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Capixabas citados pela Odebrecht não foram investigados até agora

Capixabas citados pela Odebrecht não foram investigados até agora

Dos 6 políticos do Estado delatados, só um teve inquérito aberto

Publicado em 21 de fevereiro de 2018 às 11:31

O ministro Luís Roberto Barroso relata caso envolvendo senador capixaba

Anunciada como a “delação do fim do mundo”, por ter aberto a possibilidade de investigações contra políticos de vários partidos e tumultuar ainda mais o ambiente nos Poderes, a colaboração premiada da Odebrecht mostrou, dez meses depois, que apesar do grande impacto imediato causado, gerou poucos resultados práticos.

No caso dos políticos capixabas que figuraram entre as 83 decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, o panorama de hoje é o mesmo daquele de abril, quando tudo veio à tona. Apenas o senador Ricardo Ferraço (PSDB) responde a um inquérito e é formalmente investigado, com autorização do Supremo.

 

No entanto, desde setembro do ano passado Fachin concluiu que a acusação que pesa contra ele não tem relação com a Operação Lava Jato, e pediu que fosse escolhido um novo relator.

Nos casos de todos os outros cinco políticos mencionados por executivos e ex-executivos, nenhum se tornou formalmente uma investigação e, até agora, ficaram apenas sendo deslocados de um órgão ou instância para outro para que fossem enquadrados naquele que possui a competência adequada.

Entre os citados estão o prefeito de Vitória, Luciano Rezende (PPS), e o ex-governador Renato Casagrande (PSB), mencionados na delação do ex-executivo Sérgio Neves; o deputado estadual Rodrigo Coelho (PDT) e o ex-prefeito de Cachoeiro de Itapemirim, Carlos Casteglione (PT), citados pelo ex-diretor Renato Amaury Medeiros; e o ex-prefeito de Vitória, Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB), delatado por Benedicto Júnior, o BJ, e Sérgio Neves.

Em agosto de 2017, o governador Paulo Hartung (PMDB), que também havia sido citado por BJ, teve o procedimento arquivado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Morosidade

O inquérito do senador Ricardo Ferraço, que hoje tem como relator o ministro Luís Roberto Barroso, já registra uma sucessão de atrasos. Ele foi citado por Benedicto Júnior e Sérgio Neves. Os dois relataram o pagamento de R$ 400 mil de caixa dois da empreiteira para a campanha de Ferraço ao Senado em 2010, quando ele ainda estava no PMDB.

Em outubro, o magistrado declarou em despacho que havia diligências requeridas que não tinham sido examinadas por Fachin, e pediu a realização delas em 60 dias. Em seguida, o ministro colheria a manifestação conclusiva do Ministério Público Federal (MPF). O caso ficou com a Polícia Federal, que pediu mais prazo.

E isso não foi exclusividade do senador tucano. Dos 83 inquéritos abertos no STF para investigar políticos com foro privilegiado, não há nenhum réu em ação penal ou condenações.

Entre os inquéritos, 78 investigações da “lista de Fachin” estão inconclusas e, até o momento, os citados não sofreram qualquer sanção judicial. Tampouco foram inocentados. A maioria dos casos está ou em vista na Procuradoria-Geral da República (PGR) ou em diligências cumpridas pela Polícia Federal a pedido da PGR. O senador Romero Jucá (PMDB) foi o único denunciado, mas o STF ainda não recebeu a denúncia.

As suspeitas contra outros quatro parlamentares do país já foram arquivadas por prescrição da pena.

Transferência

A delação que deu origem ao pedido de abertura de inquérito contra Luciano Rezende e Casagrande foi enviada primeiramente à Procuradoria Regional da República da 2ª Região (PRR), no Rio de Janeiro, visto que o prefeito possui foro em segunda instância.

Agora, a PRR informou que o caso seria encaminhado ao MPF no Espírito Santo, mas que o declínio de competência estaria pendente de homologação na PGR.

Entretanto, Luciano alegou, em nota, que a Procuradoria decidiu arquivar o feito por verificar que não existiam quaisquer indícios contra ele, e que, em seguida, o caso foi encaminhado à 5ª Câmara de Coordenação e Revisão da PGR para homologação, que chancelou o arquivamento das apurações em dezembro de 2017.

