Publicado em 26 de janeiro de 2018 às 01:20
Treze membros do Ministério Público Estadual (MPES) receberam, no total, R$ 405.668,89 em retroativos referentes a auxílio-moradia. Somente um promotor contou com R$ 49,3 mil. Os dados, fornecidos pela Procuradoria-Geral de Justiça, foram obtidos pelo Sindicato dos Trabalhadores e Servidores Públicos do Estado (Sindipúblicos-ES) por meio da Lei de Acesso à Informação.>
O benefício, no valor de R$ 4,3 mil mensais, passou a ser um direito de todos os magistrados, promotores, procuradores de Justiça e ainda integrantes de Tribunais de Contas a partir de uma decisão liminar (provisória) do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, concedida em setembro de 2014. O auxílio foi regulamentado pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em outubro daquele ano.>
Desde então, os membros podem requerer o pagamento. Alguns, no entanto, fizeram o pedido depois. É o caso dos treze. Os requerimentos foram feitos entre o final de 2014 e agosto de 2015 e os pagamentos são retroativos a outubro de 2014.>
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O Sindipúblicos questiona a legalidade dos pagamentos. Entendemos que isso contraria a própria resolução 117/2014 do CNMP, que no artigo 4º diz que o pagamento será efetivado após o requerimento. O direito à percepção surge a partir do requerimento, diz o diretor jurídico do Sindipúblicos, Amarildo Santos. E (o retroativo) é uma poupança, um cheque que o promotor fica na mão, vai lá e saca no Ministério Público, criticou.>
O sindicato, que já acionou o CNMP após o MPES não responder ao pedido de informação no prazo estipulado pela lei e somente depois disso a resposta foi enviada , cobra no Conselho a devolução dos valores aos cofres públicos.>
Na lista dos treze membros estão promotores e procuradores de Justiça. Cinco deles já não recebem o auxílio mensalmente porque se aposentaram. A procuradora Catarina Cecin Gazele, que consta na relação dos retroativos, também já não conta mais com o auxílio, de acordo com dados do próprio MPES.>
CNMP>
A reportagem procurou o CNMP, que destacou que a mesma resolução que regulamenta o pagamento do auxílio, a 117/2014, em seu artigo 8º, estipula que os efeitos retroagem a 15 de setembro de 2014.>
O que o CNMP proibiu foram pagamentos, por meio de decisões administrativas, referentes a datas anteriores a essa. O conselho suspendeu, por exemplo, o pagamento de auxílio-moradia a promotores e procuradores de Justiça de Sergipe, em abril de 2016, que retroagiriam a um período de 2006 a 2011. Um ofício foi enviado, ainda em 2016, a todos os MPs do país informando que tais transações seriam tornadas sem efeito.>
O repasse feito pelo MPES aos treze membros, como já mencionado, é relativo a uma data posterior (outubro de 2014), portanto, fora do alcance da vedação do CNMP.>
POLÊMICA>
O auxílio-moradia, de caráter indenizatório, é pago até a quem mora na mesma cidade em que trabalha e não é preciso prestar contas. Também não sofre descontos de Imposto de Renda ou previdência.>
Não à toa, é alvo de fortes críticas desde a liminar do ministro Fux. Se o auxílio-moradia já é um absurdo, o pagamento de auxílio-moradia retroativo é o absurdo do absurdo, afirma o economista e secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco. Vão dizer ah, mas é legal. No Brasil, muito frequentemente, o que é legal é imoral, disparou.>
88% DOS PROMOTORES E PROCURADORES RECEBEM O BENEFÍCIO>
Dos 289 promotores e procuradores de Justiça hoje em atividade no Ministério Público do Espírito Santo (MPES), 255 recebem o auxílio-moradia de R$ 4,3 mil mensais. Isso corresponde a 88,2%.>
A lista com os 255 nomes também foi informada pela procuradora-geral de Justiça, Elda Spedo, em resposta ao pedido feito pelo Sindipúblicos-ES por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).>
Entre os que não recebem estão pessoas que abriram mão e também as que não podem receber. Há uma proibição para quem é casado com quem já conta com a verba.>
Em maio de 2015, A GAZETA também utilizou a LAI e, assim, descobriu que dos 309 membros em atividade na época, 259 contavam com o benefício, o equivalente a 83,8%.>
Não foi o MPES que inventou o auxílio-moradia. Além da liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), que garantiu o extra a toda a magistratura, o benefício também está previsto na Lei Orgânica da Magistratura (Loman), a Lei Complementar nº 35, de 14 de março de 1979.>
Mas nem por isso é ponto pacífico. Por uma simetria entre as carreiras, houve a extensão do benefício, no mesmo valor, a integrantes do Ministério Público e tribunais de contas.>
Fux somente liberou a liminar, de setembro de 2014, para que seja apreciada por todos os demais dez ministros do STF em dezembro do ano passado.>
CÁRMEN LÚCIA>
A presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, deve pautar para março o julgamento do caso. Para a vice-presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-ES, Marianne Rios Martins, o Supremo deve alterar a situação atual. É bem provável que declarem a inconstitucionalidade do auxílio-moradia, afirma. O benefício fere o princípio da legalidade, da moralidade pública e da razoabilidade, avalia.>
