Publicado em 10 de setembro de 2019 às 15:09
Assim como o prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), adotou mais uma medida polêmica em sua gestão, buscando fortalecer o viés conservador no governo, políticos do Espírito Santo também têm dedicado a atuação às pautas de costumes e tomado decisões de apelo a aspectos morais, ao menos nos dois últimos anos, para garantir aproximação com este eleitorado.>
Na última semana, Crivella mandou censurar uma revista em quadrinhos à venda na Bienal do Livro, avaliando que ele trazia conteúdo sexual para menores. O gibi traz imagens de dois rapazes trocando carícias e se beijando, completamente vestidos.>
Já no início deste ano, políticos que se elegeram para a Assembleia Legislativa dizendo ter esses valores como bandeira apresentaram suas primeiras iniciativas. Em fevereiro, Vandinho Leite (PSDB) protocolou dois projetos de lei para proibir a "Escola sem doutrinação" e a "ideologia de gênero" nas escolas públicas estaduais.>
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O primeiro projeto se assemelha ao conteúdo da proposta chamada "Escola sem partido", que tramita na Câmara dos Deputados e foi muito explorada durante a campanha eleitoral de 2018. A ideia era proibir educadores de "impor uma verdade absoluta sem preocupação com o pluralismo de ideias". O segundo projeto, por sua vez, proíbe o poder público de "envolver-se no processo de amadurecimento sexual dos alunos".>
Os dois projetos foram considerados inconstitucionais pela Procuradoria da Casa, mas ainda seguem tramitando nas Comissões.>
Também na Assembleia, o deputado Capitão Assumção (PSL) apresentou nas últimas semanas um projeto para instituir o "Dia de Combate à Cristofobia" no Estado. O deputado, que é evangélico, justificou a iniciativa para para instruir a sociedade como acerca da tolerância aos valores e verdades que o cristianismo prega.>
Caso aprovada, a lei teria como principal função estimular e discutir o respeito à religião cristã, segundo ele. Ainda na linha das pautas ligadas à religião, ele propôs instituir a leitura de versículo bíblico nas escolas de ensino primário, fundamental e médio do Estado.>
Assumção também investiu em discussões com o cunho político-ideológico. Em um projeto, apresentado em agosto, o deputado correligionário do presidente Jair Bolsonaro (PSL) defendeu a necessidade de proibir a fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação de símbolos ou propagandas que utilizem a foice e o martelo, para fins de divulgação do comunismo.>
Segundo ele, é necessária a legislação para "proibir a difusão de símbolos que remetam ao comunismo, que criou e expandiu valores subvertidos e prejudiciais à democracia e à república. Nossos jovens não podem mais ser influenciados por inverdades e serem guiados por, o que na teoria, apresenta-se como algo benéfico e justo, mas que no fim leva a morte e destruição de muitos".>
O doutor em Ciência Política e professor da UVV Paulo Edgar Resende, observa que políticos tem agido com a tática de fomentar a existência de lados opostos e maniqueísmos, não somente para fortalecer o conservadorismo.>
"A polarização está por trás de tudo, a ponto de que esses atores trabalhem para que o projeto político deles entre nas questões culturais, das liberdades das pessoas, alterando conquistas que foram conseguidas pelos setores mais progressistas", afirma.>
Ele pontua que as atitudes também têm sentido eleitoral. "Cria-se uma guerra cultural, na tentativa de reunir a base conservadora e passar a debater valores. Há um setor que aplaude essas iniciativas. Para a democracia isso é preocupante, pois nossa forma de governo implica em direitos e liberdades para todos. Interferir nisso é arbitrário e antidemocrático", avalia.>
OPINIÕES>
Não somente os projetos de lei apresentados da Assembleia tem demonstrado a tentativa dos deputados de explorar os aspectos morais e a polarização junto à população. Em maio, quando a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves veio receber uma homenagem na Casa, mas foi recebida com alguns protestos do público, o deputado Lorenzo Pazolini (sem partido) fez duras declarações contra eles. "Fiquei com um pouquinho de tristeza hoje do nosso Estado, de saber que tem tanta gente a favor da pedofilia no Espírito Santo", disse.>
Nas Câmaras Municipais, o cenário também se repete. Em Aracruz, uma lei municipal aprovada este ano proibiu exposições artísticas que tenham "teor pornográfico", ou seja, aqueles que contenham "fotografias, textos, desenhos, pinturas, filmes e vídeos que exponham ato sexual e a nudez humana". Uma lei deste mesmo teor também estava valendo em Vila Velha, desde 2017, mas foi derrubada pelo Tribunal de Justiça (TJES) este ano por ser considerada inconstitucional.>
Em Vitória, durante as discussões da reforma de uma lei que pune atos de discriminação por sexo, cor, raça, identidade, idade e orientação sexual, gerou-se uma grande polêmica em torno da possibilidade de que igrejas pudessem ser punidas por seus posicionamentos. Após muitos debates e pressão, ficou definido que as sanções não se aplicariam a pessoas jurídicas, como igrejas, empresas e comércio.>
Para o cientista político e professor da Mackenzie, Rodrigo Prando, como a defesa pelo conservadorismo encontrou campo fértil e deu frutos nas eleições de 2018, muitos políticos vão continuar a conduzir seus mandatos se apropriando desta pauta.>
"Há a estratégia de manter esse clima eleitoral contínuo, e que é reforçada pelo próprio presidente, com esse estilo próprio, de governar confrontando. Não há problema que as ideias conservadoras sejam trazidas para o debate, desde que se respeite o estado laico, e que na democracia convive-se com o diferente. Mas os setores contrários às medidas conservadoras tem reagido. E o que vai colocar limites na atuação desses políticos são os poderes da própria República", argumenta.>
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