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Investigações têm seis delatores no Espírito Santo

Investigações têm seis delatores no Espírito Santo

Popular na Lava Jato, delação é "tímida" em apurações no Estado

Publicado em 2 de junho de 2018 às 23:21

null Crédito: Arabson

Delação premiada virou quase sinônimo de Operação Lava Jato. A cada novo delator interessado em revelar esquemas criminosos em troca de abatimento nas penas, mais provas os investigadores arrecadam e mais fundo nas organizações criminosas conseguem chegar. A próxima delação capaz de provocar terremoto político é a do ex-ministro Antonio Palocci, preterido pelos antigos aliados petistas.

Apesar da popularização do uso dos acordos de colaboração premiada no âmbito nacional, no Espírito Santo a frequência é bem menor. Por aqui, são raros os casos em que investigados e investigadores negociam delações.

Nos últimos dias, a reportagem conversou com experientes advogados, policiais e integrantes dos Ministérios Públicos. Segundo as informações colhidas desses atores do ramo, o número de colaborações homologadas pela Justiça em investigações que estão em andamento superam em pouca coisa os dedos de uma mão.

De acordo com informações de fontes que preferiram não ser identificadas, há três delações homologadas no âmbito da Operação Lama Cirúrgica. O Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas (Nuroc), da Polícia Civil, e o Ministério Público Estadual (MPES) trabalharam juntas no caso, que já tem nove réus.

A operação, deflagrada em janeiro com a prisão de três pessoas, é resultado de uma investigação sobre reutilização de materiais cirúrgicos descartáveis.

Há pelo menos outras duas no âmbito da Polícia Federal e mais uma na qual membros do Ministério Público Federal (MPF) estariam trabalhando.

O delegado de repressão e combate ao crime organizado da PF no Estado, Leonardo Damasceno, disse, em entrevista para A GAZETA há duas semanas, que há “dois ou três casos com delação” em andamento na superintendência capixaba.

Na Lava Jato, segundo o MPF do Paraná, foram 187 acordos de colaboração celebrados com as forças-tarefas de Curitiba e do Rio de Janeiro e com o grupo de trabalho da Procuradoria-Geral da República, em Brasília.

Por que pouco?

Nas entrevistas feitas com os profissionais do segmento, houve uma teoria comum para a “timidez” no volume de colaborações no Espírito Santo. Para eles, isso se dá simplesmente porque não existem muitas operações contra organizações criminosas complexas que cometem crimes sofisticados como aqueles desbaratados pela Lava Jato.

Em teoria, a colaboração é uma ferramenta fundamental para que a investigação acesse estruturas e métodos de organizações criminosas. Há, contudo, uma série de críticas à popularização desse mecanismo, como uma possível falta de clareza sobre o que entra ou não no acordo e o proveito que os investigadores tiram das informações entregues quando a Justiça não homologa a delação.

Além disso, entre as condicionantes negociadas, por exemplo, pode estar a autorização para que o delator fique com parte do produto do crime, como apartamentos.

De qualquer forma, é também uma opção para os investigados que resolvem admitir os crimes e ajudar na apuração para tentar abater a pena.

“Não é todo crime que vai ensejar a colaboração. É um mecanismo de estratégia da defesa. Não há imposição para colaborar. É instrumento à disposição da defesa técnica, que pode lançar mão da colaboração ou não. Acho o instrumento absolutamente legítimo e salutar”, comentou o advogado Raphael Câmara, sem dizer se trabalha em alguma delação.

“Aparece como ferramenta muito mais voltada para a acusação, na medida que tenta suprir a deficiência na apuração de determinados tipos de crimes. Por trazer benefícios para quem faz o acordo, também não pode deixar de ser vista como estratégia do acusado”, frisou o também advogado Ludgero Liberato.

INSTRUMENTO PARA SOLUCIONAR MAIS CRIMES

O chefe da Delegacia de Repressão e Combate às Organizações Criminosas da Polícia Federal no Espírito Santo, Leonardo Damasceno, avalia a possibilidade de celebração de acordos de colaboração premiada como “fantástica” no combate a organizações criminosas e diz que “incentiva para que ela seja mais usada, para que nos permita chegar mais longe”.

“É um instrumento novo e ficamos até o ano passado numa disputa com o MPF para ver se a gente podia ou não fazer esses acordos. É usado em casos de complexidade. Temos muitos casos de inquéritos mais simples que não comportam esse tipo de instrumento. Mas tipificar um crime de organização criminosa não é fácil e esse instrumento é para esses casos”, disse.

O delegado explicou que a maior parte dos inquéritos é solucionada com estratégias mais tradicionais de investigação, como oitivas, rastreamentos, interceptações e quebras de sigilos.

Disse que a PF no Estado só usa delações em “casos excepcionais” e defende que as informações prestadas por delatores devem estar acompanhadas por outros elementos que as comprovem.

“Não vale por si só. O delator tem que trazer comprovações dos dados. Depende da ‘expertise’ de quem vai fazer a delação para buscar e exigir as comprovações, até para que o delator que não conseguir comprovar perca os benefícios. Não estamos dependentes dela. É mais um instrumento que agrega. Se bem utilizado, nos ajuda a chegar onde nunca poderíamos ter chegado”, comentou.

Damasceno estima que a cada mil inquéritos tramitando um ou dois são reforçados com colaborações premiadas. Hoje, na superintendência capixaba, a média de investigações em curso varia entre 1,5 mil e 2 mil.

