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Lula e Bolsonaro: lados opostos, falas parecidas

Lula e Bolsonaro: lados opostos, falas parecidas

Apesar das diferenças ideológicas, Bolsonaro e Lula miram suas metralhadoras giratórias quando são atacados ou criticados

Publicado em 5 de fevereiro de 2018 às 01:51

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Ex-presidente Lula e o deputado Jair Bolsonaro (à dir) . (Arquivo)

Os dois primeiros colocados nas pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PSC), ocupam lados opostos no que se refere ao pensamento e a práticas ideológicas. Porém, apesar do antagonismo, existem aqueles que veem semelhanças nos discursos um do outro, seja criticando a quem chamam de perseguidores, seja diminuindo acusações contra eles ou se colocando como únicas soluções para um país em crise, em meio aos adversários da disputa eleitoral.

Um destes exemplos ocorreu em evento realizado no último mês de agosto, na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O ex-presidente, já condenado na ocasião pelo juiz Sérgio Moro no caso do triplex, disse que alteraria a legislação de mídia, como forma de resposta à perseguição que ele diz sofrer da imprensa. Apesar de antiga bandeira do PT, o projeto nunca foi colocado em prática nos governos dele e de Dilma Rousseff (PT). Polêmico, o tema traz de um lado aqueles que defendem uma democratização maior dos meios de comunicação e do outro uma possível censura e interferência no conteúdo com a criação de um órgão regulador.

“Eles têm que saber que têm que trabalhar muito para não deixar que eu volte a ser candidato. Se eu for, vou ganhar e fazer a regulação dos órgãos de imprensa”, atacou o pré-candidato do PT.

Lula também já mirou sua artilharia no Judiciário, ele que no último dia 24 foi condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).

“Eu nunca tive nenhuma ilusão com o comportamento dos juízes na questão da Lava Jato. Porque houve um pacto entre o Poder Judiciário e a imprensa, que resolveram que era hora de acabar com o PT e com a nossa governança no país”, disse.

Bolsonaro também não mede esforços para mirar sua metralhadora giratória quando é criticado. No mês passado, reportagem da “Folha de S. Paulo” trouxe a evolução do patrimônio do pré-candidato e de seus três filhos, que seriam donos de 13 imóveis no Rio de Janeiro, o que causou a ira do deputado federal.

“O Brasil vive a maior campanha de assassinato de reputação de sua história recente, protagonizada pela grande mídia”, criticou Bolsonaro por meio de rede social.

Para o cientista político e professor da Ufes, Francisco Albernaz,tanto Lula, quanto Bolsonaro, ao fazerem isso, tentam justificar para a sociedade comportamentos que ferem as expectativas dos eleitores, atribuindo tais problemas a produtos midiáticos ou do Judiciário, quando na verdade não são.

“Ambos tentam culpar a mídia ou a Justiça pelos problemas, ao mesmo tempo em que todos sabem que houve uma relação promíscua com o mundo empresarial por parte de Lula e Bolsonaro, por ser proprietário de vários imóveis e ainda receber ajuda de auxílio-moradia”, observou Albernaz.

O professor do Departamento de Sociologia e Política da PUC-RJ, Ricardo Ismael, também tem opinião parecida quanto aos dois.

“Quando a notícia é boa, eles não se incomodam, mas quando a carga é negativa existe o posicionamento deles neste sentido, de partirem para o ataque ou mesmo de se vitimizarem”, analisou.

O que também não fica difícil constatar é que quando não partem para o confronto direto, os pré-candidatos incorporam discursos em tom de deboche, objetivando diminuir o peso das acusações.

Mesmo sendo dono de um apartamento em Brasília desde 1998, Bolsonaro recebe auxílio-moradia de R$ 3.083 da Câmara dos Deputados desde 1995. Ao ser indagado pela “Folha de S. Paulo” se havia usado o dinheiro do benefício para comprar seu apartamento, o parlamentar soltou uma resposta grosseira: “Como eu estava solteiro naquela época, esse dinheiro de auxílio-moradia eu usava para comer gente”, declarou o parlamentar.

