Kartódromo Internacional da Serra
Kartódromo Internacional da Serra. Crédito: Carlos Alberto Silva

Prefeitura da Serra é condenada a pagar R$ 100 milhões por área de kart

Justiça decidiu que município deve pagar indenização para família que era dona do local em 1997 e que foi cedido para uma associação, que explora comercialmente um kartódromo

Publicado em 30/11/2019 às 15h42

Por trás de uma briga na Justiça estadual está a condenação da Prefeitura da Serra ao pagamento de uma indenização de mais de R$ 101 milhões por uma desapropriação. A área foi destinada a uma associação, que no local explora comercialmente um Kartódromo.

O processo foi iniciado em 1997, quando o município solicitou a posse da terra. Desde então os herdeiros da família Leão Castelo aguardam pelo pagamento da indenização. Em decorrência do conflito, o caso foi encaminhado, em dezembro do ano passado, para o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), do Tribunal de Justiça, em busca de uma solução para a demanda.

Mas desde junho de 2016 há uma decisão da Vara da Fazenda Pública da Serra, determinando o pagamento da indenização. Em sua sentença a juíza Telmelita Guimarães Alves declarou: "Condenar o autor (Prefeitura da Serra) a pagar aos requeridos (herdeiros) a quantia de R$ 25.074.750,00 a título de justa indenização", acrescentando que o valor deverá ser acrescido de juros compensatórios, e sobre estes os juros moratórios, tudo devidamente atualizado monetariamente.

São os juros compensatórios que elevaram a indenização, a valores de outubro deste ano, para R$ 101.648.547,00. Os herdeiros concordaram, segundo ata de audiência realizada no Nupemec em outubro deste ano,  em conceder para o município um desconto de 20%, o que resultaria ainda em uma dívida de R$ 81.318.877,70.

Decisão judicial  sobre desapropriação na Serra. Crédito: Reprodução
Decisão judicial  sobre desapropriação na Serra. Crédito: Reprodução

SEM ACORDO

O prefeito da cidade, Audifax Barcelos, já adiantou que não aceita a proposta. "O município tem interesse em pagar o valor venal do imóvel, segundo o IPTU. É o que pagaríamos se fôssemos fazer a desapropriação hoje, algo em torno de R$ 25 a R$ 30 milhões. É o que busco junto aos órgãos da Justiça", assinalou.

Audifax identifica pelo menos três problemas no processo de desapropriação. O primeiro deles está no próprio objetivo da ação. "Foi muita irresponsabilidade. Qual foi o objetivo em desapropriar uma área que foi destinada ao interesse privado? Não há um uso público para a área, que está sendo explorada pelo Kartódromo", destaca.

Outro problema por ele apontado foi o não pagamento da desapropriação. "E agora a população da Serra tem que arcar com este ônus", acrescentou. Por último, uma vez solucionado o problema das dificuldades com o processo, haverá ainda a decisão em relação ao que fazer com a área. "O imóvel está sendo utilizado por um particular. A solução será convocar a sociedade civil, as lideranças e a classe política para decidir o que fazer", destacou.

Uma outra possibilidade que o município também descartou seria desistir do processo de desapropriação e devolver a área aos proprietários. Ocorre que esta situação implicaria em indenizar pelo tempo de ocupação da área, quase 22 anos, uma dívida que alcançaria quase R$ 80 milhões. Haveria ainda a possibilidade do atual ocupante, a Associação de Kart, também solicitar indenização pelas construções feitas no local.

 Kartódromo Internacional da Serra. Crédito: Carlos Alberto Silva
 Kartódromo Internacional da Serra. Crédito: Carlos Alberto Silva

LONGA ESPERA

Localizada na região do bairro Feu Rosa, a área em disputa tem 75 mil m², o que equivale a uns nove campos de futebol do padrão Fifa (110 x 75 metros). O decreto 9806/97, assinado pelo prefeito da época, Sérgio Vidigal, declarou como sendo de utilidade pública uma área bem maior, que superava os 939 mil m². A maior parcela (864 mil m²) seria destinada a um parque poli-esportivo, com a construção de um autódromo e outra modalidades esportivas. Projeto que não avançou e o município desistiu desta parcela da área.

A desapropriação que se manteve foi a referente aos 75 mil m², e que foi destinada a construção de um Kartódromo. Ainda naquele ano foi feito um depósito judicial no valor de R$ 30.750,00, considerando um pagamento de R$ 0,41 pelo m².

Em setembro do 1997 a Prefeitura da Serra solicitou a posse da área e, logo em seguida, a transferiu para a associação. "O clube, desde 30 de setembro de 1997, é o detentor da área, por força da celebração de contrato de enfiteuse com o  município da Serra", informou por nota a Associação Espíritosantense de Pais e Pilotos de Kart.

Ao longo dos anos foram apresentados pelo menos outros  laudos com diferentes valores do m². A última perícia judicial, de outubro de 2013, estabeleceu o pagamento de R$ 334,33 pelo m², o que totalizou na sentença de 2016 valores que superam os R$ 25 milhões, que atualizados chegam aos R$ 101 milhões. O município recorreu contra a decisão dois anos depois, em outubro de 2018.

Decreto desapropriação 9806/97  da Prefeitura da Serra. Crédito: Reprodução
Decreto desapropriação 9806/97  da Prefeitura da Serra. Crédito: Reprodução

HERDEIROS AGUARDAM PAGAMENTO

A advogada da maior parte dos herdeiros da área desapropriada na Serra, Daniela Pimenta, destaca que a indenização determinada é justa. "A Prefeitura errou ao desapropriar a área. Passamos anos pedindo para resolverem a situação, mas protelaram o cumprimento da sentença. Vinte anos depois, a dívida esta alta porque a injustiça cometida foi alta. Não é o particular (proprietário) se locupletando (enriquecendo)", assinala.

