Publicado em 6 de abril de 2018 às 01:17
Após a tentativa frustrada de diminuir a cheia da Lagoa Juparanã com o bombeamento da água represada, a Fundação Renova vai abrir um canal na lateral da barragem do Rio Pequeno, em Linhares, Norte do Espírito Santo. A intervenção tem o objetivo de resolver o problema causado pela cheia da lagoa, que já dura dois meses. Propriedades rurais foram inundadas e casas, alagadas.>
Ao todo, são nove famílias desalojadas em Linhares e na comunidade de Patrimônio da Lagoa, em Sooretama, onde a água invadiu até ruas.>
O pescador Luiz Carlos Alves disse que mora no local há 40 anos e nunca passou por isso. É a primeira vez. Quando enchia algumas vezes, no decorrer de 10 dias, o Rio Doce (que é ligado ao Pequeno) baixava e a lagoa automaticamente baixava também. Então, a água escoava. Agora não. A tendência é só encher. Não tem onde vazar.>
A abertura do canal vai começar na manhã de hoje, um dia antes do vencimento do prazo, em atendimento a uma decisão judicial.>
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Durante a abertura do canal na represa que fica entre a lagoa e o Rio Pequeno, com início previsto para as 9 horas, a ponte que liga Linhares a Rio Bananal será parcialmente interditada, com tráfego em sistema pare e siga até as 13 horas. Quarenta e uma famílias que moram às margens do rio também terão que ficar fora das suas casas, como medida de segurança, entre 7h e 17 horas. Segundo a prefeitura, elas serão levadas para a Reserva Natural da Vale.>
Os moradores, no entanto, estão apreensivos em deixar seus imóveis. Ninguém sabe a velocidade da água, do jeito que vai vir. Eles vão abrir um pouco, mas ninguém sabe como vai vir a água. Ela pode vir com muita velocidade, disse a dona de casa Ediane de Araújo Brite.>
Segundo a Renova (que é a fundação criada pela Samarco e acionistas para ações de recuperação do meio ambiente e para a sociedade após o rompimento da barragem de Fundão, em Minas Gerais), a abertura do canal será de forma controlada, reduzida e cadenciada, sob o monitoramento e inspeção sistemática dos técnicos da Fundação.>
O especialista em projetos e obras da Renova, Willians Arruda, informou que não há riscos nem para os ribeirinhos nem para a ponte, pelos estudos que foram feitos. Isso vai ser feito de forma bem gradativa, porque a gente não pode abrir totalmente o fluxo. Então, a gente vai fazer essa abertura e controlando essa vazão.>
De acordo com a Prefeitura de Linhares, guardas civis municipais também garantirão a segurança dos imóveis das 41 famílias, cerca de 150 pessoas, que terão que deixar as suas casas.>
A OBRA>
A Renova informou que o canal terá 80 metros de comprimento e oito metros de largura. A abertura e controle de fluxo serão feitos pela ensecadeira (uma contenção provisória), alimentando o canal com fluxo de água constante.>
Com a abertura gradativa do canal, o fluxo normal da água será do Rio Pequeno para o Rio Doce. Caso haja uma cheia no Doce, o canal será fechado impedindo que as suas águas atinjam o Pequeno. Visando monitoramento das cotas, a Fundação Renova manterá as medições diárias de nível.>
500 PRODUTORES RURAIS AFETADOS PELA CHEIA>
Pelo menos 500 produtores rurais foram afetados de alguma forma pela cheia da Juparanã, e mais de 20 propriedades acabaram totalmente alagadas, de acordo com o Sindicato Rural de Linhares.>
Só um produtor teve mais de 350 hectares debaixo dágua. Outros estão com 150 hectares inundados. O prejuízo de produção é imensurável. Só para voltar à atividade, demoraria pelo menos um ano, afirmou o presidente do Sindicato, Antonio Roberte Bourguignon.>
O gerente agropecuário João Paulo Mariz foi surpreendido pela cheia logo após fazer investimentos na área. Plantio de capim, toda a parte de maquinário, correção de solo, e eu perdi tudo, conta. Ele tem 280 animais e precisou arrumar áreas emprestadas para abrigar o gado.>
O pecuarista Joaquim Calmon Neto também precisou retirar os 300 animais da fazenda às pressas. Tudo ficou coberto pela água. Em cima, a gente tem uma pastagem boa. Eu remanejei o gado para lá, mas até quando essa pastagem vai aguentar? E quando eu precisar trazer o gado para cá? Como eu vou trazer com um alagamento desse?.>
Para recuperar a área atingida, os produtores rurais precisarão ter paciência. De acordo com o técnico em pecuária Domiciano Ferreira Assis, assim que a água baixar, ainda será preciso pelo menos um ano para o capim começar a crescer de novo. Vai levar uma faixa de 18 meses. Sem contar o custo para formar um hectare de capim, que gira hoje na ordem de R$ 1,4 mil.>
