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Paciente pulou da ponte e se arrependeu antes de morrer, conta médico

Paciente pulou da ponte e se arrependeu antes de morrer, conta médico

"Essa conversa de que a pessoa quer chamar a atenção, que é bobeira, que não é nada. Isso é totalmente errado", alerta psiquiatra e psicoterapeuta Jovino Araújo

Publicado em 23 de agosto de 2018 às 12:26

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Um tema delicado, cheio de dúvidas e preconceitos. Falar sobre suicídio ainda envolve uma série de questões, mas é necessário conhecer o assunto e agir. A cada ano, quase 400 pessoas deixam de viver no Espírito Santo porque tiraram a própria vida. Um tipo de morte evitável, que traz uma dor misturada com impotência e muito difícil de lidar. O tema será discutido na X Jornada Capixaba de Psiquiatria, que será realizada nesta sexta-feira (24) e sábado (25), em Vitória.

Em entrevista ao Gazeta Online, o psiquiatra e psicoterapeuta Jovino Araújo, um dos palestrantes do evento, explica que a crise suicida, com tratamento, passa, e que há casos de pessoas que tentam se matar e depois de arrependem. 

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Um paciente meu, infelizmente, pulou da ponte e, 20 minutos depois que ele pulou, houve uma busca pelo resgate. Quando ele foi encontrado boiando, ele estava vivo, e ele ficou gritando, antes de morrer, para o pessoal do socorro que ele queria viver, que não deixasse ele morrer

Jovino Araújo, psiquiatra
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O médico conta quais são os sinais de que algo está errado, o que fazer e que não dá para deixar a ajuda a essas pessoas para o dia seguinte. Araújo destaca também a importância de ouvir sem pressa quem tenta se matar, quando, por exemplo, alguém está prestes a pular da Terceira Ponte e toda Grande Vitória, de certa forma, é envolvida na situação.

O que dá certo para evitar o suicídio?

A rigor, o suicídio está na relação de mortes evitáveis, o que já é um destaque em si. Também é destaque pelo volume de suicídios que acontece, sendo em algumas faixas de idade uma causa de morte muito importante aqui no Brasil. É a segunda causa de morte de pessoas entre 15 e 29 anos. O que pode ser feito, principalmente, é a conscientização da rede de assistência médica e psicológica, que pode acolher essas pessoas que estejam em risco de suicídio. Porque para cada pessoa que se suicida, existem aproximadamente 20 pessoas que tentam o suicídio ou que ameaçam o suicídio. E essas pessoas comunicam isso de alguma maneira, para pessoas próximas, familiares, médicos e psicólogos. É preciso que haja uma conscientização. A conscientização tanto do público em geral, quanto da rede de assistência médica, tem uma importância muito grande nessa prevenção, no sentido de um impulso, de uma ideia, de um plano que obtenha êxito.

Quando o senhor fala da estatística de 1 para 20, são números mundiais?

São estatísticas mundiais, mas existem registros no Brasil que corroboram esses números. Existe um registro do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que é um sistema de notificações obrigatórias, onde ocorrências de pessoas que provocam lesões em si próprias precisam ser notificadas. O número preciso talvez ainda não seja conhecido, mas é uma estimativa, que tem uma base de registro confiável.

O senhor tem números em relação ao Espírito Santo?

O Espírito Santo nem é o Estado com ocorrência maior de suicídio nem menor. Aqui a estatística é intermediária. Os estados do Sul do Brasil têm ocorrências mais frequentes. No Espírito Santo, a estimativa é que, por ano, 6 pessoas para cada 100 mil habitantes cometam suicídios. Isso gera aproximadamente um suicídio por dia.

É um número grande.

É um número grande pelo fato de ser uma morte evitável. Quando a gente fala de mortes por febre amarela, a gente fica muito assustado porque morreram 30, 40 pessoas. Nós estamos falando de quase 400 pessoas que morrem por suicídio, que é uma morte evitável. A gente está falando algo que é muito significativo.

Doutor, em Vitória temos a Terceira Ponte. Quando há uma tentativa, gera uma comoção na Grande Vitória. O que os negociadores falam que faz com que a pessoa desista?

Eu não sei exatamente qual é o treinamento que essas pessoas recebem, mas eu acho que basicamente elas são treinadas a escutarem o que aquela pessoa tem a dizer. Porque essa escuta é muito relevante. A pessoa que está ali, entre cometer o ato ou não, ela tem, além da ideia, do planejamento, do impulso para o suicídio, ela tem o impulso da vida, que é natural de todos nós. Então, ao ser acolhida no seu momento, isso já é preventivo em si e pode remover a pessoa daquela ideia. Tanto que é uma ocorrência que demora muitas horas. Por isso mesmo acaba chocando a comunidade toda, interfere no trânsito e mobiliza toda uma cidade.

Tem crescido o número de suicídios no Espírito Santo?

No mundo inteiro, não só no Espírito Santo. É uma ocorrência crescente. Há um aumento tanto de tentativas de suicídio quanto de suicídio em si. Há uma curva ascendente em termos percentuais. Aproximadamente, nos últimos 15 anos, a prevalência no Estado passou de algo em torno 4 suicídios para cada 100 mil habitantes para atualmente 6 suicídios para cada 100 mil habitantes.

E tem uma explicação para esse aumento?

Aí a gente vai entrar em um campo um pouco da especulação. Até possível que a gente possa falar de notificações mais bem comprovadas, ou seja, é uma ocorrência que está sendo mais notificada e pode isso aparecer como estatística de aumento. Mas há um adoecimento maior das comunidades, da sociedade, porque também a prevalência de depressão aumentou e isso pode corresponder ao aumento de suicídio. A depressão tem uma prevalência que aumentou nas últimas décadas.

