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Ministro do TCU: 'Serviço público precisa pensar como setor privado'

Ministro do TCU: "Serviço público precisa pensar como setor privado"

Bruno Dantas afirma que a administração pública ainda tem uma percepção equivocada de que não precisa entregar resultados para existir

Publicado em 23 de novembro de 2018 às 20:12

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O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, um dos palestrantes do 13° Encontro de Lideranças, afirmou que o serviço público precisa pensar como o setor privado, entregando mais e melhor para manter sua existência. Segundo ele, a administração pública ainda tem uma percepção equivocada de que não precisa entregar resultados para existir, "como se a sua sobrevivência estivesse assegurada por mera disposição legal ou constitucional". 

"A sociedade de hoje questiona a necessidade de certas instituições existirem. Ao longo desse processo, a coletividade clama por extinguir, ou retirar do Estado, órgãos e entidades que não se justificam", afirmou Dantas, em entrevista concedida antes do evento.

O 13º Encontro de Lideranças, que ocorre nesta sexta-feira (23) e neste sábado (24), é promovido pela Rede Gazeta, em parceria com grupos empresariais como Águia Branca, Unimed e Cepemar. 

Confira a entrevista completa.

Em relação à Operação Lava Jato, o senhor acredita que os acordos de leniência feitos com as empresas podem levar à impunidade das mesmas? Pelo que entendi, o senhor defende que, para além das indenizações, o TCU cobre dessas empresas a diferença de dinheiro que foi obtido ilegalmente e que em algum momento seus recursos sejam bloqueadas. É isso mesmo? Por quê?

Os acordos de leniência e de colaboração premiada são instrumentos importantíssimos para a alavancagem de investigações por parte do Estado. A racionalidade por trás desses acordos é: o Estado busca informações que de outra maneira seriam inacessíveis, mas, como contrapartida à contribuição, o agente colaborador espera isenção ou diminuição das sanções. Para que o acordo de hoje seja percebido como opção viável, confiável e vantajosa aos olhos dos possíveis candidatos a futuras negociações, é importante que os colaboradores experimentem alguma vantagem comparativa, que os distingam dos não colaboradores. Por outro lado, a estratégia de combate à corrupção não pode perder sua vertente de dissuasão a novos atos de corrupção. Em suma, o colaborador não pode estar nas mesmas condições do não colaborador, mas também não pode equiparar-se àquele que, desde o início, optou por não delinquir. Por isso, há que se manejar com cautela sanções e incentivos de modo a prevenir que a política da leniência seja instrumentalizada como mais uma estratégia de perpetuação da corrupção. E cuidar para que o combate às irregularidades seja um fator inibidor de novos atos de corrupção.

Ainda sobre a Operação Lava Jato, muito foi comentado sobre sua crítica à medida adotada por Sérgio Moro (então juiz responsável pela operação), que proibiu o uso de provas da Lava Jato contra delatores e empresas que assinaram acordos de leniência com a força-tarefa em Curitiba. Em sua opinião, falta cooperação entre as instituições de controle?

As construtoras investigadas na Operação Lava Jato foram as principais responsáveis pela situação em que o Brasil se encontra. Não é razoável que as instituições de combate à corrupção se mostrem tão abertas a colaborar com essas empresas, mas dificultem qualquer cooperação com as demais instituições de controle. Naquele momento em que fiz essa crítica, era importante deixar assente que não havia "dono da prova", e que os elementos fornecidos ao Estado brasileiro deveriam ser utilizados por cada instituição dentro da sua esfera de competência. E o desenrolar dessa história mostrou que eu tinha razão: ficou acertado que o Tribunal de Contas da União pode sim utilizar as provas para recuperar o dano causado ao erário. Eu preciso dizer que sou relator dos processos que apuram superfaturamento nas obras da usina nuclear Angra 3, em Angra dos Reis (RJ). Nesse processo, houve um grande esforço do Tribunal de Contas de prestigiar os acordos de leniência firmados pelo Ministério Público Federal, na medida em que deixamos de declarar a inidoneidade das empresas colaboradoras, o que as impediria de contratar com o poder público. Isso seria um verdadeiro tiro de morte para a continuidade das suas atividades econômicas. E, nesta semana, o Tribunal confirmou o superfaturamento apurado na refinaria de Abreu e Lima, dando continuidade às medidas de ressarcimento do dano ao erário, mas se abstendo de sancionar empresas que colaboraram com a Lava Jato.

A corrupção hoje é apontada pelos brasileiros como um dos maiores problemas do país. Nesse sentido, qual importância o senhor enxerga em relação ao controle externo e à criação de uma cultura ética nas instituições?

A missão do TCU é "aprimorar a administração pública em benefício da sociedade por meio do controle externo". Assim, embora o nosso papel principal não seja combater a corrupção, o aprimoramento da administração pública perpassa por ações que visem a mitigar os riscos de fraude e corrupção. Nesse contexto, o TCU criou unidades especializadas no tratamento de ilícitos ligados a atos de corrupção. Sua pergunta é bem oportuna, porque, na semana passada, por exemplo, o Tribunal de Contas da União acabou de julgar um levantamento realizado em 287 órgãos e entidades da administração pública federal, com o objetivo de mapear as organizações públicas federais mais vulneráveis à fraude e à corrupção. Nosso intuito é reforçar os mecanismos e procedimentos necessários para diminuir o risco de tais eventos, dentre eles, está o reforço da cultura ética nas instituições. Assim, o papel do controle externo é fundamental nesse sentido e eu afirmo que estamos fazendo a nossa parte.

Existe hoje o movimento "Muda Tribunal de Contas", que defende a mudança do modelo de escolha dos conselheiros dos tribunais de contas de todo o país, que hoje é feita por membros do Legislativo. Dado o contexto de crise política e de desconfiança da população em relação aos seus representantes, o senhor acha que um outro modelo de escolha, focado em características técnicas, poderia aumentar a confiança da sociedade sobre esses órgãos fiscalizadores?

Eu sou um defensor de modelos focados em características técnicas. Recentemente fui presidente de uma comissão de juristas, criada pela Câmara dos Deputados, para elaborar propostas de aperfeiçoamento governamental e do sistema de controle da administração pública. No relatório final que apresentamos, está prevista, além da reputação ilibada, a criação de critérios técnicos de recrutamento de dirigentes das agências reguladoras e servidores do controle interno. Acredito que os critérios de investidura nos cargos de ministros ou conselheiros dos tribunais de contas poderiam ser um pouco mais objetivos, de modo a garantir a competência técnica e administrativa dos ocupantes. Analisando as propostas em discussão, tenho dito que elas ainda são um pouco tímidas.

O Regime Jurídico Único funciona no país? O que o senhor acha sobre a elaboração de novos modelos de gestão?

As regras atuais têm permitido atrair e preservar excelentes quadros técnicos nas diversas esferas do Estado, mesmo ao longo de diferentes governos que se sucederam. Paralelamente, a consolidação e atuação competente das instituições brasileiras nos últimos anos tem tornado as carreiras públicas cada vez mais atrativas para grande contingente de profissionais que, ao ingressarem no serviço público, contribuem para modificar paradigmas, como a atuação em plataformas eletrônicas, foco em resultado, busca de maior eficiência e preocupação com o usuário. Ao compararmos a qualidade na prestação de serviço público das instituições federais em relação aos anos 90, por exemplo, a evolução é notória. Mas o modelo comporta muitos aperfeiçoamentos, pois possibilitou o surgimento de corporativismos. Não há estímulos ou incentivos para que os talentos surjam e se desenvolvam. Muitas vezes, ocorre um nivelamento pela base. Uma questão que ainda merece maior reflexão é se, realmente, o regime jurídico deveria ser único (Lei 8.112/1990), aplicado de maneira generalizada, ou poderia haver distinção em virtude da diferença de exposição e risco envolvido em cada carreira.

A gestão pública precisa passar por aperfeiçoamentos? Quais? Algo pode ser aprendido com o setor privado?

Sem dúvida. Os aperfeiçoamentos já conquistados ainda não foram suficientes e devem ser continuamente lapidados. A administração pública ainda carrega certo senso equivocado de que não precisa entregar resultados para existir, como se a sua sobrevivência estivesse assegurada por mera disposição legal ou constitucional. Essa concepção está ultrapassada. A sociedade de hoje questiona a necessidade de certas instituições existirem. Ao longo desse processo, a coletividade clama por extinguir, ou retirar do Estado, órgãos e entidades que não se justificam. Ou seja, o serviço público precisa pensar como o setor privado: entregar mais e melhor como forma de manter sua existência.

A reforma da Previdência é hoje vista como uma urgência para especialistas e um dos principais temas da agenda do futuro presidente Jair Bolsonaro. Em sua opinião, que tipo de proposta poderia ser apresentada?

Existe um desafio em conciliar a necessidade de equacionar receitas e despesas previdenciárias com a preservação de direitos adquiridos. Não é uma tarefa fácil. O TCU tem colaborado com os Poderes Legislativo e Executivo fornecendo subsídios técnicos e imparciais para a formatação de proposta capaz de unir, na medida do possível, esses elementos. Destaco o trabalho contido no Acórdão 1.295/2017-TCU-Plenário (relator Ministro José Múcio Monteiro), que objetivou garantir a necessária transparência dos dados e o debate qualificado da sociedade civil e do governo quanto a este tema.

Como exercer o controle das contas sem criar um ambiente de medo e de desconfiança por parte dos gestores das instituições?

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Tenho refletido muito sobre isso e até escrevi alguns artigos versando acerca desse tema. É certo que a qualificação do Tribunal de Contas da União sobre os temas que envolvem a administração pública levou naturalmente a uma expansão da sua atividade nos últimos 30 anos. Por outro lado, existe muito folclore sobre isso. Sendo bem pragmático, os gestores que lidam com o Tribunal no dia a dia encontram um parceiro na discussão de temas relevantes, e reconhecem as contribuições que temos dado. Fui relator de diversos processos da área de infraestrutura e pude perceber, na prática, o quanto a participação do Tribunal é fundamental para o aprimoramento das entregas do poder público. Por outro lado, temos de tomar cuidado com eventuais excessos e calibrarmos a todo momento nossa autocontenção de forma a preservar o espaço decisório do gestor público.

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