“Estão implicando em R$ 3.500, R$ 3.600 que eu recebo a título de auxílio-moradia, como se eu fosse um bandido”, postou posteriormente em rede social.

Já Lula, em depoimento à Polícia Federal no aeroporto de Congonhas, em março de 2016, disse que o triplex de 215 metros quadrados de área no Guarujá (SP), pivô de sua condenação, era pequeno e comparou o mesmo às unidades habitacionais do programa habitacional do governo. “O prédio era inadequado porque além de ser pequeno, um triplex de 215 metros é um triplex Minha Casa Minha Vida”, afirmou.

Únicas opções

Com as crises no país de representatividade, política e econômica, tanto Lula quanto Jair Bolsonaro se colocam em meio aos demais pré-candidatos como os únicos capazes de tirar o Brasil do atoleiro.

Em visita aos Estados Unidos em outubro do ano passado, Bolsonaro, em discurso a uma comunidade brasileira na Flórida, garantiu que ia trabalhar para tirar do poder políticos do PT e de outros partidos acusados de corrupção. “Alguém tem que buscar um ponto de inflexão na política brasileira e começar a mudar. Se é para fazer a mesma coisa de antes, estou fora”, declarou.

Bolsonaro, que vem sendo criticado por não entender de economia, disse ainda em terras americanas que Ronald Regan também não dominava a área e foi um dos melhores presidentes americanos. O deputado ainda aproveitou para disparar contra o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), também pré-candidato à Presidência.

“Aquela dupla de açougueiros goianos, o Joesley e o Wesley Batista, só conseguiu entrar no BNDES para pegar empréstimos bilionários porque estava no conselho da Friboi o senhor Henrique Meirelles naquela época. É o tal do lobby, bota o cara para abrir portas. A Lava Jato vai chegar nele”, disse Bolsonaro.

Lula, por sua vez, se coloca como o único capaz de colocar o Brasil de volta aos trilhos. “Esse país era protagonista internacional, era respeitado. Vocês não têm noção de como foi bom esse país ser grande. Pois bem, esse país vai voltar. A esquerda vai se unir não em torno de um candidato, mas em torno de um projeto”, afirmou Lula, em evento que participou em Porto Alegre, na véspera do julgamento no TRF-4.

Ele ainda criticou seus possíveis adversários que vêm sendo postos. “Quando eu penso que eles aceitam qualquer coisa, menos o Lula, eu penso: ‘p*, eu sou bom pra caramba’”, afirmou o ex-presidente.

Mas ao mesmo tempo em que tentam minar os adversários fazendo críticas a eles, para o cientista político Fernando Pignaton, os dois parecem que estão focando a artilharia até mais um no outro, o que seria uma estratégia de mantê-los polarizando o processo eleitoral.

“Os dois praticam uma política de perfil populista, se colocam como antípoda um do outro. Produzem um processo de choque de personalidades na tentativa de bipolarizar o processo e eliminar as opiniões e correntes intermediárias. Tudo isso é pensado, um depende do outro para se alimentar”, avaliou.

Para citar exemplos do fogo cruzado entre os dois, Lula disse que o bom posicionamento de Bolsonaro nas pesquisas é fruto do analfabetismo político do Brasil. “É um político grotesco, agressivo, que ofende mulheres, negros.”

No dia em que Lula foi condenado pelo TRF-4, foi a vez de Bolsonaro comemorar nas redes sociais. “Foi um dia histórico... Um tiro de .50 na corrupção”, disse Bolsonaro, se referindo a um tipo de calibre de arma de fogo.

Para Pignaton, tais comportamentos, com características personalistas, acabam colocando o debate que verdadeiramente importa de lado, que é a discussão de projetos para o Brasil.

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“Esse encaminhamento populista do processo político, esse choque de personalidades carismáticas, cancela a indispensável discussão sobre os programas de governo e propostas que o Brasil precisa para sair da crise. Isso prejudica a democracia”, avaliou Pignaton.

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