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Júri popular tem espera de quase uma década no ES

Júri popular tem espera de quase uma década no ES

O julgamento de alguns casos de assassinatos no Estado pode significar uma amarga e demorada espera para famílias das vítimas, como aponta estudo da CNJ

Publicado em 20 de junho de 2019 às 03:04

O julgamento de alguns casos de assassinatos no Espírito Santo pode representar uma amarga e demorada espera para as famílias das vítimas, que vivem a esperança de um desfecho justo. Um estudo publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontou que os casos demoram, em média, 9 anos e sete meses para terem um desfecho no júri popular no Estado. Porém, alguns deles podem levar décadas para serem julgados.

A advogada criminalista Dâmaris Rizzi atua em um processo que aguarda 25 anos para agendamento do júri. Ela defende um homem acusado ter assassinado uma pessoa em 1994.  Cinco anos após o crime, a prisão do acusado foi decretada. No entanto, o cliente dela só foi preso duas décadas após o assassinato. “O réu foi preso em 2017. Já houve decisão de pronúncia, ou seja, o juiz já decidiu que o réu será julgado pelo tribunal do júri, e então ele permanece preso preventivamente. O processo ainda não tem data de julgamento definida”, explicou a advogada, que preferiu não dar detalhes sobre o cliente.

Os dados do CNJ indicam que a média para a tramitação das ações penais de competência do tribunal do júri no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES), de 9 anos e sete meses, é maior que a média nacional, que é 6 anos e um mês. Os dados foram coletados entre 2015 e 2018 em todos os estados brasileiros e no Distrito Federal.

De acordo com as análises realizadas no período de três anos, no Espírito Santo, 40% dos réus foram condenados, 23% absolvidos e 37% tiveram a punibilidade extinta, que pode ocorrer quando o caso prescreve ou o réu morre. No cenário nacional, a média de condenação é de 48%. Os casos de absolvição chegam a 20% e de extinção de punibilidade a 32%.




COMPLEXO

O juiz André Guasti, que atua como auxiliar da supervisão de varas criminais e de execução penal do TJ-ES, explicou que procedimento do tribunal do júri passa por duas fases. A primeira é conhecida como juízo de admissão, quando o magistrado recebe a denúncia, realiza oitiva de testemunhas, interroga o réu e decide se o caso vai ou não a júri popular.

A segunda é o juízo de mérito. “O procedimento é complexo. Dependendo do caso, há demora para apurar, demora na fase de investigação, na instrução e depois ainda tem que aguardar toda a tramitação em grau recursal. Um processo não pode ir a júri se não forem esgotadas todas as vias recursais”, disse.

Mylena Costa de Oliveira, filha do empresário Sebastião Carlos de Oliveira, assassinado em 2008 em Mimoso do Sul Crédito: Vitor Jubini

“O tempo passa e a gente não vive”

A família do empresário Sebastião Carlos de Oliveira Filho, assassinado em Mimoso do Sul, aguardou quase 10 anos até o julgamento do acusado de ser o mandante do crime, o então vereador e cunhado da vítima, José Jardel Astolpho. Sebastião foi morto na porta de casa no dia 16 de julho de 2008. A mulher dele, as filhas, uma menina de 10 e uma garota de 15 anos, estavam no imóvel na hora do crime.

Os acusados de serem os intermediários ainda não foram julgados. Condenado a 18 anos e cinco meses de prisão, José Jardel recorreu da decisão e aguarda o julgamento dos recursos em liberdade. Já os executores do crime, Jocimar Marques e Marcos Henrique Muniz Coutinho, foram condenados a 19 anos de prisão. Atualmente, somente Marcos Henrique está preso.

A filha do empresário, a arquiteta Mylena Costa de Oliveira, 26 anos, criticou a legislação vigente que permite a possibilidade do réu recorrer diversas vezes das decisões judiciais. “A Justiça deixa várias lacunas para que os advogados da defesa do acusado consigam recursos para postergar mais ainda a sentença e a prisão dos envolvidos. Daqui a pouco o caso prescreve. Enquanto o tempo passa, ninguém vive na nossa família, a dor da perda é incálculável. Só a justica pode dar mais leveze para a gente seguir.”

