> >
Servidor do ES poderá trabalhar da Itália para cuidar de filho autista

Servidor do ES poderá trabalhar da Itália para cuidar de filho autista

Segundo Tônio Paulo da Cunha, a família já vivia na Itália há 13 anos. Agora ele conseguiu, na Justiça, o direito de trabalhar em home office para poder ajudar a esposa a cuidar do filho

Publicado em 16 de janeiro de 2020 às 19:28

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Tônio Paulo da Cunha com o filho Saulo. (Arquivo Pessoal)

O servidor público do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI), Tônio Paulo da Cunha, conseguiu, após negativa da Justiça do Trabalho em primeiro grau, uma autorização do Tribunal Regional do Trabalho do Espírito Santo (TRT-ES) para trabalhar na Itália, em um sistema chamado de “teletrabalho” ou home office, como é mais conhecido. A motivação para o pedido foi a necessidade de acompanhar de perto os cuidados com o filho Saulo, de 30 anos, que tem elevado grau de autismo e mora apenas com a mãe em outro país.

Segundo Tônio, já havia se passado 13 anos desde a mudança da esposa, Rosemary Mantovani, e do filho, e, desde então, ele, por motivos profissionais, realizava apenas visitas anuais à Itália para ficar mais próximo da família.

“Minhas visitas eram uma vez por ano, nas minhas férias de trabalho e licenças. Às vezes tinha que fazer duas vezes ao ano para acompanhar em alguma fase de tratamento. Tentei vir e ficar por mais tempo, através de uma licença sem remuneração no trabalho, por dois anos, mas não consegui atividade em minha área. Fiz alguns trabalhos esporádicos, porém não era suficiente para mantê-los dignamente, o que me fez retornar ao trabalho no Brasil, para pagar um empréstimo que fizemos para adquirir um apartamento próprio, pois vivíamos em uma casa alugada”, iniciou.

A MUDANÇA PARA A ITÁLIA

Em busca de tratamento mais efetivo para Saulo, o servidor público decidiu tentar uma vida melhor fora do Brasil. Aproveitando que já contava com a cidadania italiana, Tônio ajudou a família a se firmar em Pistoia, uma cidade na região da Toscana. “O motivo principal que nos fez mudar foi que tentamos de tudo no Brasil. Na época, mal se falava de autismo, por esse motivo, minha esposa ajudou a fundar a Amaes e foi eleita a primeira presidente desta associação. Saulo foi somente diagnosticado autista aos oito anos de idade, muitas coisas que poderíamos ter feito no tratamento dele não foram feitas por essa demora”, explicou.

“Procuramos e fizemos muitas terapias e tratamentos por instinto de pais. Saulo, ao chegar na adolescência, tinha dificuldade de inclusão nas escolas, muito porque as instituições não tinham profissionais e métodos para cuidar de autistas. Ele ficava enclausurado em casa, sem nenhuma assistência profissional. Desiludidos com a perspectiva de uma vida melhor para nosso filho, decidimos tentar algum tratamento ou assistência para ele na Itália, tendo em vista que ele tinha cidadania italiana”.

Veja curta-metragem, premiado em Milão, produzido por Rosemary sobre a relação com o filho (em italiano)

A NECESSIDADE DE TRABALHAR À DISTÂNCIA

Diante da demanda por assistência constante de Saulo, que foi diagnosticado com autismo na forma mais grave do transtorno, os cuidados com o jovem são feitos em tempo integral, seja para ajudá-lo a se alimentar, tomar banho, se limpar e demais necessidades básicas. Além das exigências naturais ao quadro de saúde dele, Tônio conta que quase não há socialização do filho com o mundo externo, o que exige ainda mais atenção por parte dos responsáveis. Sendo assim, a mãe, sozinha, esteve cuidando dele em tempo integral.

“Como sabemos o autismo se manifesta de modo diferente em cada um. Saulo precisa de assistência o tempo todo, porque é portador da forma de autismo mais grave. Até mesmo uma ida ao supermercado é muito difícil com ele, para não dizer quase impossível, assim como fazer algum passeio na rua. Isso significa que para uma pessoa só cuidar dele torna-se humanamente impossível. Para agravar, Saulo não aceita pessoas estranhas em casa, por isso, minha esposa tem de fazer tudo sozinha, muitas vezes fica várias noites sem dormir, já que ele, algumas vezes, acorda de madrugada e fica agressivo pela dificuldade que tem para se comunicar”.

Assim, Rosemary, esposa do analista de tecnologia da informação, precisou, mais do que nunca, de auxílio para cuidar do filho e foi aí que Tônio teve certeza de que precisava tentar, com a empresa em que atua, o teletrabalho. “Minha presença é extremamente importante aqui na Itália e vital para dar à minha família um suporte nas rotinas diárias. Também dar um alento à minha mulher, pois com o avanço da idade e o cotidiano de cuidar de um autista por tanto tempo, Saulo agora tem 30 anos, o estresse deste convívio provoca doenças psicológicas e físicas”, contou.

O PROCESSO

De acordo com Felipe Ludovico, advogado do analista de tecnologia, ainda em setembro de 2018 foi feito um pedido administrativo à própria ITI para solicitar a realização de trabalho à distância, o qual demorou mais de três meses para ser analisado. “Foi aí que entramos com a ação, em dezembro de 2018. A primeira decisão aconteceu em 7 de janeiro do ano passado e foi improcedente, dizendo que para realização de teletrabalho deveria haver comum acordo com a empresa, e não havia essa concordância no nosso caso”, iniciou.

“O ITI alegava que não havia regulamentado o teletrabalho para a categoria e que também não tinham interesse de permitir isso. A juíza entendeu que não poderia obrigar o empregador a aceitar a possibilidade de trabalho à distância, então recorremos ao Tribunal. Lá, a desembargadora analisou o princípio da Dignidade da Pessoa Humana e do valor social do trabalho e então deu provimento ao recurso, já que não era justo o servidor escolher entre família ou trabalho, como vinha acontecendo, já que a família estava em outro continente e que ele precisava ficar aqui para trabalhar e manter a esposa e o filho na Itália”.

A decisão do Tribunal Regional do Trabalho foi divulgada no dia 5 de dezembro de 2019 e permitiu que Tônio trabalhasse de forma remota para o ITI pelo prazo inicial de seis meses. “Isso foi muito marcante, já que pode servir de precedente para futuras decisões. O Tribunal levou em consideração a previsão da Constituição que reconhece a família como instituição, deixando o trabalho propriamente dito em segundo plano, colocando a saúde e a dignidade em primeiro lugar”, afirmou o advogado.

A decisão não poderia ter sido mais acertada segundo Tônio. “Eu sentia muita saudade e preocupação, às vezes culpa por não poder estar presente com meu filho e minha esposa. Ainda estou em adaptação ao cotidiano do teletrabalho, assim como a minha empresa. Mas o impacto principal foi de alívio e justiça. Poder estar aqui com a família e continuar sustentando-os dignamente com o meu trabalho é para mim um ato moral e de cidadania. Agora posso continuar com minha vida profissional e cuidar da minha família dignamente”, desabafou.

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais