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Natal das folias de reis ultrapassa gerações

Natal das folias de reis ultrapassa gerações

Grupos saem à noite para anunciar o nascimento de Jesus

Publicado em 24 de dezembro de 2018 às 20:30

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José Elias e Adauto Gomes são parceiros na Folia de Reis desde os anos 90. (Marcelo Prest)

Todos os anos na noite de Natal a tradição da Folia de Reis de Seu José Elias, no interior de Muqui, no Sul do Espírito Santo se repete. À meia-noite os foliões se reúnem, e no soar dos sinos da igreja começam a entoar os primeiros cantos. É o início do período em que a Folia visita de porta em porta as casas para lembrar a viagem dos três Reis Magos para levar ao menino Jesus seus presentes: ouro, incenso e mirra.

“Cantamos até as 12 horas do dia 25. Depois todos os sábados às 18 horas a gente sai e toca até as 13 horas do dia seguinte. Isso até dia 20 de janeiro. Não tem chuva, não tem sol e, se der para ir a pé, a gente vai”, explicou José Elias Salucce, 58, mestre da Folia de Reis “Estrela da Manhã”, criada em 1989.

Os festejos acontecem no verão e, em alguns lugarejos, as noites quentes são um convite para acompanhar o grupos formados por foliões com roupas e chapéus decorados que tocam diversos instrumentos: viola, sanfona, zabumba, pandeiro, triângulo, surdo, chocalho, caixa e até flauta. Para completar o grupo, um integrante se veste de palhaço mascarado e canta versos divertidos para animar as pessoas na rua.

“As 12 pessoas são os apóstolos da Santa Ceia. O palhaço simboliza os soldados de Herodes, que acompanha os apóstolos com a intenção de degolar o menino Jesus”, explica José Elias sobre a ordem do governador Romano de Israel, após saber do nascimento do menino que foi chamado pelos Magos de Rei dos Judeus.

Com o festejo popular iniciado e as folias nas ruas, os ouvidos mais atentos escutam mesmo que distante os batuques dos instrumentos na expectativa de os receber em suas residências, porém, as visitas não possuem data nem horário predeterminado. Por isso, alguns moradores já estão dormindo quando os foliões chegam.

Na aproximação da Folia não se ouve “boa noite” nem palmas. Com a cantoria, o morador levanta-se, acende as luzes e abre as portas e janelas para dar as boas-vindas à Folia de Reis, que entra calmamente na residência guiada pelo tradicional estandarte enfeitado com peças religiosas.

“Na bandeira, a gente coloca pouco enfeite e o retrato dos Reis Magos. Aí de casa em casa as pessoas vão enfeitando. É tudo o que as pessoas colocam. A gente tem que cantar para o camarada que colocou”, explica José Elias.

O estandarte é a peça central da Folia. “Cada casa que o estandarte entra, o demônio é expulso. Isso aqui é uma espada contra o mal. Cada enfeite colocado é uma promessa que fazem, com a devoção em Santos Reis e São Sebastião. O estandarte é a nossa espada”, conta Adauto Francisco Gomes, de 59 anos, lavrador e mestre da Folia de Reis “Estrela da Manh㔠da comunidade Tororó, em Muqui.

TRADIÇÃO

Adauto começou a acompanhar as folias desde menino e herdou em 1992 a folia do tio. “Mudei para a casa do meu tio que era folião antigo. A Folia dele estava parada, e eu e meu primo levantamos. No outro ano saí como bandeireiro, com o estandarte. Meu tio não aguentava mais e passou todas as profecias para mim. Foi então que comecei a ter responsabilidade pela folia”, relatou Adauto que faz profecias antes de entrar nas casas.

Adauto explica que as folias podem sair das casas até o dia 20 de janeiro “A Folia de Reis sai na noite de Natal e vai até o dia 6. Depois do dia 6 e até dia 20 é a Folia de São Sebastião. As pessoas pedem o palhaço para brincar também nesse período”, afirmou o mestre.

O aposentado João Geraldo Ribeiro, 78, hoje conduz a folia Estrela Gloriosa, que herdou da família. O grupo tem mais de 80 anos. Com oito anos de idade já acompanhava o pai com sua sanfoninha. Tradição que envolve a família e os vizinhos. “Aqui é amigo de perto, ninguém de fora não. Quase tudo vizinho mesmo e meus filhos”, afirmou.