O advogado da família de Sebastião, Ludgero Liberato, explicou que a investigação que apontou o mandante durou cerca de dois anos. “Isso acontece, normalmente, no caso de júri em que há mando. O júri do mandante é um pouco mais demorado que o júri do executor. Hoje, o mandante está solto aguardando julgamento da apelação”, disse.

Procurada, a defesa do acusado não quis se manifestar sobre o caso.

Gabriela Chermont Crédito: Joaquim Nunes | AG

“O perdão depende de mim, mas a justiça, não”

Duas décadas após ter encontrado a filha Gabriela Regattieri Chermont morta na Avenida Dante Micheline, em Vitória, a mãe da estudante, a dentista Eroteides Chermont, ainda aguarda o julgamento do empresário Luiz Cláudio Ferreira Sardenberg.

Gabriela morreu no dia 21 de novembro de 1996, depois de cair da sacada do 12º andar de um apartamento, em frente à orla de Camburi. Luiz Cláudio, que era namorado da vítima na época, foi acusado de homicídio após a hipótese inicial de suicídio ter sido descartada pela Justiça. Ele aguarda a decisão judicial em liberdade.

A mãe de Gabriela contou que passou mais de 10 anos envolvida com o processo relacionado ao caso da filha. Para ela, o caso não pode terminar impune. “A perda de um filho é sepultar o coração da gente em vida. Foi uma violência o que aconteceu com ela. A dor ainda é muito grande. Eu não tenho o que fazer: a justiça e o perdão são etapas imprescindíveis para se reconciliar com a tragédia. O perdão depende de mim, mas a justiça, não. A Justiça está morosa”, desabafou.

O advogado Paulo Pantaleão, que representa a família de Gabriela, explicou que a Justiça analisou uma série de recursos impetrados pela defesa de Luiz. “Já peticionamos no final de fevereiro um pedido falando da demora do Judiciário, o prejuízo à vítima e que era um absurdo para a sociedade essa demora. Ainda não teve nenhuma decisão”, disse.

Já o advogado Raphael Câmara, que representa Luiz Cláudio, disse que o “processo tem sofrido atraso em razão das investidas judiciais da própria família de Gabriela”.

O advogado Alexandre Martins de Castro, mostra foto do filho, o juíz Alexandre Martins de Castro Filho, que foi assassinado há alguns anos - Editoria: Cidades - Crédito: Carlos Alberto Silva - GZ

“Uma vergonha”, diz pai de juiz

O dia 24 de março de 2003 foi marcado por um tragédia que chocou o Espírito Santo: o assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho. Após 16 anos, um dos acusados de ser o mandante da morte, o juiz aposentado Antônio Leopoldo Teixeira, sequer foi a julgamento. Desde a acusação, em 2005, a defesa do réu entrou com diversos recursos.

Na época que foi acusado, Leopoldo era magistrado. Por conta disso, a ação penal teve início perante o Tribunal de Justiça. Em 2007, Leopoldo foi aposentado compulsoriamente pelo TJ-ES. Ele deveria perder o foro privilegiado e passar para o foro comum, sendo remetido ao juiz de primeiro grau. Mas o Tribunal de Justiça deu prosseguimento ao processo.

 “Foram alguns recursos nesses anos. Evidentemente isso altera o seguimento do processo. Mas quando há uma irregularidade nos autos, é natural que a defesa conteste e quando o STF percebe isso, manda que os auto sejam refeitos. O processo foi parcialmente anulado duas vezes, o STJ de Brasília mandou o TJ-ES julgar novamente em recurso dele”, afirmou Fabrício Campos, advogado de Leopoldo.

Após a denúncia do Ministério Público apontar o magistrado como uma das pessoas que planejaram o crime, a juíza da 4ª Vara Criminal, em 2009, pronunciou Leopoldo por crime de omissão e o mandou a júri popular. Novamente, a defesa apelou ao STJ.

