terça-feira (15) se adequa ao que já estaria previsto no Estatuto do Desarmamento. Entre eles, há quem veja o decreto ainda tímido e defenda maior profundidade do acesso às armas, permitindo também o porte de armas, quando a pessoa recebe a autorização para carregá-la, inclusive na rua.>
Fabrício Rebelo, pesquisador em segurança e ex-diretor do Movimento Viva Brasil, acredita que o texto aprovado por Bolsonaro ainda avançou pouco para a facilitação do acesso às armas ao cidadão no país.>
"O governo poderia ter avançado sobre o tema do comércio de armas e sobre os calibres, por exemplo. E ainda foi restritivo ao dizer que [na maioria dos casos] pode-se ter até quatro armas", diz. Para Rebelo, porém, o decreto deve ser um primeiro passo que deverá contar com novas leis e mudanças menores em normas técnicas de fiscalização.>
Durante a assinatura, Bolsonaro disse que outras medidas poderão ser feitas pelo Legislativo. "Esse nosso decreto trata especificamente da posse da arma de fogo. Outras coisas dependeriam de mudanças na lei, o que os deputados federais vão tratar." Bolsonaro fez ainda uma menção específica ao deputado Peninha (MDB), que tem um projeto para revogar o Estatuto do Desarmamento. "Sem dúvida, como sinalização de agenda, é um recado muito claro", analisa Rebelo.>
Adilson Dallari, professor de direito na PUC, também acredita que o decreto é somente o início de um processo maior no país. "O decreto de hoje é apenas um decreto regulamentar e assim sendo, não pode ir muito longe. O problema realmente está na lei do desarmamento. Um ponto positivo é de que começou-se a olhar para os resultados do referendo de 2005", defende.>
Dallari destaca que o decreto desta terça deixa mais claro os critérios que definem a efetiva necessidade de quem quer pleitear o posse de armas. A efetiva necessidade é um dos pré-requisitos para a posse de armas de fogo no país. Com o decreto, na prática, os altos índices de violência no país passam a ser entendidos como pré-requisito para todo o país.>
"O maior problema na regulação vigente é hoje provar a necessidade da arma. Os índices de criminalidade são a maior prova da necessidade. O decreto assume a veracidade dos fatos alegados [por quem quer ter uma arma] para sustentar a efetiva necessidade, mas que poderiam ser negados pela autoridade", comenta.>
Para o ex-governador paulista e ex-deputado e membro da Frente Parlamentar Pelo Direito da Legítima Defesa, Luiz Antonio Fleury Filho, o decreto assinado por Bolsonaro encontra um equilíbrio e é razoável. Porém, ele é contrário ao avanço de novas regras que facilitem o porte de armas, permitindo que o cidadão ande armado na rua.>
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