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Imparciais? CNJ estuda regras para juízes nas redes sociais

Imparciais? CNJ estuda regras para juízes nas redes sociais

CNJ elabora um manual com orientações, mas até agora não puniu ninguém. Já o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) até suspendeu membros por postagens polêmicas

Publicado em 20 de junho de 2019 às 17:01

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Em tempos de questionamentos quanto à imparcialidade de juízes – mais especificamente de um ex-juiz –, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) elabora um manual de conduta para magistrados nas redes sociais.

É também por meio de publicações e curtidas nessas mídias que alguns deles são alçados à popularidade ou ao descrédito. Às vezes, às duas coisas, depende do ponto de vista do seguidor.

A ideia do CNJ é ditar orientações aos juízes para que tenham parâmetros a seguir antes de clicar em "publicar". De acordo com o conselheiro do CNJ Aloysio Corrêa da Veiga, ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e coordenador do grupo que se debruça sobre o tema, o manual deve estar pronto até a primeira semana de agosto.

Enquanto isso, o CNJ tem recebido denúncias contra magistrados de diversos Estados.

Há, por exemplo, a desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Marília Castro Neves, que postou, no Facebook, mentiras sobre a vereadora Marielle Franco, e depois admitiu o erro; críticas a uma professora com síndrome de down, pelas quais pediu perdão, e ainda compartilhou um meme que dizia que o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e ex-presidenciável pelo PSOL, Guilherme Boulos, seria "recebido a bala".

Já juiz federal Marcelo Bretas, da Lava Jato do Rio, foi notificado a explicar o post no Twitter em que comentou o caso do jogador de futebol Neymar, acusado de estupro. O próprio Bretas já havia publicado, no mesmo perfil, no dia 2 de abril o artigo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) que diz que "é vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem". 

De acordo com Veiga, corregedor nacional substituto, o CNJ até hoje não puniu ninguém por publicações em redes sociais. "Estamos instruindo processos, há vários em andamento."

Em dezembro do ano passado, o conselho arquivou pedido de providência referente ao juiz Paulo Abiguenem Abib, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Ele havia escrito, no Facebook: "O cidadão de bem acordou. Não aceita mais esse mi mi mi ... podem espernear à vontade! Dia 28 é 17!", em alusão ao número de urna do então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL).

Já estava em vigor o Provimento Nº 71, do próprio CNJ, de junho de 2018, que "dispõe sobre o uso do e-mail institucional pelos membros e servidores do Poder Judiciário e sobre a manifestação nas redes sociais". O artigo 2º diz que "a vedação de atividade político-partidária aos membros da magistratura não se restringe à prática de atos de filiação partidária, abrangendo a participação em situações que evidenciem apoio público a candidato ou a partido político".

Na época, o corregedor nacional, Humberto Martins, contemporizou: "É possível que no pleito eleitoral alguns juízes não tenham compreendido o alcance das suas limitações quanto a publicações em redes sociais". Abib também asseverou que jamais foi filiado a partido e que desconhecia uma nota recomendatória emitida pelo conselho sobre as eleições. 

"MORDAÇA"

O Provimento 71 chegou a ser apelidado de "Provimento da mordaça". Agora, o manual em elaboração tem a premissa de "conciliar a liberdade de expressão e a presença dos magistrados nas redes sociais com a preservação da imagem institucional do Poder Judiciário", como explicita a portaria que criou o grupo de trabalho, assinada em maio pelo presidente Dias Toffoli.

"A manifestação de pensamento não pode ter nenhuma censura por parte do Estado. Mas nenhum direito é absoluto, nem a liberdade de expressão", afirma o conselheiro Aloysio Veiga. 

"A Loman já veda a manifestação do juiz sobre processo pendente de julgamento, seja dele ou de outro. A única ressalva é na academia, no debate jurídico dando aula", lembra.

O manual ainda não foi concluído, mas já desperta desconfianças. Para a Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), "a dinâmica das redes sociais é imprevisível e torna praticamente impossível a elaboração de um código de conduta particularizado. Um conjunto de regras com esse teor estaria condenado a um breve anacronismo".

"Toda manifestação é admissível, mas precisa saber o teor (do manual a ser elaborado) para criticar", rebate Veiga.

O presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages), Daniel Peçanha, optou, justamente, por aguardar o manual a ser apresentado pelo CNJ: "Prefiro aguardar para ver o que o CNJ vai fazer, o que vai constar no regramento. A magistratura já tem um código de ética, que destaca algumas posturas necessárias ao magistrado. Tem que ser visto se esse regramento vai só reforçar o que tem no código. Agora, certamente o magistrado é um cidadão, goza dos mesmos direitos dos demais cidadãos brasileiros".