AÇÃO NA JUSTIÇA>
De acordo com Antonio Roberte, produtores rurais afetados pela cheia da Juparanã estudam sobre que tipo de ação reparadora eles podem usar para entrar contra os responsáveis, seja na esfera pública ou privada.>
Em Linhares, uma das famílias atingidas foi a da dona de casa Elizângela da Silva. Ela precisou abandonar o imóvel onde mora, próximo ao bairro Colina. Já saí de dentro da minha casa para pagar aluguel sem condições nenhuma. Marido desempregado, só com a renda de uma pessoa deficiente, que é minha irmã. A gente já foi atrás dos órgãos públicos e até agora ninguém deu resposta, reclamou.>
LONGO PRAZO>
Mesmo com a conclusão do canal, os moradores e produtores rurais atingidos precisarão esperar mais. Segundo o secretário de Meio Ambiente de Linhares, Lucas Scaramussa, a perspectiva é que, após a abertura, leve ainda de 40 a 45 dias para ela tomar o leito normal, para o rio tomar o seu leito regular.>
Sobre os equipamentos instalados para bombear a água represada, Scaramussa disse que não resolvem o problema. O que foi instalado aqui foi um maquinário que transporta do Rio Pequeno, da Juparanã para o Rio Doce 600 litros de água por segundo, porém a Juparanã está recebendo 10 mil litros de água por segundo. Já chegou a receber 80 mil litros de água por segundo, ou seja, a gente teria que ter hoje 20 vezes essa estrutura para sair toda essa água que a lagoa está recebendo, explicou.>
PREFEITURA ATRIBUI ALAGAMENTO À BARRAGEM NO RIO DOCE >
O motivo da enchente é atribuído pela Prefeitura de Linhares à barragem construída pela Samarco no Rio Pequeno para evitar o contato com a lama de rejeitos de minério do Rio Doce. A obra foi feita de forma emergencial, em 2015, e, segundo a prefeitura, impede o escoamento da água da lagoa.>
O município entrou com um processo na Justiça contra a Samarco.>
Em março, o juiz da Vara da Fazenda Pública de Linhares, Thiago Albani Oliveira Galvêas, determinou que a Samarco construa, até o final de outubro, barragens definitivas com comportas no lugar das provisórias. As estruturas devem ser construídas no Rio Pequeno e no rio que separa a Lagoa Nova do Rio Doce. Em caso de descumprimento, a empresa terá que pagar multa de R$ 50 mil por dia de atraso na obra.>
Ainda de acordo com a decisão, o município pode contratar uma empresa para construir as barragens, mas às custas da Samarco.>
A Fundação Renova ressaltou que o barramento do Rio Pequeno foi construído para evitar o contato do Rio Doce com a Juparanã durante a passagem da lama de rejeitos advindas do rompimento da barragem de Mariana (MG), em cumprimento a uma decisão judicial. Entretanto, esse barramento interrompeu o canal de vazão da Juparanã, e as chuvas deste ano causaram um aumento no seu nível e alagamento do seu entorno.>
FUNDAÇÃO RENOVA RECEBE ULTIMATO APÓS DENÚNCIAS >
O Ministério Público Federal e mais seis instituições expediram uma recomendação à Samarco e às suas controladoras BHP Billiton e Vale para interromper o que consideram violações nos direitos dos atingidos pelo rompimento da barragem de Fundão, em 2015.>
Para os órgãos, a Fundação Renova, criada pelas mineradoras para executar ações de reparação, não consegue cumprir seu propósito e, ao contrário, cria mais empecilhos para que os atingidos tenham seu modo de vida restabelecido.>
As empresas têm 20 dias para enviarem resposta à recomendação, informando as providências tomadas.>
OUTRO LADO>
A Fundação Renova informou em nota que a recomendação aborda questões que já são tratadas internamente e que estão passando por evoluções. Os reflexos desses avanços nos programas são resultado de uma construção coletiva continua.>
Afirmou ainda que prestará informações sobre o avanço dos programas de recuperação e seguirá sua política de transparência e seriedade no trato com todos os envolvidos.>
ACORDO>
Também em nota, Vale, Samarco e BHP disseram que reiteram o compromisso com os esforços de compensação e remediação, que estão a cargo Renova, e que foram definidos pelo acordo firmado com os entes federativos da União e dos estados do Espírito Santo e de Minas.>
As empresas destacam que seu compromisso com as negociações em curso para realização de acordo com as partes envolvidas, permanecendo à espera do retorno do Ministério Público, conforme previamente pactuado, diz a nota.>
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