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Donos de supermercado denunciaram juiz investigado pelo TJES

Donos de supermercado denunciaram juiz investigado pelo TJES

Magistrado da 5ª Vara Criminal de Vitória atuava em processo da Operação Sanguinello, que descortinou, de acordo com o MPES, esquema de fraude no comércio de bebidas

Publicado em 22 de agosto de 2019 às 22:35

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Tribunal de Justiça abriu Processo Administrativo Disciplinar contra juiz da 5ª Vara Criminal de Vitória. (Divulgação)

O Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) decidiu abrir para investigar o juiz Ivan Costa Freitas, da 5ª Vara Criminal de Vitória, é mais um capítulo de uma história que começou ainda em dezembro de 2014.

Os sócios de um supermercado procuraram o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) para relatar a oferta de uma "composição", que transpareceu que seria financeira, para "tirar" a empresa e um funcionário da mira da Operação Sanguinello.

Além do PAD, os fatos narrados motivaram uma denúncia do Ministério Público Estadual (MPES) contra o magistrado, cujo conteúdo foi compartilhado com a Corregedoria Geral da Justiça. Os procedimentos tramitam sob sigilo, mas o Gazeta Online teve acesso aos autos.

A operação descortinou, de acordo com o MPES, um esquema de crimes contra a ordem tributária, associação criminosa, lavagem de dinheiro, entre outros, envolvendo o setor bebidas, como o vinho.

Os donos do supermercado contaram ao Gaeco que um deles foi procurado por um outro empresário com a tal oferta de vantagem indevida. Ele disse ser amigo de um juiz que estava "à frente de um caso de um processo envolvendo vinhos".

Tal ação poderia atingir o supermercado e que "pela amizade que tinha com o juiz, aquela era a oportunidade e o momento para resolver o problema", "mediante uma composição". Valores não foram mencionados.

A quebra do sigilo telefônico dos envolvidos no âmbito da apuração do MP sobre o caso, comprovou, ainda segundo o órgão, contatos entre eles nos horários informados pelos sócios.

Os empresários disseram terem recusado a oferta, mesmo após o suposto intermediário ter listado possíveis consequências, como decretação da prisão de um funcionário do supermercado e expedição de mandados de busca e apreensão.

Vinte dias depois foi isso mesmo que aconteceu, por determinação do juiz Ivan Costa Freitas. O alvo do mandado de prisão temporária, no entanto, não foi localizado. Os próprios denunciantes contaram que souberam um dia antes, por meio de outra pessoa, de nome não revelado, que a ação ocorreria e avisaram o funcionário. Dias depois a prisão foi revogada. O funcionário não chegou a ser detido.

A Corregedoria Geral da Justiça, que recebeu informações do MP, considera que há indícios de quebra de sigilo funcional por parte do magistrado, uma vez que o suposto intermediário do pedido de vantagem indevida tinha conhecimento prévio sobre medidas a serem determinadas na Operação Sanguinello.

E ainda indícios do próprio pedido de vantagem indevida, além de decretação de prisão temporária "de ofício", ou seja, sem que o Ministério Público tivesse solicitado.

Para o corregedor-geral, desembargador Samuel Meira Brasil Jr, os fatos narrados são "extremamente graves", como registrou nos autos.

O MPES sustenta que o funcionário e o supermercado nem eram alvos da Sanguinello quando o intermediário procurou o empresário com a oferta de "composição".

Os advogados do magistrado, em defesa prévia à Corregedoria, rebatem a tese, dizem que, até aquele momento, um funcionário já estava na mira havia sete meses e que ele é que poderia ser a fonte de vazamentos sobre a investigação, além do “amigo oculto” que avisou sobre a prisão um dia antes. "Por isso que não é crível imaginar que alguém precisasse noticiar (os donos do supermercado) da investigação", anotou a defesa.

Os advogados também alegam não haver prova de que o juiz pediu alguma vantagem indevida. O intermediário "teria sugerido uma ‘composição com o declarante’, ou seja, uma composição sem sequer citar o nome do magistrado", ressalta o texto.

E também suscitam a ilegalidade da prova, dizem que o TJES não foi avisado, de pronto, sobre a investigação contra magistrado empreendida pelo Ministério Público, cujas informações também basearam o procedimento administrativo.

A notícia sobre o depoimento foi feita no mesmo dia à Procuradoria-Geral de Justiça. A representação feita pelo procurador-geral, Eder Pontes, foi registrada quatro dias depois e informada ao Tribunal.  

"PAU QUE DÁ EM CHICO"

Tudo isso aconteceu no final de 2014. A defesa destaca, também que, "no primeiro dia útil após o recesso", o próprio juiz se afastou da Operação Sanguinello. Na decisão, ele criticou a condução da investigação, sugeriu querer ir atrás de "tubarões" e citou vários ditados populares:

"Constatei ainda, que mesmo com a fuga de um dos alvos, o próprio Ministério Público requereu a revogação da prisão temporária, mesmo com o relato do Delegado de Polícia, de que o mesmo obteve informação privilegiada. As minhas conclusões, o meu intelecto, a minha discricionariedade não podem e não serão aviltadas", escreveu Ivan Freitas, na ocasião.

"Não sofrerei um estupro ideológico. Como diz o provérbio popular: 'O pau que dá em Chico tem que dar em Francisco'. E outro: 'chutar cachorro morto é fácil'. E mais: 'Pegar peixinho... e os tubarões?' Por estes, e por motivo de foro íntimo dou-me por impedido para funcionar no presente feito, devendo ser concluído ao meu substituto legal", complementou.

PAD

O PAD tem duração de 140 dias, prorrogáveis. Após a conclusão, a pena máxima possível, na esfera administrativa, é a aposentadoria compulsória.

Mas ainda há a ação na esfera judicial. A denúncia sobre o caso ainda não foi analisada pelo TJES. Um dos advogados de Ivan Freitas, Raphael Câmara informou que não poderia conceder entrevista, dado o sigilo do caso, mas disse que vai recorrer ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra a abertura do PAD.

O advogado dos donos do supermercado também foi procurado pela reportagem. E preferiu não se manifestar.

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