Questionada sobre se o STF poderia apenas impor regras mais restritivas para o pagamento do auxílio, por exemplo, somente para quem mora a certa distância do trabalho, a advogada, mestre em Direito constitucional diz que depende do que será considerado pela Corte. Hoje é um valor único e pago quase indiscriminadamente. O STF pode criar critérios. Mas depende do que eles vão considerar inconstitucional. Se for falta de previsão legal, aí não importa (o auxílio seria apenas extinto), diz.>
Levantamento da ONG Contas Abertas apontou que o pagamento de auxílio-moradia a juízes e membros do Ministério Público custou à União e aos Estados, até junho de 2017, cerca de R$ 4,5 bilhões. Somente no Espírito Santo, de acordo com a OAB-ES, o gasto foi de R$ 85 milhões até agosto do ano passado.>
ANÁLISE>
Temos que fazer a reforma dos privilégios>
Gil Castello Branco - Economista e secretário-geral da ONG Contas Abertas>
Legal, até agora, o auxílio-moradia é. Mas é absolutamente imoral, sobretudo em relação a quem tem imóvel próprio na cidade. É plausível que um magistrado, ou um promotor, que foi obrigado a se deslocar para outra cidade por um período receba auxílio. Mas da forma atual, é um acinte. Foi criado como forma de melhorar os salários dos magistrados disfarçadamente e acabou virando um problema maior, com o efeito cascata. Espero que o STF ponha um fim nisso. Temos que atacar os privilégios como um todo. Não há como defender o seu privilégio atacando o do outro. Precisamos fazer a reforma dos privilégios, seja no Judiciário, no Legislativo ou no Executivo. Tem privilégios na iniciativa privada, como incentivos fiscais e subsídios creditícios. Toda vez que se ataca um privilégio, aquela área corporativa se defende como se a crítica fosse exclusiva a esse privilégio.>
MINISTÉRIO PÚBLICO SUSTENTA QUE CUMPRE A LEI>
Procurado por A GAZETA, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo rebateu o questionamento do Sindipúblicos quanto à legalidade do pagamento e respondeu, evocando a legislação, às perguntas da reportagem. Veja na íntegra:>
- Na lista de 255 pessoas que recebem auxílio-moradia, há algumas que requereram o auxílio após novembro de 2014, mas elas não receberam retroativos. Qual o critério para receber o auxílio-moradia retroativo? O membro tem que dizer textualmente que, a partir da data do requerimento, quer fazer jus ao benefício mensalmente e também quer recebê-lo retroativamente?>
A forma de requerer o auxílio-moradia está prevista na Resolução nº 117/2014 do Conselho Nacional do Ministério Púbico (CNMP), bem como na Lei Federal 8.625, art. 50 § 2, que disciplinam a concessão de auxílio-moradia. Assim, é preciso ressaltar que o MPES cumpre rigorosamente as determinações de instâncias superiores, diante de direito previsto em Lei.>
- O Sindipúblicos questiona a legalidade do pagamento dos retroativos, com base no artigo 4º da resolução 117/2014 do CNMP. Qual o posicionamento do MPES quanto a isso?>
O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) informa que, como assinalado anteriormente, cumpre as determinações do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).>
- O ofício com a resposta da Procuradoria-Geral exibe as datas de requerimento e protocolo referentes ao auxílio-moradia retroativo. E quanto às datas de pagamento? Quanto tempo após o protocolo os retroativos foram pagos?>
Todos os questionamentos do Sindipublicos foram respondidos. Já o pagamento de retroativos depende de cada caso em questão, eis que é necessário existir disponibilidade financeira e orçamentária, além dos demais requisitos exigidos pelo CNMP e pelo STF.>
- O valor do auxílio-moradia retroativo é corrigido pela inflação? >
Quem define o valor a ser pago no auxílio-moradia é a Resolução nº 117/2014 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), bem como a Lei Federal 8.625, art. 50 § 2. Tal resolução foi estabelecida a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e é aplicada ao Ministério Público Brasileiro, ao Judiciário e aos Tribunais de Contas.>
ASSOCIAÇÃO TAMBÉM DESTACA LEGALIDADE>
O presidente da Associação Espírito-Santense do Ministério Público, Adélcion Caliman, também afirmou que todos os pagamentos feitos pelo Ministério Público em relação ao auxílio-moradia são legais.>
"O que está sendo pago pela instituição é aquilo que foi reconhecido por liminar do ministro FUX, do STF. Inclusive, houve decisão recente do Tribunal de Conas do Distrito Federal. O pagamento do auxílio havia sido suspenso ano passado e por decisão, agora reconhecendo o direito ao auxílio-moradia, por esse período que ficou paralisado eles vão receber retroativamente", exemplifica.>
"A Justiça tem se posicionado. O CNMP tem reconhecido esse direito aos colegas que buscaram receber esses valores. É um direito (do Sindipúblicos) buscar o CNMP para que definam a respeito, mas o Ministério Público do Espírito Santo não paga nada que não seja de acordo com decisão judicial", concluiu.>
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