Já o procedimento envolvendo Rodrigo Coelho e Casteglione foi encaminhado ao Ministério Público Estadual (MPES), porque a questão não envolve matéria federal e segue tramitando na Procuradoria Geral de Justiça, devido ao foro de Rodrigo.

O caso de Luiz Paulo também foi para o MPF e hoje está com o MPES, na Promotoria Eleitoral da 52ª Zona. Lá, foi solicitada à Polícia Federal a instauração de inquérito policial, que até hoje não foi enviado ao órgão.

Análise: Todo o sistema político sofre

 

Quando veio à tona, a “lista de Fachin” foi como uma confirmação à população de que os problemas de corrupção e das relações pouco republicanas entre o setor público e o privado são uma característica sistêmica da política brasileira, não são privilégios de um partido. Além de atingir todo o Congresso Nacional, ela também bagunçou o xadrez da política local. Mas quando esses inquéritos levam anos para serem concluídos, o sentimento de impunidade continua corroendo a confiança da sociedade na política. Sabemos que no Supremo Tribunal Federal há uma enorme agenda e milhares de processos aguardando desfecho, mas deveria haver alguma forma de não permitir isso se arrastar. Toda vez que um processo que envolve um agente político não tem continuidade, todo o sistema sofre. Os partidos e as instituições perdem legitimidade, autoridade e confiança. O mesmo ocorre com o Judiciário. Há quem defenda que o ministro Fachin errou ao pedir a abertura de tantos inquéritos, mas se ele também não trouxesse isso à tona, estaria se omitindo como magistrado. Se agora o Judiciário não consegue dar conta dos casos, causa um efeito negativo a si próprio, que trouxe luz a tudo isso.

Francisco Albernaz - Cientista político

Políticos negam acusações e reclamam de morosidade

Senador Ricardo Ferraço critica “movimentações burocráticas” que têm atrasado trâmite do caso. A solução dos casos envolvendo os capixabas citados na delação da Odebrecht é algo que se impõe com urgência para tentar acalmar o tsunami causado por ela na política, afirmam os políticos citados. O andamento lento, seja pela falta de provas, a pouca consistência das delações ou falta de prioridade dada aos casos pelo Ministério Público trazem prejuízos aos delatados, principalmente em ano eleitoral.

O senador Ricardo Ferraço (PSDB), cujo inquérito está em curso no Supremo Tribunal Federal, criticou a morosidade. “Ninguém mais do que eu está buscando a verdade desses fatos. Esse grande número de movimentações burocráticas é algo profundamente perverso para quem necessita que a Justiça seja diligente. As manifestações que minha defesa tinha que fazer, já foram feitas. Eu inclusive pedi para abrir mão do foro privilegiado, mas não foi autorizado”, afirmou.

Ele justifica que no inquérito há ausência de materialidade. “Quando o delator foi perguntado se eu fiz algum favor para a Odebrecht, ele fala que ‘em tempo algum’. Ou seja, é algo até desumano. Quem está com o nome exposto sou eu. E se ficam postergando esses fatos é muito ruim, pois fica naquele sentimento das pessoas de que está havendo uma procrastinação”, disse. Os ex-executivos da Odebrecht Benedicto Júnior e Sérgio Neves citaram o nome do tucano.

Segundo o senador, desde que foi mudada a relatoria de seu caso, em outubro, e que na sequência o ministro Luís Roberto Barroso pediu à Polícia Federal a realização de diligências, o delegado que estava coordenando a investigação mudou três vezes. Por isso, os procedimentos que eram para durar 60 dias, já chegaram aos 100. “Aí a coisa tem princípio, meio e acaba não tendo fim”, queixou-se.

Benedicto Junior, ex-executivo da empreiteira Odebrecht, é um dos delatores

Defesa

O prefeito Luciano Rezende (PPS), além de enfatizar que a Procuradoria Regional da República e a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal chancelaram o arquivamento das apurações envolvendo seu nome, desmentiu as acusações feitas pelos delatores da Odebrecht, há quase um ano.