Ela relata o município resolveu apresentar um embargo de declaração (um tipo de recurso)  tentando obter a anulação de uma perícia realizada há dez anos. "O problema é que o município desapropriou uma área de particular e ao invés de dar uma destinação pública, cedeu a área para a Associação de Kart, que explora comercialmente o espaço.  E quem vai pagar é o cidadão", acrescenta.

Daniela assinala que o valor apontado pela perícia para a indenização, de R$ 25 milhões, acompanha os padrões do IPTU da cidade. "A perícia deu exatamente o valor que a prefeitura cobrava na época pelo m². E eles não recorreram contra a sentença", explica, acrescentando já foram a várias reuniões no Núcleo de conciliação do Tribunal de Justiça.  "E estamos, sucessivamente, sem apresentação de propostas de conciliação por parte do município", explica.

Ela acrescenta que os herdeiros aceitam receber a devolução do imóvel. "Os tribunais superiores não têm admitido desistência após a sentença, mas se quiserem devolver a área não tem problema, é só indenizarem pelo uso nestes últimos 20 anos. O valor equivale ao juro compensatório devido por este tempo", pontua.

Etapa do Estadual de Kart, no Kartódromo Internacional da Serra. Crédito: Neném Monteiro / Divulgação
Etapa do Estadual de Kart, no Kartódromo Internacional da Serra. Crédito: Neném Monteiro / Divulgação

Outro advogado dos herdeiros, Klauss Coutinho Barros, destaca que houve uma tentativa de se fazer um acordo com o município. "Estamos abertos a propostas, mas desde que seja factível. Foi  apresentada ao município uma proposta uma redução de 20% do valor da indenização, o que seria mais razoável. O que não aceitamos é pagarem o valor inicial", pontua.

Ele acrescenta que a área foi desapropriada em 1997 e desde então há uma associação ocupando a propriedade. "Uma entidade privada ocupa a área desde 1997 e até hoje não recebemos pela utilização da nossa propriedade", acrescenta.

No ano da desapropriação os herdeiros foram autorizados a sacarem 80% do valor depositado pelo município, o que equivale hoje, segundo a advogada Daniela Pimenta, a R$ 116.482,00. "Total que será abatido na valor final da indenização", disse.

A DÍVIDA E O ORÇAMENTO DA CIDADE

Investimentos - Dentre os 78 municípios, a Serra foi a que mais investiu em 2018, totalizando R$ 110. A desapropriação equivale a 91% do total. segundo  informações do Anuário Finanças dos Municípios Capixabas de 2019, com dados até dezembro de 2018

Saúde -  O valor da desapropriação equivale 47% dos gastos da cidade com a Saúde, que em 2018 foi de R$ 217 milhões.

Educação - A dívida corresponde a 29% do que foi destinado para a Educação do município, que em 2018 totalizou R$ 344 milhões

OS ATUAIS OCUPANTES DA ÁREA

A Associação Espiritossantense de Pais e Pilotos de Kart, informou,por intermédio de nota, que ocupa a área desapropriada na Serra, desde 30 de setembro de 1997. No local construíram o Kartódromo Internacional da Serra.

Segundo a nota, o clube "é o detentor da área, por força da celebração de contrato com o município da Serra". Acrescentam que no local foi implementado o complexo esportivo, com pista com pavimentação asfáltica, drenagem, área de escape, boxes na pista, torre de controle, parque fechado de vistoria, área de abastecimento, sistema de iluminação, boxes de guarda, banheiros, área administrativa, lanchonete e área de estacionamento para caminhões de transporte de equipes e público.

Acrescenta que a associação "é uma sociedade civil, sem fins lucrativos, onde o escopo de sua atuação é fomentar a prática do Kartismo no ES, e sua fundação remonta ao ano de 1994, deste então, atua de forma ininterrupta na realização de atividades esportivas dessa modalidade".

Informam ainda que a estrutura do Kartódromo foi "edificada, por diversos meios participativos dos seus associados. Servindo para competições de âmbito nacional, onde já tivemos a oportunidade de realizar dois campeonatos Nacionais, Copa das Federações e Copa Sudeste, bem como, todos os Campeonatos Estaduais de Kart, desde 1999", diz o texto.

Acrescenta ainda que o clube é "relevante presença social na região, gerando empregos e renda para mais de 30 famílias de prestadores de serviços", diz a nota, acrescentando ainda que o "equipamento de uso público, serve, também, para treinamento da polícias rodoviária federal e a militar, além da Guarda Municipal.

Kartódromo Internacional da Serra. Crédito: Carlos Alberto Silva
Kartódromo Internacional da Serra. Crédito: Carlos Alberto Silva

EX-PREFEITO DA SERRA

O deputado federal Sérgio Vidigal informa, por nota, que o processo de desapropriação foi realizado por interesse social, dentro da legalidade, com avaliação realizada por equipe de profissionais da Serra, e teve como base o valor do m² da época.

Assinala ainda que a condução do processo judicial não é de sua responsabilidade, sendo que a produção de provas e as decisões administrativas são de atribuição da atual gestão. "Entendo necessário que seja realizada nova perícia, pois, os valores atuais não condizem com o valor do metro quadrado. Por fim, em relação ao processo judicial não podemos opinar, pois, não temos conhecimento do que foi produzido na referida ação posteriormente ao fim de nosso mandato", assinalou o parlamentar, em nota.

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