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Por que Bolsonaro venceu a eleição?

Por que Bolsonaro venceu a eleição?

Um dos autores do livro "A eleição disruptiva", Maurício Moura elenca os pilares da vitória em 2018 e avisa: em 2020, não basta os candidatos a prefeito serem bolsonaristas

Publicado em 13 de julho de 2019 às 00:34

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Mauricio Moura, um dos autores do livro "A Eleição Disrruptiva - Por que Bolsonaro venceu". (Record/Divulglação)

Foi a facada? O antipetismo? A crescente insegurança pública? A vontade de exibir preconceitos até então envergonhados? É fácil e até tentador disparar respostas simples a perguntas complexas. Maurício Moura, um dos autores de “A Eleição Disruptiva – Por que Bolsonaro venceu” mostra, no entanto, que foi tudo isso e mais um pouco. Com ressalvas para o atentado sofrido pelo então candidato Jair Bolsonaro (PSL), não tão decisivo.

A palavra “disruptiva”, que está na moda, é usada para marcar que a própria eleição de Bolsonaro alterou de forma ríspida os padrões partidários e eleitorais vigentes. A soma de fatores que levaram à vitória – com a chancela de “nova política” – de um deputado federal com 27 anos de mandato e que passou por sete partidos, entretanto, pode não se repetir tão facilmente.

Em entrevista para o Gazeta Online, Moura, que é professor da Universidade George Washington e presidente do Ideia Big Data, elenca os três pilares da eleição do agora presidente da República: o sentimento antipolítica, a narrativa da segurança pública e o uso das redes sociais e aplicativos de mensagens. Mas, curiosamente, até o quadro “O Brasil que eu quero”, do Jornal Nacional, contribuiu para o resultado nas urnas.

Ano que vem tem novo pleito. Será que teremos “Bolsonaros municipais” que, já cientes da estratégia vitoriosa de 2018, tentem repetir o fenômeno na disputa por prefeituras e Câmaras? Já há quem veja o presidente disposto a atuar como cabo eleitoral para frear o avanço de adversários. Assim, candidatos alinhados ideologicamente ou que imaginem ser uma boa hora para colar a imagem na do chefe do Executivo federal poderiam surfar na onda em busca de votos. Para Moura, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

“Nas eleições municipais há sempre mais temas locais do que agenda nacional. O eleitor vai para urna preocupado com a rua dele, com o hospital mais próximo. Acho que em 2020 não vai ser isso. Não vai bastar ser bolsonarista, terão que mostrar que vai resolver o problema do bairro”, prevê.

Se o livro fala do passado recente e reflete sobre o futuro, também faz um paralelo com tempos mais remotos, mas nem tanto: “Imagine um comercial com dezenas de ratos. Trilha forte e intensa. Eles atacam vorazmente a bandeira do Brasil arrastando-a até um buraco. A locução diz uma única coisa: ‘Ou a gente acaba com eles, ou eles acabam com o Brasil. Xô, corrupção.’ Esse filme poderia perfeitamente fazer parte do enxoval de peças audiovisuais da campanha de Bolsonaro, mas compôs a pré-campanha de Lula, veiculada alguns meses antes do início daquela corrida presidencial vencida pelo PT”, lembra o texto dos autores.

Mas as comparações param por aí: “A eleição de Lula em 2002 foi a vitória do discurso da mudança envolvido em um sentimento de esperança. A eleição de Bolsonaro em 2018 foi a vitória do discurso de ruptura com o sistema político movido por um sentimento de raiva”.

CONFIRA A ENTREVISTA:

No livro, aparece mais de uma vez a palavra antissentimento. O que é isso?

O antissentimento é que se votou em rejeição a alguma coisa, não para alguma coisa. Votar no diferente de tudo que está aí, no oposto, não na esperança, não num futuro melhor. Um voto de protesto quase, de chega.

O objetivo de derrotar o PT, ou a eleição plebiscitária, por si só, explica a vitória de Bolsonaro?

A eleição do Bolsonaro se explica por meio de três pilares: um é o sentimento antipolítica, derivado da Lava Jato, que colocou grandes partidos no bojo da corrupção. O PT centralizou a rejeição por ser maior. O segundo pilar é que Bolsonaro encaixou a narrativa de segurança, que ganhou muita força. O problema da falta de segurança deixou de ser um tema apenas das cidades grandes. E terceiro é o acesso a conteúdo via celular. As redes sociais foram fundamentais para divulgar as ideias dele. A TV e a campanha de rua não tiveram tanta força.

Por que a descrença de grande parte dos analistas políticos e de políticos mesmo na vitória do Bolsonaro no período pré e até eleitoral?

Porque a análise eleitoral foi baseada nas eleições dentro do Brasil, se você olhasse para fora, havia candidatos antissistema sendo eleitos, acontecia no mundo inteiro. Eu me perguntava: se acontece no mundo inteiro por que não aconteceria no Brasil?.

