Publicado em 9 de março de 2019 às 01:31
A violência doméstica tomou proporções tão alarmantes no Estado que, somente de processos em andamento no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, o número triplicou: de 9.508 ações, em 2016, para 28.699, no ano passado. É uma variação de 202%, conforme levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O segundo lugar na pesquisa, Goiás, teve um aumento bem menor, da ordem de 70%.>
O crescimento, na verdade, já foi significativo de um ano para outro, uma vez que, em 2017, foram registrados 28.560 casos, e o alto volume de pendências persistiu em 2018.>
Para a procuradora de Justiça, Catarina Cecin Gazele, os dados sugerem que o Judiciário não está conseguindo responder com celeridade devido ao número de ações que tem chegado por violência doméstica.>
A expressão casos pendentes significa que não houve julgamento e está em andamento uma ação penal. O que pode ter acontecido nos últimos anos é a magistratura não estar dando conta de julgar. O problema é que a falta de julgamento pode trazer aquele fenômeno social e jurídico: a impunidade, opina.>
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Catarina Gazele pondera, no entanto, que a demora pode ter relação com a complexidade dos casos em análise, como dificuldade de comprovação, por exemplo. Isso porque a violência não se restringe à agressão física, que deixaria marcas, e uma ameaça, cárcere privado, pressão psicológica não são tão fáceis de ser identificados. A complexidade do conjunto probatório pode atrasar bastante uma ação, observa.>
Enquanto os processos se acumulam, mulheres se mobilizam para dar visibilidade ao problema. Ontem, no Dia Internacional da Mulher, dezenas foram às ruas do Centro de Vitória para protestar contra a violência que sofrem diariamente.>
DENÚNCIAS>
A juíza Hermínia Azoury, coordenadora estadual de enfrentamento à situação de violência doméstica e familiar, atribui o alto índice de processos no Estado ao fato de mais mulheres denunciarem os abusos.>
Toda a rede de apoio está trabalhando muito e as mulheres estão tomando mais conhecimento de seus direitos e correndo atrás. Há uma confiança maior nessa rede do que há três anos, argumenta.>
Questionada se o volume também não representa morosidade da Justiça, Hermínia Azoury discorda. Quando se fala em casos pendentes, é que estão em curso. Às vezes, a própria vítima não quer representar, mas hoje, pela lei, querendo ou não, tem ação penal. Isso pode dificultar um pouco o andamento, justificou.>
O Tribunal de Justiça não explica o porquê do aumento mas, por nota, informa que o crescimento pode ser ainda maior. Os números estão sujeitos a ajustes, face ao levantamento que está sendo realizado perante todos os juízes com jurisdição em violência doméstica, o que pode resultar em um aumento nos números apresentados. Todavia, a evolução das medidas protetivas no período de 2016 a 2018 (6.686 para 10.828) por si só traz preocupação no tocante ao aumento da prática de violência doméstica, dado que nos leva a uma profunda reflexão quanto à eficácia dos mecanismos de orientação e prevenção social que objetivam inibir a continuidade e crescimento de condutas dessa natureza. O Poder Judiciário está atento e agindo com rigor no cumprimento do seu papel perante a sociedade, diz a nota.>
ESTUDIOSA DIZ QUE TEVE VERGONHA DE DENUNCIAR>
Mesmo com o número de processos na Justiça por violência doméstica beirando os 30 mil, quebrar o ciclo de violência e tomar coragem para denunciar o agressor muitas vezes não é simples. Os motivos que impedem mulheres agredidas ou violentadas de procurarem ajuda são os mais diversos. A professora da Ufes Márcia Barros Ferreira Rodrigues, contou, em entrevista à Rádio CBN Vitória, que teve vergonha de ir à delegacia.>
Ela, que é doutora em História Social, professora do departamento de Ciências Sociais da Ufes e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Indiciárias da universidade, afirmou que foi justamente o fato de pertencer ao meio acadêmico que a impedia de procurar ajuda. No meu caso, era vergonha de ser professora universitária e que estuda justamente a violência. Não tive coragem de chegar em uma delegacia e denunciar, revelou.>
Além disso, a professora conta que teve medo de se deparar no local com algum de seus ex-alunos. Dei aula para muitos que hoje são policiais. Demorei muito para poder falar sobre isso publicamente. Não foi fácil. Imagina mulheres em situações mais vulneráveis que a minha?, questiona.>
SILÊNCIO>
A professora afirma que os motivos para o silêncio são diversos e que a questão é complexa. A pessoa pensa que é porque o outro bebeu, porque de alguma forma ela provocou ciúmes, ou até porque a vítima depende do agressor financeiramente.>
Segundo pesquisa recente encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 52% das vítimas não falaram sobre o caso nem mesmo para familiares ou amigos. Apenas uma em cada dez procura uma delegacia da mulher.>
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OPINIÃO DA GAZETA>
Quebrando o silêncio>
O crescimento do número de processos expõe a dimensão absurda da violência, mas também mostra que as mulheres estão se sentindo mais seguras para denunciar seus agressores. É o silêncio que está sendo quebrado. Por isso, é tão importante que os canais continuem se abrindo, com políticas públicas que estimulem a reação e, assim, consigam inibir cada vez mais o comportamento violento masculino.>
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