Em dezembro, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por permitir que a PF feche os acordos. A decisão encerrou uma queda de braço que a polícia travava com o Ministério Público Federal (MPF) por conta de desdobramentos da Lava Jato.

O promotor de Justiça Vitor Anhoque Cavalcanti é membro do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público Estadual (MPES). Ele também vê as colaborações como “excepcionais” e defende que elas sejam celebradas “sem açodamento”. Ele cita como caso bem sucedido do uso de colaboração premiada a Operação Âmbar, de 2015, que desarticulou organização criminosa suspeita de sonegação fiscal no setor de rochas ornamentais.

Mas é seguro celebrar delações, uma vez que o delator pode represar informações importantes?

“O que garante que isso não acontece? A parte provar o que diz e as diligências complementarem. Não é tão simples chegar até o promotor e a polícia e dizer só parte da verdade. Se ele omite algo, normalmente é descoberto. Acho o instrumento seguro, mas também acho que possa estar sujeito a críticas. Ocorreu na Operação Mãos Limpas (Itália), com pessoas cooptadas para desvirtuar os fatos”, opinou.

"PRISÃO PARA FORÇAR ACORDOS PREOCUPA"

Fábio Tofic Simantob

Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), o advogado Fábio Tofic Simantob não é contra a delação. Mas elenca uma série de problemas na maneira como o mecanismo popularizou-se na Lava Jato.

Não é um instrumento indiscutível das defesas e dos investigados?

O IDDD não é contra. Não é uma visão institucional. O que nos preocupa é a forma como os acordos são celebrados, é o uso da prisão para forçar acordos, é a falta de regulamentação. Do momento em que o réu bate à porta do Ministério Público (MP) até a hora em que o acordo é homologado, ninguém sabe o que foi feito. Quem procura o MP para negociar está sujeito a muitos arbítrios. Não tem muito claro, por exemplo, até que ponto aquilo vai ser usado ou não se o acordo não for para frente. E não existe uma “muralha da China”, como a do Cade, para separar quem promove o acordo e quem promove a acusação. No MP, negocia-se com quem está acusando. Também acho que a advocacia tem que fazer uma autocrítica, separar quem faz a delação de quem defende o réu.

Há falhas no levantamento de provas complementares?

Com certeza. Tem o delator que fala e não prova absolutamente nada. E aquilo não servirá para condená-lo, mas vai para a primeira página dos jornais para assassinar reputações. E tem o sujeito que fala: ‘eu estive no local em que ele trabalha, em 2015, e ele me cobrou propina’. ‘Que provas você tem?’. ‘Tenho um tíquete de estacionamento ao lado do local de trabalho dele’. Isso não prova nada.

Alguma ressalva quanto ao momento de celebração de acordos?

Criou-se no Brasil, com a delação, uma coisa maluca de começar a cumprir pena pelo que ele nem foi ainda processado. Daqui a anos ou décadas, vão olhar para esses primeiros acordos e achá-los inacreditáveis.

Após a Lava Jato, qual panorama o senhor vê para o Brasil no uso da delação premiada?

Esse instituto no Brasil vai acabar evoluindo para uma postura diferente das defesas. É o que o Palocci está fazendo em Curitiba. Ele não conseguiu assinar o acordo, mas decidiu colaborar. O juiz poderá atenuar a pena dele.

Há um uso exagerado das delações na operação ou estamos falando de crimes complexos que não podem ser descobertos em sua totalidade sem esse instituto?

É verdade, se pegarmos a do Youssef, a do Paulo Roberto Costa... mas esse discurso começou a ser entoado de forma desgarrada da realidade. Foi importante num momento, mas se transformou num vício, como se a cada mês a Lava Jato precisasse de uma nova delação. Tem delações que não viraram processos, são inconsistentes.

Investigadores dizem que apurações complementares são capazes de checar a consistência das delações. Há mecanismos seguros para evitar delações parciais?

Ninguém conta toda a verdade. São seres humanos. O cara está delatando, mas o melhor amigo, a esposa, o irmão, ele não vai delatar. Parto do pressuposto que os verdadeiros comparsas ele não vai entregar. E a questão é que vai dar certo a delação até alguém descubra. Se não descobrir, deu certo para ele. Todos fazem certo cálculo do risco. Alguns incorporam mais, entendem que devem falar tudo o que sabem. Outros menos.

O QUE É?

Delação premiada

O termo mais preciso é “acordo de colaboração premiada”. Isso porque, segundo juristas, não necessariamente o colaborador delata alguém ou alguma coisa. Ele pode simplesmente apresentar informações esclarecedoras sobre a organização criminosa investigada.

Abatimento

O colaborador pode ter penas de prisão transformadas, perdão judicial e redução da pena em até 2/3.

Anos 1990

A Lei de Crimes Hediondos, de 1990, é considerada o marco inicial das delações, embora não a tenha mencionado exatamente. Falava em redução de pena para o “associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento”.

1998

Ganhou aplicabilidade, na Lei 9.613/98, sobre os crimes de lavagem de dinheiro, ao permitir que o juiz abata a pena de quem colaborar espontaneamente com as autoridades.

2013

Mas a colaboração premiada nos moldes atuais existe graças à Lei 12.850/13, sobre medidas de combate às organizações criminosas. Portanto, é usada para crimes que envolvem essas organizações.

Arrependimento

Foi sancionada por Dilma Rousseff. A petista já disse que se arrepende. Avalia que faltou “tipificação exaustiva” e virou “arma de arbítrio”.

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