Publicado em 9 de junho de 2019 às 00:38
Das redes sociais às camisas verde-amarelas, vermelhas e uniformes escolares nas ruas, a polarização política que poderia ficar para trás após as eleições está firme e forte.>
Se nem todo mundo que saiu de casa para protestar é fã de carteirinha ou oposição a Jair Bolsonaro (PSL), as manifestações recentes contra ou a favor de medidas propostas pelo governo federal ilustram o clima de lado A, lado B que ainda divide os brasileiros.>
E o próprio Bolsonaro trabalha para que seja assim, ao endossar os protestos a favor dele mesmo, ao desqualificar os adversários políticos ou ao tachar o diálogo com o Congresso de flerte com a corrupção.>
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Os protestos ilustram, sim, a polarização, mantêm quase um terceiro turno constante, avalia o cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie Rodrigo Prando.>
Se a gente ficar numa espiral de manifestações a favor e contra o governo durante muito tempo, a sociedade começa a ficar paralisada, alerta.>
Antes mesmo do Bolsonaro, quem começou a tratar o adversário como inimigo foi o PT, mais especificamente, o presidente Lula. A narrativa do PT foi durante muito tempo uma disputa entre nós e eles. Mas tem uma diferença. O Bolsonaro mesmo depois de eleito insistiu nessa retórica e passou a considerar outros como inimigos, afirma Prando.>
Ele ressalta, no entanto, outro viés do novo governo. Não é, no fim das contas, a oposição o maior problema e, sim, as situações criadas pela própria gestão, que sabota a si mesma.>
POUCO EFICIENTE>
Bolsonaro acredita que é puro, límpido, nova política. Os outros são fisiologistas e, no limite, corruptos. Essa estratégia, se foi pensada, é muito pouco eficiente para o governo. Ele fez muitos decretos, cerca de 150. Menos decretos só que o Collor. Mostra que não tem disposição a passar pelo crivo do Legislativo. Só que os decretos são falhos de maneira técnica e jurídica e são derrubados, ou pelos deputados e senadores ou pelo Supremo Tribunal Federal, pontua.>
Essa dinâmica de governar a partir do enfrentamento com inimigos mantém a sociedade num estado de constante tensão, constata o cientista político.>
É, por isso, talvez, que os eleitores de Bolsonaro (ou anti-PT) ainda não tenham feito as pazes com os eleitores do PT (ou anti-Bolsonaro).>
Mas para além das relações interpessoais, há, ou deveria haver, convergência entre os Poderes Executivo e Legislativo. É de lá que saem ditames que podem causar impacto nas vidas de todos, independentemente do candidato escolhido ao teclar na urna.>
O presidente não desceu do palanque, continua com retórica de nós contra eles, tudo que foi feito antes de mim foi ruim para o país. Eu sou o arauto da nova era. Não há diálogo possível quando você se diz o único capaz, afirma o professor de Ciência Política do Insper Leandro Consentino.>
MÉTRICA>
Questionado se as manifestações pró-Bolsonaro poderiam ser uma métrica a apontar que o governo ainda tem fôlego mesmo em meio à retórica belicosa, ele diz que não. É uma manifestação de drive thru, cada um escolhe o seu e cada um faz um protesto particular. Não permite métrica. É como as manifestações de 2013, sem pauta única. Pessoas de campos políticos diferentes estiveram também nas manifestações pela Educação, é algo difuso, responde.>
Assim como analistas, inicialmente, avaliavam como remotas as chances de Bolsonaro vencer a eleição para a Presidência da República e o arrefecimento dos ânimos pós-eleição, houve também quem imaginasse uma vida mais fácil para o presidente nos primeiros meses de governo. Com popularidade em alta e lua de mel com o eleitorado, ele não teria problemas para aprovar o que quisesse no Congresso, como se deu historicamente com outros mandatários. Não está sendo assim.>
É complicado, portanto, fazer previsões no Brasil atual. A questão é se o governo vai conseguir, de fato, governar ou se vai ficar a reboque de acontecimentos fortuitos, declarações desastradas de ministros e a pauta do Congresso, que já mostrou que está disposto a levar a frente um parlamentarismo branco. Se não conseguir se articular, vai seguir a reboque dessas três forças, acredita Consentino.>
APÓS ACIRRAMENTO, POLICIAL EVITA DISCUSSÕES>
Já depois das eleições, no final do ano passado, o policial civil Humberto Mileip, de 36 anos, relatou à reportagem do Gazeta Online as agruras que viveu, expulso de um grupo de WhatsApp de colegas da faculdade, tamanho o acirramento da disputa pela Presidência da República entre os próprios eleitores.>
De lá para cá, as coisas não mudaram muito. Humberto, ele mesmo candidato a deputado estadual no ano passado, pelo PCdoB, diz que, no que se refere aos conservadores, ainda mantém certa distância.>
No meu trabalho, em que lido com um perfil bem conservador, sou representante dos policiais civis, não consigo abrir mão da convivência. É meu trabalho, a gente acaba se adaptando. Mas, quando posso fazer essa escolha, de alguns ambientes me afastei, conta Mileip.>
SEM DISCUSSÃO>
Ele havia admitido, ainda em novembro, ter exagerado ao travar debates políticos. Agora, prefere não entrar em discussões: Já discuti muito, mas tenho preferido fazer meu trabalho.>
Saí de novo do grupo (de WhatsApp em que as pessoas falam mais de política) e estou dando um tempo para as coisas se acalmarem, diz. Ele avalia que, apesar de o governo já estar em curso, é tudo muito recente.>
O grupo dos colegas de faculdade segue com a ausência de Mileip.>
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