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Quase 43 mil que se sentiram atingidos pela lama não ganham auxílio no ES

Quase 43 mil que se sentiram atingidos pela lama não ganham auxílio no ES

Somente no Espírito Santo dos 49.208 cadastros, apenas 6.386 (12,9%) são beneficiados. Os dados foram informados pela Defensoria Pública do Espírito Santo

Publicado em 5 de novembro de 2019 às 18:07

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 Camaroeiros  da Praia do Suá . (Ricardo Medeiros)

Completa quatro anos nesta terça-feira (5) o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), que levou à contaminação do Rio Doce – em Minas Gerais e no Espírito Santo – pela lama de rejeitos de minério da Samarco. Mesmo com o passar do tempo, muita gente ainda espera por indenização e auxílio financeiro no Estado. Das 101.900 pessoas que se sentiram atingidas e que foram cadastradas pela Fundação Renova, apenas 13.609 recebem auxílio. Somente nos municípios capixabas castigados pela lama, dos 49.208 cadastros, somente 6.386 (12,9%) são beneficiados. Outros 42.822 cadastrados, que se consideram atingidos pela tragédia, ainda aguardam auxílio financeiro. Os dados são da Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES).

O coordenador do Núcleo de Defesa Agrária e Moradia da DPES, Rafael Mello Portella Campos, explica que nem todas as pessoas que foram cadastradas são consideradas atingidas. Ele afirma que, em muitos casos, as pessoas não conseguem ser reconhecidas como atingidas pela Fundação Renova devido à informalidade e vulnerabilidade em que vivem.

O defensor público acrescenta que a Defensoria Pública, desde o início do desastre, tem atuado para o devido reconhecimento de pessoas e territórios atingidos na região capixaba. Os municípios de Conceição da Barra, São Mateus, Linhares, Aracruz, Fundão e Serra foram reconhecidos e atualmente recebem os programas da Fundação Renova. No entanto, em alguns grupos, como camaroeiros e artesãos, há pessoas consideradas atingidas, mas elas aguardam a fundação desenvolver uma política indenizatória.

“A Renova exige muitos documentos e comprovações, só que alguns pescadores, artesãos, carroceiros e lavadeiras não conseguem provar juridicamente que realizavam o ofício. O grande desafio é como trabalhar a informalidade e vulnerabilidade para criar mecanismos de reconhecimento. Esses dados são estimativas feitas pela defensoria, uma vez que a Renova passa apenas dados parciais do que é solicitado”, disse.

O defensor público explica que somente no Espírito Santo existem 14.007 manifestações pendentes, ou seja, que ainda não foram nem cadastradas pela Fundação Renova. Enquanto que em Minas Gerais esse número é de 11.284 manifestações, Estima-se que, ao final da avaliação das manifestações pendentes, o Espírito Santo pode conter mais cadastrados do que em Minas Gerais.

MUDANÇA DE VIDA 

Após quatro anos, enquanto muitas pessoas ainda lutam pelo reconhecimento ou quando, já reconhecidas, para começar a receber o auxílio, elas precisaram modificar suas vidas para conseguirem sobreviver. Nessa situação estão os pescadores camaroeiros da Praia do Suá, em Vitória, que foram reconhecidos em 2018 e ainda não receberam nenhum dinheiro.

O mestre da embarcação dos pescadores de camarão Ademar da Silva Eleotério, de 56 anos, conta que após o desastre os pescadores tiveram que mudar a área de atuação. Por causa disso, viram a renda despencar. O plano de saúde foi cortado, os momentos de lazer com a família reduziram e a obra da casa teve que parar.

Camaroeiros da Praia do Suá. (Ricardo Medeiros)

“A minha vida agora é trabalhar dobrado para não tirar nem metade do que conseguia. Cada hora a Fundação Renova pede uma coisa diferente, mas o dinheiro que é de direito, ela não entrega. A Renova nunca se interessou em olhar para a gente. A gente conta é com a ajuda da Defensoria Pública, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e do sindicato”, relatou.

Mas eles não são os únicos. Há pescadores, artesãos, lavadeiras e carroceiros ainda aguardando pela indenização. Alguns mudaram o ofício para conseguir atender ao menos as necessidades básicas, outros desenvolveram doenças. Depressão e alcoolismo são comuns entre os atingidos.

A pescadora Dermecília precisa catar material reciclável para se sustentar . (Carlos Alberto )

Moradora do bairro Vila Lenira, em Colatina, Dermecília Moreira, de 64 anos, e o marido Vilmar da Silva, de 78, viviam do pescado do rio. Passavam a noite pescando e comercializavam os peixes frescos pelas ruas da cidade no dia seguinte, gerando uma renda mensal de cerca de R$ 1,6 mil.

Após a chegada da lama, o baque: moradores preocupados com a mudança na coloração do rio e com a qualidade da água, pararam de consumir os peixes. Com isso, dona Dermecília e o marido ficaram sem sua principal fonte de sustento. Para sobreviver, passaram a recolher recicláveis pela cidade, uma vez que ainda não receberam a indenização.

“Com esse negócio da barragem mudou tudo. Ninguém compra esse peixe mais. Nem eu como esse peixe do Rio Doce. Desde 2016 que a gente está esperando e nada. Nem auxílio financeiro, nem nada da Renova. Quando a gente liga para Mariana, eles falam que a gente tem que esperar eles chamarem para negociar. Mas até hoje, nada ainda. A gente fica nessa espera”, relata

FUNDAÇÃO RENOVA

A Fundação Renova, por sua vez, contesta os dados. Informou que até agosto foram registradas cerca de 56 mil solicitações de cadastro. Destas, cerca de 29 mil foram analisadas pelo programa e estão cadastrados no Espírito Santo e em Minas Gerais. “As solicitações não significam o reconhecimento do impacto pela Fundação Renova, uma vez que é necessária a comprovação da causalidade (que constitui o estabelecimento da relação entre o rompimento e os danos relatados pelo atingido), do dano e da elegibilidade do atingido”, disse em nota.

Esclareceu ainda que destinou, até 31 de agosto, R$ 1,84 bilhão em indenizações e auxílios financeiros emergenciais para cerca de 320 mil pessoas. Foram pagas 9.120 indenizações e 1.905 antecipações de indenização em razão dos danos gerais sofridos, alcançando mais de 31 mil pessoas. A Fundação também indenizou mais de 264 mil pessoas por danos decorrentes da suspensão temporária, por mais de 24 horas ininterruptas, no abastecimento de água.

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O programa de auxílio financeiro emergencial, por sua vez, assiste atualmente 13.673 titulares, alcançando mais de 31.184 pessoas atingidas. Estas famílias recebem mensalmente o valor correspondente a um salário mínimo vigente, acrescido de 20% por dependente, além do montante equivalente a uma cesta básica do DIEESE, valor este que pode variar mensalmente e tem diferenciação por Estado.

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