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Justiça bloqueia R$ 63 milhões de ex-vereador e oito empresas na Serra

Justiça bloqueia R$ 63 milhões de ex-vereador e oito empresas na Serra

O juiz Mário da Silva Nunes Neto, em seis ações diferentes, determinou o bloqueio de bens do ex-vereador Raul Cezar Nunes (Rede), ex-servidores, empresários e empresas

Publicado em 28 de março de 2018 às 02:01

Ex-vereador e ex-presidente da Câmara da Serra, Raul Cezar Nunes está no centro das denúncias Crédito: Edson Chagas

Vexames judiciais e legislativos não fazem parte apenas da história recente da Câmara da Serra. Há a suspeita de que a improbidade administrativa é algo sistemático e praticado pela cúpula da Casa há quase dez anos. O juiz Mário da Silva Nunes Neto, da 3ª Vara da Fazenda Pública de Vitória, em seis ações diferentes, determinou o bloqueio de R$ 63,7 milhões em bens do ex-vereador Raul Cezar Nunes (Rede), ex-servidores, empresários e empresas. Eles foram denunciados pela 13ª Promotoria de Justiça Cível da Serra por envolvimento em um “esquema fraudulento” de direcionamento de contratos públicos entre 2009 e 2010.

O bloqueio refere-se a um prejuízo aos cofres públicos de R$ 21,2 milhões – valor atualizado dos contratos questionados – e a R$ 42,4 milhões em multas aplicadas ao grupo.

As decisões, em caráter liminar (provisório), foram expedidas entre os dias 12 e 23 deste mês. Elas têm ligação com os fatos apurados na denúncia que levou, no início do mês, o mesmo magistrado a determinar o bloqueio de R$ 50 milhões de Cezar Nunes e de outras dez pessoas, físicas e jurídicas, conforme publicado por A GAZETA com exclusividade.

De acordo com as denúncias assinadas pela promotora Maria Clara Mendonça Perim, o esquema, em síntese, funcionava da seguinte forma: havia prévio acordo entre as empresas “interessadas” em participar das licitações na Câmara, de forma a antecipar a vencedora, em cada caso.

Desses processos participavam as empresas que guardavam relação com Júlio César Barbosa, sócio oculto da maioria das empresas que venciam as disputas. Havia ainda outras com “falso interesse” nas licitações, as quais possuíam ligação, ainda que indireta, com Barbosa, apenas para dar “ares de disputa” às licitações.

“Nota-se que o citado engodo envolvera, além das empresas participantes, servidores da Câmara, os quais teriam atuado para forjar uma disputa que, na verdade, nunca existiu nos moldes do que foi documentalmente registrado, eivando de ilicitude os contratos”, registra o juiz Mario da Silva Nunes, que concedeu as seis novas liminares e também a anterior.

De acordo com a promotora, o esquema na Serra “perdura de 2009 até a presente data”. Os seis contratos questionados são distintos: variam de prestação de serviços de limpeza, construção de subestação de energia elétrica, manutenção predial e marcenaria.

Em todas as ações figuram como réus o ex-vereador, o ex-superintendente da Câmara – que atuou na gestão dele – , Pedro Sobrinho, e o empresário Júlio César Barbosa. Outras 22 pessoas ou empresas dividem-se como denunciadas nas ações civis públicas por atos de improbidade.

Os seis contratos com a Câmara foram vencidos por empresas nas quais Júlio Cezar Barbosa figurava como dono, sócio oculto ou em que “laranjas” dele apareciam à frente. A investigação o apontou como o “principal ator e maior beneficiário do esquema fraudulento”, já que teria construído uma suposta rede de pessoas jurídicas que participavam das licitações da Câmara.

O então superintendente, segundo o Ministério Público, tinha participação “direta e decisiva” nas irregularidades. Ele seria o condutor das licitações supostamente fraudadas e seria também o responsável por assinar os editais “eivados de vícios”. O então presidente autorizava as licitações e publicava os editais sem observar as cautelas legais. Em seguida, homologava os resultados e ordenava as despesas. “Pedro Sobrinho e Cezar Nunes intencionalmente deixaram de adotar a providência legal de coleta e mensuração de preços, ou a realizaram de forma parcial e fraudulenta”, frisa a denúncia.

PREDIAL

Um dos maiores contratos investigados é um firmado em 2010, para manutenção predial e de equipamentos. Considerando os aditivos, o valor atualizado da despesa chega a R$ 9 milhões. Como a multa foi definida tendo como base duas vezes esse valor, só este contrato rendeu bloqueio de R$ 27 milhões em bens.

A promotoria apontou que uma das empresas acionadas para fazer a cotação de preços tinha como sócio oculto o empresário Júlio Cezar Barbosa. Ele também apareceu nas apurações como sendo o verdadeiro proprietário da Rastro Construções e Serviços, empresa que arrematou o serviço. O atestado de capacidade técnica apresentado pela Rastro havia sido emitido pela firma Centro Automotivo Reco LTDA. O documento foi assinado por três engenheiros. Os três também atuava como engenheiros da Rastro.

“Os documentos anexados à inicial demonstram a verossimilhança das alegações autorais e, consequentemente, apontam para a provável ocorrência dos atos de improbidade administrativa que importam, em tese, em prejuízo ao erário e na violação aos caros princípios da Administração Pública”, destacou o juiz, na ação que investigou contratos que custaram R$ 9,9 milhões aos cofres da Serra.

ADVOGADO DIZ QUE AÇÕES SÃO TEMERÁRIAS

O advogado Pablo Andrade classifica como “temerárias” não somente as ações propostas pela 13ª Promotoria de Justiça Cível da Serra, como também as seis liminares concedidas contra seus clientes nos últimos dez dias. “Todas nascem de uma instrução técnica do Tribunal de Contas do Estado (TCES) que não havia sido analisada pelo plenário do tribunal”, afirmou Andrade, que faz a defesa do ex-presidente da Câmara Raul Cezar Nunes (Rede) e de dois ex-servidores que também são réus nas ações: Pedro Reco Sobrinho e Salomão Antonio da Silva.

Andrade destaca ainda que as ações não conseguiram provar que houve enriquecimento ilícito por parte de seus clientes. “O propósito da fraude, que é o enriquecimento sem causa, o que ninguém está provando. A discussão é se houve sobrepreço”, destacou.

Outro ponto, segundo Andrade, é que as empresas não deveriam nem estar sendo processadas. Explica que, segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o prazo prescricional nas ações de improbidade é contado individualmente. “As licitações são de 2009, estão prescritas. E vou além, são sem propósito, uma vez que o serviço foi prestado, e atestado pelo TCES”, assinala.

Para Andrade, a Justiça também não poderia ter concedido o bloqueio de bens de seus clientes de forma tão abrangente, já que isto afeta o direito constitucional de cada um deles. “A Constituição garante a todos a preservação do patrimônio e a construção de bens. Querendo ou não o Estado de direito existe para garantir os direitos individuais, inclusive ao patrimonio”, assinala.

Na avaliação de Andrade, a sociedade está vivendo um momento de criminalização da política, numa “sanha lajavatesca”, como reflexo das investigações da Operação Lava Jato.

A reportagem tentou entrar em contato com Julio Cezar Barbosa, apontado na ação como responsável pela maior parte das empresas. Funcionários da Servinorte informaram que nem ele ou a sua esposa, Sinézia, estavam no escritório e que retornariam mais tarde, o que não aconteceu. Também não informaram o nome do advogado que o representa.

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