 “A turma que julgou o recurso no STJ reconheceu essa disparidade, mas ao invés de anular, manteve o júri. Essa é a razão pela qual o STJ ainda não decidiu a respeito”, disse Fabrício.

Para o advogado Alexandre Martins de Castro , pai do juiz assassinado, a demora do julgamento acontece por todos esses recursos, que, segundo ele, servem como forma de protelar para ganhar tempo para que o crime prescreva. 

Aspas de citação

Na minha vida profissional não me recordo de um julgamento que demorou tanto para acontecer. Havia mais de 10 acusados e só tinha erros no processo do Leopoldo? Pra mim, é uma vergonha, um erro judiciário

Alexandre Martins de Castro, pai do juiz
Aspas de citação

Pacote anticrime pode acelerar julgamentos

A criação de uma força-tarefa, a implementação do processo eletrônico, o aumento do efetivo de defensores públicos e a aprovação do pacote anticrime do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Segundo representantes órgãos judiciais do Estado, essas são algumas das alternativas que podem aumentar a celeridade na tramitação dos processos e julgamentos no tribunal do júri.

O juiz André Guasti, que atua como auxiliar da supervisão de varas criminais e de execução penal do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ-ES), destacou as varas de execução penal do Estado já foram informatizadas. Para ele, a aprovação do pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça Sérgio Moro pode acelerar os processos do tribunal do júri.

 “Há um planejamento para que todas as varas sejam informatizadas. O pacote anticrime pretende permitir que o juiz leve o réu a júri, já com a decisão de pronúncia, independentemente de recurso. Isso eliminaria a fase recursal e poderia dar mais celeridade ao processo. Estamos levantando dados para traçarmos uma estratégia e atacarmos onde a demanda está mais represada em relação a casos de tribunal do júri”, disse.

A coordenadora de Direito Penal da Defensoria Pública do Espírito Santo, Samyla Gomes, informou que o Estado conta, hoje, com 160 defensores. Segundo ela, o quadro previsto era de 269 profissionais. Atualmente, o órgão está representado em 25 dos 78 municípios capixabas. “O quantitativo está muito aquém da realidade. E hoje, as varas criminais com atuação do tribunal do júri estão quase em sua maioria sem defensor público. Oprojeto é atuar nessas varas, mas carece de investimento do próprio Estado com orçamento para a defensoria”.

A presidente da Comissão de Advocacia Criminal e de Políticas Penitenciárias da OAB-ES, Manoela Soares, destacou que o Espírito Santo registra um elevado número de crimes contra a vida e carece de estrutura para investigar e processar esses casos.

“Para apurar e processar essa quantidade de demandas, é necessária uma estrutura melhor de polícia, do Poder Judiciário, Ministério Público, Defensoria Púbica e Secretaria de Justiça. Porém, não possuímos essa estrutura em razão da nossa realidade brasileira, que é de contenção de gastos”.

 

“O JÚRI É COMPLEXO”

“O tribunal do júri esbarra primeiro na complexidade do próprio procedimento. Ao contrário das outras ações penais, onde o juiz instrui e já julga, no tribunal do júri, o magistrado instrui o processo e depois pronuncia, impronuncia ou absolve sumariamente. Outra questão é sobre a característica do crime em si. O homicídio pode exigir demora em uma investigação mais profunda e raramente se prende em flagrante. Então, às vezes, para se chegar ao autor do fato ou suposto autor do fato, já demora mais tempo.

O prazo prescricional máximo é de 20 anos, mas existem marcos interruptivos onde esse prazo passa a ser recontado a partir dos parâmetros determinados em lei. Falta estrutura em todas as esferas judiciais, mas observo que o Tribunal de Justiça do Estado tem trabalhado para implantar meios eletrônicos com o intuito de reduzir essa morosidade. ”

 Daniel Peçanha Moreira Presidente da Associação dos Magistrados do Espírito Santo (Amages)

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