Publicado em 19 de setembro de 2019 às 16:18
A Polícia Federal aponta que o líder do governo de Jair Bolsonaro no Senado, Fernando Bezerra Coelho (PMDB-PE), recebeu R$ 5,5 milhões em propinas de empreiteiras encarregadas das obras de transposição do rio São Francisco e de outros contratos do Executivo federal.>
A negociação e o repasse dos valores teriam ocorrido de 2012 a 2014, época em que Bezerra Coelho era ministro da Integração Nacional na gestão de Dilma Rousseff (PT) e integrava o PSB.>
Além do senador, também teria sido destinatário de subornos o filho dele, Fernando Bezerra Coelho Filho (DEM-PE), deputado federal e ex-ministro de Minas Energia de Michel Temer. Ele teria recebido R$ 1,7 milhão.>
Bezerra Coelho, o filho e outros investigados foram alvos de ações de busca e apreensão da PF nesta quinta (19), determinadas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Roberto Barroso.>
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As investigações da PF se deram a partir das delações premiadas de empreiteiros e dos empresários João Carlos Lyra Pessoa de Mello Filho, Eduardo Freire Bezerra Leite e Arthur Roberto Lapa Rosal.>
As apurações sobre Mello Filho começaram após a PF descobrir, na Operação Turbulência, que ele era o dono do avião que caiu em 2014, matando o ex-governador pernambucano e então candidato à Presidência pelo PSB, Eduardo Campos.>
No decorrer do inquérito, a polícia diz ter identificado supostas operações financeiras ilícitas das empresas dele.>
Mello Filho e os outros dois colaboradores contaram ter feito o "pagamento sistemático de vantagens indevidas" a Bezerra Coelho e ao filho dele por ordem das empreiteiras OAS, Barbosa Mello, Paulista e Constremac Construções, envolvidas nas obras da transposição e em outros projetos do governo federal.>
A pasta da Integração, comandada por Bezerra Coelho, era a responsável pela construção dos canais que levam água do rio São Francisco para outras regiões do semiárido nordestino.>
Para ocultar a origem ilícita dos recursos, pai e filho teriam se valido de um esquema de lavagem de dinheiro, envolvendo empresários, operadores e outros políticos e pessoas jurídicas.>
O pedido de busca e apreensão em endereços de Bezerra Coelho e dos demais investigados partiu da PF, mas a então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, discordou da ação contra o senador.>
Dodge alegou que "não há indícios de que ele registrasse os atos praticados, pois, ao contrário, adotou todas as medidas para manter-se longe deles, de modo que a medida invasiva terá pouca utilidade prática".>
O ministro Barroso, no entanto, não considerou o argumento "convincente".>
"Na criminalidade organizada econômica, o natural é que todos os envolvidos tentem ocultar provas e não evitar deixar registros de seus atos. A medida cautelar serve justamente para tentar encontrar documentos mantidos sigilosamente, longe dos olhos do público e das autoridades de investigação", justificou, em sua decisão.>
A ordem do ministro é do dia 9 deste mês, em meio à crise deflagrada após o presidente Jair Bolsonaro declarar que trocará postos de comando da PF.>
Barroso não autorizou o bloqueio de bens de Bezerra Coelho e do filho, por considerar a medida prematura. Ele liberou a PF para intimar os alvos da operação a prestar depoimentos nesta quinta, caso estejam dispostos.>
Alvo de operação da Polícia Federal, Bezerra Coelho comandou o Ministério da Integração de 2011 a 2013, durante o governo de Dilma Rousseff, quando Eduardo Campos rompeu com o PT para começar sua campanha presidencial e obrigou o PSB a entregar todos os cargos.>
Os investigadores sustentam que houve ao menos cinco operações para o pagamento de propinas.>
Numa delas, em 2012, Iran Padilha Modesto, apontado como operador do ex-ministro, teria pedido, em nome do senador, um empréstimo de R$ 1,5 milhão para Lyra Pessoa.>
Desse total, R$ 932 mil teriam sido pagos por meio de cheques e transferências bancárias para pessoas e partidos ligados a ambos. Outros R$ 568 mil teriam sido entregues em espécie para Modesto.>
Naquele ano, Fernando Filho foi candidato à Prefeitura de Petrolina (PE) e Modesto coordenou sua campanha. O agora deputado não se elegeu.>
