Publicado em 26 de agosto de 2019 às 17:59
A angústia de esperar por um transplante de órgão é sentida, dia após dia, por muitos moradores do Espírito Santo. Em uma corrida cruel contra o tempo, 158 pessoas ingressaram na fila de espera no Estado, somente no primeiro semestre deste ano, de acordo a Associação Brasileira de Transplante de Órgão. Antes desse período, a lista já contava com 1.167 pacientes.>
Mas, se conseguir vencer o tempo, o paciente transplantado vai ter que superar outro desafio: a rejeição. Isso porque apesar do transplante ser feito apenas entre pessoas com alta compatibilidade, entre 40% a 50% dos órgãos transplantados são rejeitados com o tempo.>
A explicação para isso a ciência já tem: o órgão vai para o corpo do receptor com células do doador, o que faz com que o sistema imunológico o ataque. Mas, e como contornar a situação e fazer com que o "match" entre o paciente o órgão transplantado não se desfaça?>
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É aí que entra o trabalho inovador do cientista capixaba Breno Valentim Nogueira. Foi dele a ideia de desenvolver um aparelho que promete diminuir a fila de espera para transplantes de órgãos no país e fazer despencar o número de casos em que, mesmo depois de anos da cirurgia, o corpo do receptor rejeita o órgão transplantado.>
Doutor em ciências fisiológicas pela Universidade Federal do Espírito Santo, Breno, junto com a aluna de doutorado Rayssa Arruda, desenvolveu um sensor óptico que é capaz de dizer, em duas horas, se um órgão está ou não apto para ser transplantado.>
"LIMPEZA" DO ÓRGÃO>
Buscando acabar com as possibilidades de rejeição, cientistas já haviam desenvolvido um processo que é chamado de descelularização. Esse procedimento já está em fases avançadas de desenvolvimento, e chegou a ser usado em casos de transplante de órgãos menores, como a traqueia.>
Uma mangueirinha entra no órgão e insere uma espécie de detergente, que tira as células do doador. Como se lavasse, até ficar transparente, para tentar retirar o máximo de resquício de células possível. Depois disso, o órgão é preenchido novamente com células do paciente receptor, o que diminui muito o risco de rejeição, explica, de maneira simplificada.>
O problema é que nem sempre estar limpo significava estar livre das células, e o processo para certificar a eficiência da descelularização é cheio de falhas.>
Era necessário tirar amostragens dos órgãos, cortar eles em pedaços, e fazer o teste para ver se o procedimento de descelularização tinha sido suficiente. O problema é que cada órgão é de um jeito, cada caso é um caso, e além de comprometer o órgão utilizado no procedimento - já que ele é cortado para amostragens - nós precisávamos usar as informações, dos casos em que dava certo, como se fosse uma receita de bolo em outros órgãos, e isso não dá certo, argumenta.>
Foi então que o capixaba teve uma ideia. Como o órgão fica transparente, vamos tentar achar um padrão mais fácil da gente conseguir saber se há ou não a presença de DNA do doador, por meio da passagem da luz, relata.>
Foi desenvolvido, em pouco mais de três anos e com a ajuda do curso de Engenharia de Automação do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) e matemáticos da Universidade de São Paulo (USP), um sensor óptico que possibilita saber, em duas horas, se aquele órgão está livre do DNA do doador ou não.>
O processo de descelularização continua o mesmo, só acontece dentro do sensor óptico com a presença da luz. As informações captadas nesse processo, de cada órgão, são analisadas em uma equação matemática que vai me dizer se a descelularização foi eficiente, afirma.>
REMÉDIOS PARA VIDA INTEIRA>
De acordo com o pesquisador, a principal medida, hoje, para evitar a rejeição de órgão é o uso de remédios chamados de imunossupresores. A pessoa passa a tomar esses remédios pelo resto da vida. A medicação serve para enfraquecer o sistema imunológico para que o órgão transplantado não seja atacado, mas traz consequências porque acaba deixando o corpo vulnerável para outros tipos de doenças, pondera.>
Como a descelularização ainda não é usada na grande maioria de transplantes, apenas o teste de compatibilidade e o medicamento são utilizados como prevenção para rejeições, motivo pelo qual, infelizmente, quase metade dos pacientes rejeitam o órgão transplantado com o passar dos anos.>
BENEFÍCIOS>
A pesquisadora Rayssa Arruda explica, emocionada, o benefício do sensor óptico. Isso significaria o fim da necessidade de compatibilidade. Qualquer órgão seria uma possibilidade, o que faria uma diferença enorme na fila de espera! Além disso, não seria necessário o paciente tomar remédios o resto da vida porque teria um órgão composto por suas próprias células, declara.>
PEDIDO DE PATENTE E FALTA DE RECURSOS>
O trabalho da equipe capixaba foi publicado em uma das revistas científicas da editora britânica Nature, que tem grande prestígio no cenário mundial. Além disso, a Ufes já entrou com o pedido de patente.>
Por enquanto, os testes foram feitos em órgãos de animais menores, como ratos. Agora, o próximo passo é aprimorar o aparelho para que o procedimento seja feito em órgãos maiores, como de suínos, que são semelhantes aos órgãos humanos.>
Vamos continuar aprimorando o sensor para utilizá-lo em órgãos maiores. Para desenvolver ainda mais, precisaríamos ir para a segunda parte do processo, que é reconstruir esses órgãos que foram descelularizados com células do receptor. Infelizmente, não temos financiamento suficiente para isso, lamenta o professor.>
Do financiamento que tinha do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para o projeto, por exemplo, só foram depositados 15%. Os cortes deste ano foram grandes. Pesquisas demoram anos para serem feitas e quando vem um corte assim, você desperdiça todo investimento que foi feito no passado, afirma.>
Esse processo de recelularização já é feito em outros países, mas em órgãos que, sem o sensor óptico, ainda correm o risco de serem rejeitados. Para recelularizar, os cientistas usam uma célula do receptor. "Pode ser uma célula da pele ou do dente, que conseguimos usar como célula tronco para reconstruir o órgão transplantado, explica Nogueira.>
COMO SE DECLARAR DOADOR DE ÓRGÃOS NO BRASIL?>
De acordo com o Ministério da Saúde, a doação de órgãos pode ser feita em duas situações: com o doador vivo ou morto. O procedimento é possível em doadores vivos quando se trata de órgãos e tecidos que não comprometam a saúde do doador: rim, medula óssea, até 70% do fígado e parte do pâncreas.>
Quando há morte encefálica, é possível doar o coração, os dois pulmões, o fígado, os dois rins, o pâncreas e o intestino. Além dos tecidos como córneas, ossos, pele e válvulas cardíacas. Em caso de morte com parada cardíaca, apenas os tecidos poderão ser transplantados.>
Para ser doador de órgãos é preciso avisar à família. No Brasil, a doação só é permitida com a autorização dos familiares, por isso é importante que as pessoas que têm o desejo de doar conversem com suas famílias de forma aberta e clara sobre o assunto.>
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