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PEC que antecipou eleição na Assembleia do ES é inconstitucional, dizem juristas

PEC que antecipou eleição na Assembleia do ES é inconstitucional, dizem juristas

Projeto que alterou a Constituição Estadual é questionado pela forma de tramitação e por seu conteúdo, por afrontar princípios constitucionais. Erick Musso foi reeleito após a aprovação da PEC

Publicado em 4 de dezembro de 2019 às 12:24

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Erick Musso discursou após eleição antecipada, convocada sem divulgação prévia. (Tati Beling/Ales)

A mudança na legislação para alterar a data da eleição da Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado, e que permitiu a recondução de Erick Musso (Republicanos) à presidência da Casa 14 meses antes do previsto, pode ser declarada inconstitucional por desrespeitar princípios da Constituição Estadual e da Constituição Federal, na avaliação de especialistas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da antecipação da eleição conteve violações tanto em seu procedimento de elaboração, por desobediência ao processo legislativo, quanto por seu conteúdo, ao ferir os princípios da moralidade, da impessoalidade e da publicidade, que devem nortear a administração pública, apontam eles.

Para questionar a norma jurídica, já há duas ofensivas encaminhadas ao Poder Judiciário: uma ação civil pública, apresentada pela OAB-ES na Justiça Federal, e um mandado de segurança, por Fabrício Gandini (Cidadania), na Justiça Estadual. Este último terá como relator o desembargador Ronaldo Gonçalves de Sousa.

Para o doutorando em Direitos e Garantias Fundamentais e professor da FDV Caleb Salomão, a emenda constitucional nº 113 desrespeitou principalmente a moralidade da Assembleia Legislativa. "É um ato que atenta contra a dialética parlamentar, rouba do parlamento o debate público, torna a Assembleia uma casa de improvisos, onde qualquer um que tenha liderança, desde que tenha maioria, pode fazer o que quiser com a Casa. Isso não é do jogo democrático."

Aspas de citação

É um ato que fere inclusive o decoro parlamentar, porque é um golpe na minoria, que não teve sequer chance de debater a eleição

Caleb Salomão
Professor da FDV
Aspas de citação

Para o professor, há ainda violação ao princípio da publicidade, já que a emenda prevê que a eleição será "em data e horário previamente designados pelo presidente da Assembleia Legislativa", possibilitando que a convocação do pleito ocorra a qualquer tempo, sem observar datas e prazos. "Os prazos que a emenda trouxe são inconstitucionais. Tem que ter um prazo razoável para que o debate se estabeleça. Há necessidade de que a sessão para eleição seja previamente agendada, para que aqueles que desejem democraticamente disputar tenham tempo para se estruturar e construir chapa. A norma é tão inconstitucional que foi exatamente isto que ocorreu: uma eleição sem convocação prévia", afirmou Caleb Salomão.

O professor de Direito Constitucional da Ufes e da FDV Daury Fabriz também avalia que a emenda ameaça o princípio da impessoalidade. "Ele veda a promoção pessoal e a sua não observância remete a uma lesão ao princípio republicano que estabelece a isonomia como fundamento essencial. Nesse caso, teríamos um vício de materialidade, contrariando frontalmente a Constituição Federal."

PEC NÃO PASSOU PELA CCJ

O fato de a PEC não ter não passado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa também configurou ilegalidade, para Daury, e assim a emenda já teria nascido eivada de um vício quanto à sua forma, portanto nula.

Caleb acrescenta que o texto do projeto passou somente por uma comissão especial, o que teria desrespeitado o procedimento da elaboração de emendas. Este tipo de comissão deve ser constituída somente para dar parecer sobre proposições "consideradas de relevante interesse público". "A criação de uma comissão casuística, especialmente criada para atender uma demanda, não tem legitimidade para apreciar a matéria. Deram um drible na CCJ", avaliou.

INTERFERÊNCIA DE OUTRO PODER

Apesar de o caso poder ser questionado sob o ponto de vista da interferência do Poder Judiciário sobre o Legislativo, os especialistas esclarecem que a medida é prevista, em casos como este. "Havendo vícios de formalidade ou materialidade é possível que a emenda seja considerada, pelo Judiciário, inconstitucional, portanto nula. O questionamento de inconstitucionalidade pode ser feito a partir de um caso concreto, ou seja, onde se discute um conflito de interesse e a lei questionada incide sobre esse caso", explicou Daury. Foi esta estratégia adotada tanto no mandado de segurança de Gandini quanto na ação da OAB.

Há ainda a possibilidade de se ingressar com uma ação direta de inconstitucionalidade, com argumento de que a nova norma contraria a Constituição do Estado e a Federal. "Os riscos de se realizar emendas sem observância dos ritos e dos princípios basilares da República é causar corrosão do Estado democrático de Direito", afirmou Daury.

Caleb pontua que os dois tipos de ação apresentados possuem um rito célere, com prazos mais exíguos, e têm instrumentos para suspender liminarmente, ou seja, provisoriamente, a emenda. Pela lei, em ambas as ações, a Assembleia terá três dias para apresentar sua defesa e, a partir de então, a Justiça já pode decidir sobre o caso. A decisão pode ser monocrática ou por órgão colegiado.

"A nossa história jurisprudencial autoriza que o Judiciário acate esses argumentos para tornar a norma inválida e, consequentemente, a eleição de Musso. Vamos acompanhar para ver se o Judiciário terá coragem cívica para enfrentar esse problema ou se vai silenciar, esperar a poeira baixar. É importante mostrar que as normas constitucionais tem valor, e nenhum deputado tem condição de usurpar a Constituição", defendeu.

AS AÇÕES CONTRA A ELEIÇÃO ANTECIPADA

A eleição antecipada da Assembleia Legislativa já é alvo de dois questionamento na esfera judicial. Um deles é uma ação civil pública apresentada pela OAB-ES, para suspender a emenda constitucional que proporcionou a realização da eleição em data definida pelo presidente.

A Ordem argumenta que foram desrespeitados os princípios da impessoalidade e da razoabilidade, além da violação do princípio republicano, da segurança jurídica, da legalidade e do devido processo legal. Como a sessão na qual a eleição fora convocada nem sequer constava de qualquer pauta ou publicação prévia, houve ainda o desrespeito ao princípio da publicidade, defende a OAB. Por fim, a instituição diz que houve vício na elaboração da PEC, já que não foi respeitado o processo legislativo, com o parecer da Comissão de Justiça. A ação tramita na 3ª Vara Cível da Justiça Federal.

A outra iniciativa é do deputado Fabrício Gandini (Cidadania), que entrou com mandado de segurança para anular a eleição realizada no dia 27. Ele argumenta que não houve comunicação prévia aos deputados de que a eleição seria realizada naquela data, contrariando o princípio da publicidade. Também afirma que não se observou o princípio da razoabilidade, ao se realizar uma eleição surpresa com tempo de cinco minutos para montagem de chapas adversárias. O processo está na Justiça Estadual.

OUTRO LADO

Em nota, a Assembleia Legislativa apontou que respeita posições contrárias às suas, "por entender que a divergência faz parte da democracia, mas reforça sua independência como Poder e o direito de tomar decisões apoiadas pela maioria do plenário, que é soberano, como foi o caso da eleição realizada no último dia 27".

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