“O prefeito possui todas as suas contas eleitorais aprovadas pela Justiça Eleitoral e jamais recebeu qualquer valor de forma irregular. Ademais, nunca teve qualquer tipo de contato com tais delatores, conforme atestam, inclusive, seus próprios depoimentos”, disse, em nota.

O ex-governador Renato Casagrande (PSB) afirmou, por meio de sua assessoria, que não tinha o que comentar, visto que o caso não se tornou uma investigação. Da mesma forma declarou Carlos Casteglione (PT).

O advogado de Rodrigo Coelho (PDT), Ludgero Liberato, argumentou que o deputado nunca esteve com o delator nem recebeu recursos. Segundo ele, o caso ainda não é um inquérito, é uma notícia de fato, que não trata de nenhuma conduta do pedetista.

Já o advogado de Luiz Paulo Vellozo Lucas, Henrique Herkenhoff, afirmou que continua aguardando os trabalhos do Ministério Público, e que não há considerações a fazer.

Sete fases da Lava Jato não geraram denúncias do MPF

A Operação Lava Jato sediada no Paraná, campo de atuação do juiz federal Sérgio Moro, realizou, no total, 47 etapas desde 2014. Dessas, sete não resultaram em denúncias por parte do Ministério Público Federal (MPF). O levantamento foi realizado por reportagem do jornal “Folha de S. Paulo”.

Batizadas com nomes alusivos aos alvos, como Arquivo X (sobre o empresário Eike Batista) ou Abate (com foco no ex-deputado pelo PT Cândido Vaccarezza), essas fases resultaram em ao menos 18 prisões decretadas por Moro, mas nenhum dos investigados está mais preso.

Não se tornou ação, por exemplo, uma investigação paralela a respeito do mesmo prédio no Guarujá (SP) onde fica o triplex atribuído ao ex-presidente Lula. Chamada de fase Triplo X, foi deflagrada há dois anos e apurou lavagem de dinheiro em outros imóveis do edifício.

O fato de esses braços não terem se tornado ações penais não significa que tenham sido arquivados. A força-tarefa da Lava Jato no Paraná diz que precisa estabelecer prioridades e que cada apuração depende de uma série de fatores para avançar. Se na força-tarefa existem dezenas de profissionais, do lado do Judiciário, há apenas um juiz. E algumas etapas da Lava Jato geraram mais de uma denúncia.

Políticos do Estado citados na delação

Ricardo Ferraço (PSDB)

Os executivos Benedicto Júnior e Sérgio Neves afirmaram que o senador recebeu R$ 400 mil de caixa dois por meio do setor de operações estruturadas da construtora para a campanha ao Senado em 2010, e era apelidado de “Duro”.

Ricardo Ferraço - PSDB

Renato Casagrande (PSB)

O executivo Sérgio Neves o acusou de ter recebido ao todo R$ 2,3 milhões nas eleições de 2010 e 2012 via caixa dois. Desse valor, R$ 1,8 milhão seriam para a própria campanha ao governo, em 2010, pago em 7 parcelas

Renato Casagrande - PSB

Luciano Rezende (PPS)

De acordo com o delator Sérgio Neves, a Odebrecht teria efetuado, a pedido de Casagrande, um repasse de R$ 500 mil pelo departamento de propina para a campanha de Luciano a prefeito, em 2012.

Luciano Rezende - PPS

Rodrigo Coelho (PDT)

Os delatores Renato Amaury Medeiros e Roberto Cumplido contaram que houve repasses para Casteglione de R$ 640 mil para cumprir uma das metas do PT de Cachoeiro, de reeleger Rodrigo Coelho.

Rodrigo Coelho - PDT

Carlos Casteglione (PT)

Junto com Rodrigo Coelho e José Irineu, que era presidente do PT de Cachoeiro, era indicado nas planilhas da Odebrecht com o codinome Gavião e, supostamente, poderia influir em contratos do setor de saneamento do Rio de Janeiro.

Carlos Casteglione - PT

Luiz Paulo Vellozo Lucas (a caminho do PPS)

Delatado por Benedicto Júnior e Sérgio Neves, o ex-prefeito de Vitória teria recebido repasses no valor de R$ 500 mil, sendo R$ 400 mil em 2010 e R$ 100 mil em 2012. O apelido registrado era Filhote.

Luiz Paulo Velozo - PPS

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