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Ninguém controla a barragem de Duas Bocas, admite agência estadual

Ninguém controla a barragem de Duas Bocas, admite agência estadual

Estrutura, em Cariacica, é tida como de risco por órgão nacional

Publicado em 1 de fevereiro de 2019 às 03:25

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Barragem de Duas Bocas foi construída há quase 70 anos e tem capacidade de armazenar 20 milhões de litros. (Fernando Madeira)

Responsável pela barragem de água de Duas Bocas, em Cariacica, o Estado hoje nem sequer sabe quantos moradores da região correm risco e precisariam deixar suas casas caso a estrutura se rompa. A represa, que tem capacidade de 20 milhões de litros, é uma das três do Espírito Santo que apresentam problemas na estrutura, segundo relatório da Agência Nacional das Águas (ANA).

O Estado não possui também uma definição clara e estabelecida em lei sobre a governança da barragem, embora a Cesan assuma a operação da unidade.

Esse controle da área de extensão do estrago de um eventual acidente é considerado primordial para prevenir tragédias mais graves, como as que aconteceram com a barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho, Minas Gerais, há uma semana. No entorno de Duas Bocas, há casas que ficam a apenas 350 metros da estrutura.

A ausência dessa informação, apontada por especialistas como falha de segurança, foi confirmada pelo diretor-presidente da Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh), Fábio Ahnert. O órgão é responsável pela fiscalização da segurança de barragens no Espírito Santo, e ele confirma que esses dados são importantes.

“Estamos levantando esses dados que poderiam e deveriam ter sido levantados antes, são importantes, mas não foram levantados. Vamos colher essas informações e tomar as medidas de segurança que serão necessárias, que inclui transparência, interlocução com a comunidade”, comenta o presidente da Agerh, contando que a agência agora está desenvolvendo um software que é uma espécie de simulador de barragens e indica a área que seria inundada em caso de rompimento.

A barragem de Duas Bocas é antiga – foi construída há quase 70 anos. A idade dela é apontada pela ANA como um dos problemas, assim como “anomalias na estrutura”, segundo relatório da agência nacional referente a vistorias feitas em 2017.

Já a Agerh, que integra uma força-tarefa criada pelo governo do Estado para aumentar a fiscalização das barragens capixabas após a tragédia em Brumadinho, diz que a estrutura “não apresenta risco iminente”.

Fábio, no entanto, afirma que só um laudo mais detalhado, que deve ser divulgado na próxima semana, vai apontar se é preciso fazer alguma alteração para garantir a segurança do local. “No relatório da ANA, não foi feita uma avaliação detalhada de estrutura, de engenharia. O laudo é para ter um diagnóstico claro do real risco a respeito da estrutura. O relatório vai indicar qual o grau desse risco. O risco imediato de rompimento está descartado, mas queremos jogar a favor da segurança”, destaca o chefe da Agerh.

A avaliação será feita com base em vistoria realizada esta semana por equipes da Agerh, do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), da Cesan e do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal (Idaf). Os técnicos passaram cerca de três horas no local. Na vistoria, foram verificadas as condições do terreno e do barramento e não foi verificado risco imediato. Uma nota técnica será emitida nos próximos dias.

A barragem opera com o volume reduzido. Segundo Ahnert, por uma “questão de demanda”, que não é tão grande. Durante muitos anos, a represa possibilitou o abastecimento de água à população residente em Vitória e, atualmente, tem o objetivo de acumular água para o abastecimento de parte de Cariacica. Segundo a prefeitura, 500 pessoas moram em áreas próximas à barragem.

GESTÃO E OPERAÇÃO

O Iema é responsável pela região onde fica localizada a barragem, já que é uma região de preservação ambiental, e a Cesan opera a estrutura. No entanto, o presidente da Agerh afirma que falta um sistema de governança, que organize a estrutura de gestão e operação da barragem. Ou seja, que oficialize a responsabilidade dos órgãos. O próprio relatório da ANA aponta que a responsável pela unidade é a Secretaria de Patrimônio do Estado, pasta que hoje nem existe mais.

Isso dificulta, por exemplo, a tomada de medidas de segurança mais eficazes, a orientação aos moradores próximos em caso de acidentes e a saída da área, caso seja necessária. “O Estado tinha ações de fomento para a construção de barragens, mas não se pensou na estrutura de gestão ou gerenciamento desses reservatórios. Estamos trabalhando na construção de um projeto de lei que defina um sistema de governança mais sistemática para todas as barragens, firmando mecanismos de segurança, atribuição de responsabilidades e sistemas de alertas”, garante Fábio.

SECRETÁRIO DE CARIACICA: FALTA INFORMAÇÃO

“Hoje nós não sabemos a situação real da barragem.” A afirmação é do secretário de Desenvolvimento da Cidade e Meio Ambiente de Cariacica, Cláudio Denicoli. Segundo ele, o município nem ficou sabendo oficialmente de que havia risco ou de que uma vistoria seria feita em Duas Bocas. “Ficamos sabendo pela Agência Estadual de Recursos Hídricos (Agerh) depois que não há ‘risco iminente’. Mas o que significa isso? Essa constatação foi feita com base numa análise visual?”, questiona.

Para tentar esclarecer as questões, a prefeitura enviou ao governo do Estado um ofício pedindo respostas sobre a estabilidade do local. Denicoli afirma que a barragem fica dentro de uma reserva biológica estadual e que é da responsabilidade do governo do Estado zelar pela manutenção dela. “O município não tem ingerência sobre o local. Quando há uma estrutura daquele tamanho, é preciso ter plano de contingência, plano emergencial”, diz.

O secretário afirma que cerca de 110 famílias com um total de 500 pessoas, vivem na área abaixo da barragem. Ele conta que, desde que as informações sobre o risco da barragem foram divulgadas, muitos procuraram a prefeitura em busca de orientação. “Eles viram na imprensa e nos procuraram. E nós ficamos sem saber dar as respostas. Nós precisamos orientar e tranquilizar a população, ou não.”

Foi solicitado ao Estado, além de laudos técnicos em relação à situação real da represa, estudos de modelagem matemática que mostrem a dispersão da água caso ocorra algum acidente, ou seja, uma simulação da trajetória que ela tomaria.

Denicoli também frisou que é importante que as inspeções sejam feitas por engenheiros e não por técnicos de órgãos ambientais. “O acidente que aconteceu em Brumadinho (Minas Gerais) não foi ambiental, foi um problema de engenharia. Em Duas Bocas, quem fez a vistoria foram órgãos de controle ambiental do Estado”, diz. (Natalia Bourguignon)

DUAS BOCAS

A Barragem

Localização

Localizada na zona rural de Cariacica, a barragem de Duas Bocas fica a aproximadamente 7,5 km do bairro Cariacica-Sede.

Capacidade

É de armazenar 20 milhões de litros. A unidade, porém, opera com volume reduzido (cerca de um terço do total).

Origem

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A barragem é antiga e foi construída há quase 70 anos. O relatório da ANA aponta que a responsável pela unidade é a Secretaria de Patrimônio do Estado, que hoje não existe mais.

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