E em alguns países o WhatsApp não tem tanta capilaridade como aqui, então o Brasil é um terreno ainda mais fértil.

E o WhatsApp passou a ser parte da campanha. O contexto foi de antissentimento, isso é uma coisa. A outra coisa é estrutural, o uso do celular, das redes sociais e do WhatsApp.

A economia foi fator determinante, como já dizia o estrategista do Bill Clinton (“É a economia, estúpido”), que até foi citado no livro?

A crise econômica pesou no sentido que as pessoas estavam indignadas, desempregadas. Muita gente consumia e deixou de consumir. Pior do que nunca ter tido é ter tido e deixar de ter.

E a facada sofrida por Bolsonaro? O quanto isso influenciou no resultado da eleição?

Os fatores da vitória dele já estavam dados, era favorito independentemente da facada. Só impulsionou e ajudou porque ele não teve que passar pelos debates, pelo escrutínio público. Já tinha 20% em pesquisa espontânea de intenção de voto no dia da facada e 20% é muita coisa.

A facada só foi querosene num fogo já aceso.

Hoje ainda quem queira usar o episódio para jogar mais fogo.

Hoje serve para a narrativa da polarização, mas do ponto de vista empírico para a eleição as condições já estavam dadas.

E as fake news, aliás, várias delas diziam respeito à facada, tanto por parte dos apoiadores quanto dos críticos do presidente... Isso também pesou?

É um tema seríssimo, e ainda pode piorar, tem as deepfakes (tecnologia que usa inteligência artifical para criar vídeos falsos, mas realistas). Mas a decisão do eleitor passa por inúmeras variáveis. É muito difícil isolar uma fake news para dizer o quanto ela foi determinante. Na campanha do Brexit diziam que o Reino Unido gastava 350 milhões de libras por ano com a União Europeia e um grande percentual disse que votou pelo Brexit (para o Reino Unido sair da União Europeia) por causa disso, que era mentira, mas mesmo lá é difícil isolar.

Ainda não acho que foram decisivas (as fake news para a eleição do Bolsonaro). Academicamente ninguém isolou o efeito de uma fake news na definição do voto.

Uma pergunta que estrangeiros frequentemente fazem: como um presidente que se orgulha e repete declarações homofóbicas e machistas foi eleito no Brasil? É por que esse é também um retrato de parte da população brasileira?

Isso é fruto de um fenômeno raivoso contra o sistema. Trump também foi eleito assim. É um conjunto de fatores, não é um fenômeno brasileiro. Não digo que todo mundo que votou nele é homofóbico, mas o eleitorado duro concordava com essas ideias.

Ainda como resultado das eleições de 2018, os partidos tradicionais se enfraqueceram. O PSL ascendeu. É algo que veio para ficar?

O PSL acabou se beneficiando do fenômeno Bolsonaro, mas é uma somatória de diferentes líderes, cada um foi eleito surfando nessa narrativa. Precisa de tempo para saber se serão um partido ou vai se diluir ao longo do governo Bolsonaro. Historicamente, globalmente falando, é difícil, mas não sabemos.

O livro também aborda como o PSDB, histórico arquirrival, não conseguiu se beneficiar do antipetismo.

Eles acabaram sendo sugados pela Lava Jato. O evento central foi o envolvendo o Aécio (então senador e hoje deputado federal por Minas, Aécio Neves) e não expulsaram o Aécio. Ainda entraram no governo Temer.

Mas a boa notícia para eles é que ano que vem os temas são municipais, podem falar de temas mais específicos.

Uma coisa curiosa é que no livro vocês dizem que o quadro “O Brasil que eu quero”, do Jornal Nacional, também influenciou para o Bolsonaro ser eleito. Como assim?

Era a narrativa do contexto, de as pessoas serem contra os políticos em geral. As pessoas reclamavam dos políticos todo dia (no quadro).

E o PT?

O PT teve uma eleição de 2016 muito ruim, perderam quase 500 prefeituras. Em 2018, analisando friamente, o desempenho foi bom. Elegeram uma grande bancada (o PT tem 54 deputados federais contra 53 do PSL), existe, representa um setor da sociedade. A grande questão é se vai conseguir se reengajar com a classe média brasileira.

O modelo de eleição de 2018 vai se repetir, guardadas as devidas proporções, na eleição municipal do ano que vem?

Tem dois aspectos: nas eleições municipais há sempre mais temas locais do que agenda nacional. O eleitor vai para urna preocupado com a rua dele, com o hospital mais próximo.

E o aspecto que vejo no mundo é o dia seguinte da narrativa “contra tudo isso que está aí”. Tem dificuldade de manter porque passam a ser o que está aí. Você tem que mostrar que vai entregar alguma coisa.

Acho que em 2020 não vai ser isso. Não vai bastar ser bolsonarista, terão que mostrar que vai resolver o problema do bairro. O ápice dessa narrativa foi 2018, mas já está passando, como acontece na Itália, como acontece agora com o Trump, com o Macron, na França. Precisa ir além.

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