Qual é a faixa etária que mais tenta?

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Os dois picos de faixa etária são: entre 15 e 29 anos e acima de 75 anos de idade. São duas faixas onde há uma ocorrência muito maior de suicídio

Jovino Araújo, psiquiatra
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Há um motivo?

Sim. No caso dos idosos, tem a ver com solidão, isolamento, desesperança e doença física, principalmente câncer. Essas circunstâncias levam a uma ideia e a um impulso do suicídio. No caso dos jovens, tem a ver com a própria turbulência do período da vida. Jovens que deixaram de ser crianças e ainda não têm um complemento de vida que dê a eles uma segurança de sobrevivência, que as coisas vão dar certo em si. Também que nessa faixa etária, dos 15 aos 29 anos, é que aparecerem os principais e mais graves transtornos psiquiátricos, que são a esquizofrenia e o transtorno afetivo bipolar, causas muito vinculadas à ocorrência do suicídio.

Já conversei com pessoas que tentaram e elas falaram do impulso. O que quem está por perto pode fazer para ajudar a controlar esse impulso do outro?

O serviço de saúde, o médico, precisam classificar o suicídio em graus de risco. 

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Um grau leve, significa uma certa vontade morrer, mas sem nenhum plano. Um grau médio significaria uma vontade de cometer suicídio, mas com plano. Um grau grave, máximo, seria quando a pessoa tem um impulso para o suicídio, tem meios de cometer e tem um transtorno mental associado

Jovino Araújo, psiquiatra
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Quem tem conhecimento desse impulso – que é passageiro -, precisa imediatamente encaminhar essa pessoa para um serviço especializado, porque essa pessoa tem uma indicação formal de ser internada e passar um tempo nesse internamento especializado, porque, provavelmente, esse impulso vai passar.

Quem tem um familiar em casa nessa situação, o que deve fazer?

Não pode deixar para o dia seguinte. Precisa pegar essa pessoa e levar para o serviço médico.

E não duvidar.

De jeito algum. Essa conversa de que a pessoa quer chamar a atenção, que é bobeira, que não é nada. Isso é totalmente errado. É preciso ser valorizada essa comunicação e precisa ter o encaminhamento correto.

E a pessoa que não fala o que está sentindo? Que sinais ela dá?

Não falar com certeza dificulta, mas ninguém que esteja em um sofrimento, que acaba gerando um impulso de suicídio, consegue não demonstrar de alguma maneira, com alterações do sono, alimentação, isolamento, perda da capacidade de funcionar no trabalho, no estudo e nas relações pessoais. De qualquer maneira, as pessoas dão muitas pistas que vão indicar um atendimento especializado.

Quem tenta se matar, geralmente depois se arrepende?

Pelo fato de o impulso ser passageiro, com certeza isso pode acontecer. Às vezes, de uma maneira que está meio irreversível. A pessoa já provocou alguma coisa que vai acabar gerando a fatalidade da morte, mas aí já aconteceu. Psiquiatras mais experientes sempre têm alguns casos para relatar desse arrependimento. A presença do impulso da vida é permanente em todos nós. Nunca acaba, mesmo quando a pessoa está decidida ou quando comete um suicídio. O impulso da vida está ali presente.

O senhor pode contar algum caso?

Posso. Um paciente meu, infelizmente, pulou da ponte e, 20 minutos depois que ele pulou, houve uma busca pelo resgate. Quando ele foi encontrado boiando, ele estava vivo, e ele ficou gritando, antes de morrer, para o pessoal do socorro, que ele queria viver, que não deixasse ele morrer. Um caso triste. 

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Ele era um rapaz vigoroso então ele suportou a queda da ponte e não teve uma morte imediata. Ele suportou, mas, infelizmente, já chegou ao pronto-socorro morto. Quem me relatou isso foi a mãe dele depois. E foi um dia muito triste, porque a morte, de uma forma geral, ela é muto cruel e a morte por suicídio muito, muito mais cruel

Jovino Araújo, psiquiatra
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Algumas pessoas parecem estar bem, mas tiram a própria vida. A pessoa sempre dá um sinal?

Sempre é um sinal de ambivalência. Ela não estava fingindo, ela realmente queria viver e, ao mesmo tempo, queria morrer. Essa ambivalência está presente em todas as histórias de suicídio. Nesse caso acaba sendo o impulso.

Como a família pode ajudar? Fica sempre aquela sensação 'do que eu poderia ter feito'?

Chorar o leite derramado não dá. Tem muita importância a gente assumir a nossa condição humana, da imperfeição e valorizar a vida. No sentido de, se passarmos mal de uma dor na barriga, buscar recurso médico. Se passar mal de dor de dente, procurar um dentista. E se passar mal das emoções, buscar um psiquiatra. O psiquiatra está na posição de quem pode entender o adoecimento emocional, oferecer o recurso necessário para isso e encaminhar a situação dentro de um padrão técnico correto. As famílias precisam realmente valorizar os estados emocionais.

O senhor tem exemplos que deram certo? Quando a situação é revertida?

Isso aí tem muito, porque no consultório, muitas vezes, a busca por ajuda é baseada nessa ideia e depois isso é revertido. Muitas vezes, tentativas, ideias de suicídio ficam no passado e nunca mais voltam na vida da pessoa, a partir do atendimento da crise. Não tem um exemplo específico. O tratamento, onde há um risco de suicídio, é feito com medicamento e a psicoterapia.

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(Gazeta Online)

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