Uma das empresas destinatárias das propinas, segundo a PF, foi a Bari Automóveis, administrada por parentes do senador e que doou R$ 45 mil para a chapa de Fernando Filho.>
Conforme os delatores, no ano seguinte o empréstimo foi pago a Lyra pela OAS e a Barbosa Mello, que compunham consórcio para tocar dois lotes da transposição. Para gerar os recursos necessários à operação, a Barbosa Mello teria simulado a contratação de uma locadora de caminhões.>
Além do empréstimo, os dois congressistas teriam recebido mais recursos da OAS em 2012 e 2014.>
Esses valores teriam sido repassados pela empreiteira a Lyra e Bezerra Leite. Para gerá-los, também teria sido usado pela construtora um esquema de emissão de notas fiscais frias por serviços fictícios, parte deles atribuídos às obras de transposição.>
Lyra disse em sua delação que, em 2012, foi repassado R$ 1,1 milhão "para diversas pessoas vinculadas aos parlamentares".>
Em 2014, ano em que Bezerra Coelho concorreu ao Senado, mais R$ 670 mil teriam sido pagos pela OAS por meio de caixa dois.>
A investigação aponta ainda uma doação de R$ 350 mil ao PSB, em setembro de 2013, cujo beneficiário seria o congressista.>
O delator relatou também ter recolhido mais de R$ 2 milhões em espécie na sede da Constremac Construções, em São Paulo, para serem entregues ao senador. A empreiteira era, segundo ele, a líder de um grupo de empresas menores, que detinham contratos com o governo federal.>
Uma vez recebidos, os recursos eram entregues a pessoas indicadas por Modesto, disse o colaborador.>
Ele afirmou também que Marcos Vinícius Borin, executivo da Constremac, era compadre de Bezerra Coelho e passava os fins de semana em sua casa, em Porto de Galinhas.>
Declarou também que o executivo lhe confidenciou que sua empreiteira era sócia oculta da Mendes Júnior na transposição.>
Lyra relatou ainda ter recebido, em nome do ex-ministro da Integração, R$ 330 mil da Consrutora Paulista, integrante de um consórcio que tocava três lotes da transposição.>
Procurado, o advogado do senador, André Callegari, afirmou que "causa estranheza à defesa que medidas cautelares sejam decretadas em razão de fatos pretéritos que não guardam qualquer razão de contemporaneidade com o objeto da investigação".>
"A única justificativa do pedido seria em razão da atuação política e combativa do senador contra determinados interesses dos órgãos de persecução penal", completou.>
Em nota, a defesa afirmou ainda que a Procuradoria-Geral da República opinou contra a busca e que, mesmo assim, o ministro Barroso a deferiu, o que teria causado "ainda mais estranheza". E conclui: "a defesa seguirá firme no propósito de demonstrar que as cautelares são extemporâneas e desnecessárias".>
A reportagem ainda não conseguiu contato com os demais investigados ou seus representantes.>
TRANSPOSIÇÃO>
Um dos focos da investigação da PF desta quinta-feira são as obras de transposição do rio São Francisco. A transposição é a maior obra hídrica do Brasil. O eixo leste foi inaugurado às pressas e, o norte segue sem previsão para conclusão. O orçamento inicial de toda a obra saltou de R$ 4,5 bilhões para R$ 12 bilhões.>
A obra, sempre apontada como a redenção do Nordeste a partir do beneficiamento de 12 milhões de pessoas e do impulsionamento de um novo modelo econômico, hoje apresenta sinais visíveis de deterioração, como mostrou o jornal Folha de S.Paulo em reportagem no início deste mês: paredes de concreto rachadas, estações de bombeamento paralisadas, barreiras de proteção rompidas, sistema de drenagem obstruído e assoreamento do canal em alguns trechos.>
Devido aos atropelos gerados pela conveniência do prazo político, o empreendimento hídrico não suportou entrar em funcionamento antes do tempo. Foi inaugurado sem nem sequer ter a drenagem completamente executada e o sistema operacional de controle implantado.>
O eixo leste, que corta Pernambuco e Paraíba, foi inaugurado às pressas pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), em março de 2017, e logo em seguida, de maneira simbólica, pelo petistas Lula e Dilma Rousseff. A água sumiu há cinco meses e parte da região, que vislumbrou o fim da indústria da seca, continua sendo abastecida por carros-pipas.>
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