TEMOR DE "CAÇA ÀS BRUXAS"

O juiz aposentado e jurista Wálter Maierovitch diz temer atividades de "caça às bruxas", mas avalia, inicialmente, como positiva a elaboração de um manual sobre uso de redes sociais para magistrados, "desde que as regras não esbarrem em direitos constitucionais".

"Isso precisa ser analisado com cautela. Está em jogo o direito de manifestação e o direito de a sociedade conhecer seus juízes, saber o que eles pensam". "Mas, claro, um juiz nazifacista não pode exercer jurisdição, tem que ser submetido a um processo administrativo. Tem os dois lados da moeda. Se tomar partido e depois tiver que julgar, aí não. Já prejulgou".

O CNMP avalia postagens de seus membros por meio de procedimentos. (Erivelton Viana/CNMP)

Além dos juízes, membros do Ministério Público também vez ou outra acabam respondendo a procedimentos no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) por postagens nas redes sociais.

"Eles têm a função de representar a sociedade, de serem fiscais da lei, não têm só função de acusador, como no processo criminal", lembra Maierovitch.

Mas nem tudo pode. Ou nem tudo está livre de questionamentos. O procurador da República Deltan Dallagnol, por exemplo, é alvo de uma reclamação disciplinar por ter tentado influenciar, em várias postagens pelo Twitter, a eleição para a Mesa do Senado.

Para o corregedor nacional do Ministério Público, Orlando Rochadel Moreira, Deltan fez "campanha política" pelo voto aberto na disputa pela Presidência do Senado e tentou “descredenciar” perante a opinião pública a então candidatura do senador Renan Calheiros (MDB-AL) ao comando da Casa.

E o CNMP já puniu membros do Ministério Público por publicações em redes sociais. O promotor Rogério Leão Zagallo, do Ministério Público Estadual de São Paulo, foi suspenso por 30 dias por ter escrito, no Facebook, em 2013, diante de uma das manifestações de junho:

"Estou há duas horas tentando voltar para casa mas tem um bando de bugios revoltados parando a avenida Faria Lima e a Marginal Pinheiros. Por favor, alguém poderia avisar a Tropa de Choque que essa região faz parte do meu Tribunal do Júri e que se eles matarem esses filhos da puta eu arquivarei o inquérito policial. Petistas de merda".

Era uma manifestação do Movimento Passe Livre.

Em 2019, Zagallo foi suspenso de novo, desta vez por, ao compartilhar notícia sobre uma desembargadora, escrever que ela tinha cara de empregada doméstica.

Já no último dia 11, a procuradora da República Monique Cheker sofreu a pena de advertência por imputar, no Twitter, "a algumas autoridades, ainda que indeterminadas, o recebimento de vantagem indevida para atender interesses de terceiros".

Uma recomendação de 2016 do CNMP "dispõe sobre a liberdade de expressão, a vedação da atividade político-partidária, o uso das redes sociais e do e-mail institucional por parte dos Membros do Ministério Público" de todo o país. O texto, diz, por exemplo, que "devem evitar publicações em redes sociais que possam ser percebidas como discriminatórias em relação a raça, gênero, orientação, sexual, religião e a outros valores ou direitos protegidos, e que possam comprometer os ideais defendidos pela Instituição".

Presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público, o promotor Pedro Ivo de Sousa avalia que achar um ponto de equilíbrio, principalmente quanto à manifestação político-partidária, é um desafio. "Daqui a pouco os membros do Ministério Público e da magistratura não vão poder nem votar, se alargarmos muito o conceito de atividade político-partidária. Digamos que haja a proposta de uma nova Constituição, que o presidente da República sugira isso, e os membros do MP se posicionem contra essa proposta. Será que isso seria caracterizado como posição político-partidária? Todos somos seres políticos", pontua.

"Se optei pela magistratura, tenho que me vincular à estrutura"

Aloysio Corrêa da Veiga, conselheiro do CNJ e ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

O grupo de trabalho tem o objetivo de estabelecer parâmetros para uso das redes sociais. São orientações, recomendações.

E o que pode acontecer com quem não seguir as recomendações?

Aí temos as regras de conduta que comandam a vida administrativa do magistrado. Se pratica um ato que lhe é vedado, pode responder administrativamente, com sanções que já estão previstas hoje (de advertência a aposentadoria compulsória).

Há questionamentos se regras para as redes sociais podem interferir na liberdade de expressão.

Se optei pela magistratura, tenho que me vincular à estrutura da instituição, não posso, com fundamento na liberdade de expressão, criar alguma questão que possa afetar a dignidade do poder que represento. O juiz, por exemplo, está impedido de comentar decisões judiciais.

E como o senhor vê os questionamentos a respeito das decisões ex-juiz Sérgio Moro? (risos)

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