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Polícia conclui que não houve excesso de PMs em morte de jovem no ES

Polícia conclui que não houve excesso de PMs em morte de jovem no ES

Para a polícia, a conclusão do inquérito apontou pela culpabilidade do jovem. Já a família e a defesa de Cheslley contestam a versão de que o rapaz estivesse armado e apontam falhas na ação policial

Publicado em 9 de novembro de 2019 às 09:56

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Cheslley de Oliveira Trabach, de 18 anos, foi morto durante um suposto confronto com a polícia. (Arquivo Pessoal)

Seis meses após Cheslley de Oliveira Trabach, de 20 anos, ser morto a tiros em um suposto confronto com policiais militares, no bairro Vila Independência, em Cariacica, a Polícia Civil concluiu que não houve excesso por parte dos PMs envolvidos na ocorrência. Para a polícia, a conclusão do inquérito apontou pela culpabilidade do jovem. Já a família e a defesa de Cheslley contestam a versão de que o rapaz estivesse armado e aponta falhas na ação policial. 

A Polícia Civil informou, por meio de nota, que o inquérito foi relatado e encaminhado ao Ministério Público do Estado em julho. "Em cerca de dois meses de investigações, as provas arrecadadas não confirmaram excesso por parte dos policiais militares envolvidos na ocorrência, sendo a conclusão pela culpabilidade de Cheslley Oliveira Trabach, com coleta de provas técnicas e depoimentos de testemunhas."

A polícia completou ainda que até a presente data não há registro de que os autos tenham retornado ao Serviço de Investigações Especiais (SIE) do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).

FAMÍLIA E DEFESA CONTESTAM

A advogada de defesa da família de Cheslley,  Gizelly Bicalho, discorda da conclusão do inquérito. Para ela, o excesso ficou evidente nos disparos efetuados contra a vítima, que já teria se rendido. 

"O excesso ocorre a partir desse momento: atirar, ainda mais em plena luz do dia em um bairro residencial, deveria ser o último caso para a polícia. Testemunhas viram quando, após o primeiro tiro, Cheslley parou, levantou as mãos e disse que era morador. Depois disso, o policial atirou de novo e o acertou. A policia não pode sair atirando assim. Depois ainda jogaram o menino dentro de um camburão, visivelmente morto, trancaram e levaram o corpo, sem perícia", afirmou.

O pai de Cheslley, o comerciante Welton de Jesus Tabach, também não concordou com a conclusão do inquérito. Para ele, as imagens feitas após o crime, além do depoimento das testemunhas, mostram que ocorreram erros na ação policial. Ele afirma, ainda, que o jovem nunca teve envolvimento com a criminalidade. 

Aspas de citação

As imagens são claras e testemunhas viram tudo. Meu filho nunca teve arma e não mexia com nada errado. Ele era trabalhador. Meu filho deu meia volta com a moto e os policiais foram atrás. Podem ter achado que ele estava fugindo, podem ter confundido com um suspeito... Eles deram o primeiro disparo, que não o acertou. Meu filho parou mais na frente, colocou a moto no chão, tirou o capacete, colocou as mãos na cabeça e disse que era morador, enquanto se aproximava dos policiais para se identificar. Nesse momento, ele levou um tiro no peito, que atravessou e acertou o braço. Foi um erro da polícia, as testemunhas viram. Quando perceberam que tinham errado, os policiais mexeram na cena do crime e levaram o corpo do meu filho. Agora vou esperar pela Justiça, porque polícia sempre vai defender polícia

Welton de Jesus Tabach
Comerciante
Aspas de citação
Moradores de Mucuri, em Cariacica, realizam protesto após morte de Chesley. (Fredson Lavra)

UM CRIME, DUAS VERSÕES

De acordo com a namorada de Cheslley, uma jovem de 18 anos, os dois passaram a noite juntos na casa dela, em Vila Independência. O jovem acordou antes da namorada, pela manhã, e saiu da casa dela de moto. Depois, ele seguiu para um posto de combustível, na entrada do bairro. No local, ele encontrou um primo, por volta de 7h20.

Em depoimento, o primo contou que estava no posto, também em uma moto. Os dois conversaram por alguns minutos e seguiram juntos em direção ao trabalho do primo, no bairro Santo Antônio, ainda em Cariacica. Perguntado em depoimento porque Cheslley o acompanhou, a testemunha afirmou não saber o motivo, mas disse que os dois foram juntos, cada um em uma moto, até o trevo de Santana, na BR 101. Ele conta que a partir daquele ponto os dois se separaram. O primo seguiu para o trabalho e Cheslley seguiu outro destino.

O comerciante Welton de Jesus Tabach, 39 anos, pai do jovem morto, contou que o filho era apaixonado por motos desde muito novo e gostava de andar pelos bairros da região. "Acredito que ele acompanhou o primo só para andar de moto mesmo. Ele amava isso. Tanto que nos dias anteriores a morte dele eu prometi que iria pagar a carteira da habilitação dele e comprar uma motocicleta mais nova. Mas não deu tempo. São vários sonhos que viraram nada", lamentou.

ENTENDA AS DIVERGÊNCIAS

COMPARSA

Polícia Militar: De acordo com a PM, a ocorrência teve início quando policiais faziam patrulhamento no bairro Santana, em Cariacica, e viram dois suspeitos em uma moto. Os militares afirmam, ainda, que o rapaz na garupa estava com uma arma nas mãos. Os militares completam que ao verem a viatura, os suspeitos fugiram no sentido da rodovia José Sette. Os policiais foram atrás, em perseguição, e avisaram por rádio para que outras viaturas fizessem um cerco aos motoqueiros.

Os PMs afirmam que os suspeitos entraram em Vila Independência e, ao passarem pela rua Santana, desceram da moto e atiraram contra os militares, que revidaram. Ainda segundo os policiais, o suspeito na garupa fugiu por um matagal, enquanto Cheslley caiu baleado, próximo à moto.

Moradores e família: Moradores da região afirmam que viram Cheslley andando de moto pelo bairro segundos antes dele ser morto. De acordo com as testemunhas, em todo momento ele estava sozinho na motocicleta.

O primo de Cheslley, um dos últimos a ver o rapaz com vida, também contou que viu o jovem sozinho na moto. Cerca de uma hora antes do crime, ele passou com a motocicleta pelo trevo de Santana, na BR 101.

Já Welton afirma que a rua Santana, onde o filho caiu morto, é residencial e não há local de mata, como descrito pelos policiais como rota de fuga do suposto comparsa de Cheslley. "Que comparsa é esse que ninguém viu? Como que mataram meu filho com três tiros e deixaram o cúmplice escapar?", indaga.

Polícia Civil: A reportagem teve acesso à parte do inquérito do caso, onde há um print de imagens de um circuito de videomonitoramento. Segundo os investigadores, a distância e o ângulo das imagens prejudicaram o registro do caso. Porém, é possível ver o capacete de Cheslley quando ele descia a rua. Segundo o inquérito, "é possível ver apenas um capacete em movimento".

COR DAS CAMISAS

Polícia Militar: De acordo com o depoimento dos policiais militares, o piloto estava com camisa branca e o garupa com camisa preta. Cheslley seria o suspeito de camisa branca. Os PMs afirmam que o comparsa, de camisa preta, estava com uma arma nas mãos, atirou contra os policiais e conseguiu fugir.

Família e testemunhas: Segundo os familiares, Cheslley foi visto pela última vez com uma camisa azul, estampada. Nenhuma outra peça de roupa foi encontrada próxima ao corpo.

PRESTAÇÃO DE SOCORRO

Polícia Militar: Os militares contaram em depoimento que levaram o jovem ainda com vida ao Pronto Atendimento de Alto Lage. No local foi constatado que ele estava morto, com dois tiros na região do tórax e um no braço. As imagens gravadas por moradores mostram que o rapaz é colocado pelos PMs no compartimento dos presos.

Familiares e moradores: Um vídeo gravado por um morador mostra o momento em que Cheslley é colocado, baleado, dentro de uma viatura da PM. Enquanto os policiais carregam o corpo do jovem desacordado, moradores gritavam que ele era trabalhador e já estava morto.

Polícia Militar: Indagado sobre a versão de moradores, de que Cheslley estava morto quando foi colocado na viatura, o Tenente Sanderlei, relações públicas do 7º Batalhão da Polícia Militar (Cariacica), disse que apenas exames poderão confirmar isso. Perguntado se é comum que PMs socorram baleados, ele respondeu que sim. “Nesse caso, em virtude do ferimento ser proveniente de disparo de arma de fogo e da possibilidade real do óbito antes da chegada da equipe do Samu, houve a opção por parte dos policiais em socorrer o baleado. Faz parte do procedimento”, disse.

Segundo polícia, após ser baleado, Cheslley caiu próximo a moto com um revólver calibre 38. (Reprodução/TV Gazeta)

REVÓLVER CALIBRE 38

Polícia Militar: Segundo os policiais, após ser baleado, Cheslley caiu próximo a moto com um revólver calibre 38, com uma cápsula deflagrada e quatro intactas. A arma e as cápsulas foram entregues à Polícia Civil.

Família e testemunhas: O pai de Cheslley afirma que tinha uma relação próxima com o jovem e que saberia caso ele tivesse uma arma. “Meu filho nunca teve arma. Ele estava sempre fazendo um trabalho de forma honesta, banhando e vendendo cordões, entregando lanche, me ajudando no bar... Várias pessoas estavam filmando a cena do crime e em nenhum momento viram uma arma com o meu filho, nem perto dele, nem perto da moto. De onde surgiu esse revólver? Mesmo se estivesse na cintura, iria cair da forma como carregaram e jogaram meu filho no camburão”, disse.

Letra de Cheslley de Oliveira Trabach, 18 anos. (Divulgação)

PÓLVORA NAS MÃOS

Polícia Civil: Por nota, a PC divulgou, na época do crime, que “foi realizado o exame residuográfico do suspeito, que deu positivo, ou seja, havia pólvora nas mãos do suspeito". De acordo com uma fonte da Polícia Civil, o laudo aponta que a pólvora estava na mão direita de Cheslley.

Advogada da família: Para a advogada Gizelly Bicalho, não faz sentido que Cheslley atirasse com a mão direita enquanto dirigia porque ele era canhoto. "O Cheslley nunca teve envolvimento com a criminalidade, não tinha armas e tem o histórico de ser uma pessoa que estava sempre trabalhando em vários lugares, de forma honesta. Como ele atiraria com a mão direita se ele era canhoto? Uma perícia na assinatura dele pode mostrar isso. A letra, inclinada para esquerda, é comum em pessoas canhotas".

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