A tradição da Folia de Reis é de origem portuguesa e chegou no Brasil no século XIX e aqui ganhou traços de nossa cultura popular. O ato é sagrado para os foliões que revivem a busca pelo menino Jesus guiados pela Estrela Guia.

“Muitos não entendem porque é chamada de Folia de Reis se eram três Magos. Quando os três reis foram à Belém foram sozinhos e 30 anos depois Jesus arrumou os discípulos. Nós somos discípulos de Jesus, tem que ter respeito”, enaltece o aposentado João Januário, de 76 anos, mestre da Folia de Reis Estrela Gloriosa.

FAMÍLIA MANTÉM TRADIÇÃO DE AVÔ QUE VEIO DE PORTUGAL

É só chegar na casa da aposentada Luzia Alves Mendes, de 66 anos, para notar o envolvimento da família dela com a Folia de Reis. A casa em Atílio Vivacqua, também no Sul do Estado, tem instrumento para um lado, roupa para o outro e muitas máscaras de palhaço.

Três quartos são destinados só para isso. Todos ficam na expectativa para esta época do ano. “Tem que gostar muito, amar o que está fazendo. É uma devoção”, declarou.

A Folia de Reis da dona Luzia começou tem 24 anos, mas é uma tradição que vem lá da Segunda Guerra Mundial, quando o sogro dela fugiu de Portugal para o Sul do Estado.

A filha de dona Luzia, a professora Simone Cristina Alves Mendes, de 31 anos, participa desde pequeninha. Ela lembra com carinho a história que foi passada de pai para filho. “Nós temos 24 anos com a nossa participação. Mas tem mais de 80 anos, quando meu avô fugiu da guerra e se estabeleceu no Sul do Estado. Ele sempre carregou a cultura de Portugal e quando teve cinco filhos, teve a ideia de fazer renascer essa cultura”, lembrou.

POUSO

Simone conta que a folia era bem diferente da que acontece hoje. A família não voltava para casa. Ficava do dia 25 de dezembro até o Dia de Reis, em 6 de janeiro. “A folia não voltava para casa, não parava, e fazia pouso nas casas que tinham o prazer de receber o grupo com comida e hospedagem. A festa de arremate era no dia 6, dia de Santos Reis. Quando voltavam do lugar de onde saíram encerravam aquele ciclo, que nós chamamos hoje de arremate”, explica a professora, que hoje toca sanfona e canta no grupo.

A Folia de Reis do avô acabou, mas há 24 anos surgiu uma nova, que permanece viva. Hoje o filho de Simone, Fernando, de 9 anos, e a filha, Luzia Maria, a mais novinha, de 5 anos, também participam da folia de reis.

Dona Luzia foi quem teve a ideia de voltar com essa tradição há 24 anos. Ela conta que em Atílio Vivacqua já não tinha folia e quando vinham grupos de fora, os filhos ficavam encantados. Ela não queria que eles saíssem com outras folias e por isso decidiu fazer a própria. Os instrumentos no início foram doados e as roupas feitas à própria mão.

“Não era fácil. Eu ia em Cachoeiro e comprava os panos, cortava tudinho. Fazia primeiro a roupa da folia, as calças e os bonés. Era muito trabalhoso, porque isso é tudo feito na mão. Depois ia para a farda do palhaço, que era a última. Por causa de problemas na vista este ano eu não fiz”, declarou.

O palhaço do grupo é o açougueiro Jorge Luiz Alves Mendes, de 37 anos, um dos quatro filhos de Dona Luzia e irmão de Simone. Tem também o sobrinho Fernando, de 9 anos. “Nascemos na Folia de Reis. Minha mãe vestia a gente para receber as folias era sonho do meu avô ter a dele novamente. Quando a gente chegou a uma certa idade, a gente queria sair, mas minha mãe não deixava. Aí saímos com a nossa”, lembra.

ORIGEM DOS FESTEJOS

Folia de Reis

O que é?

Folia de Reis é um cortejo de caráter religioso popular que se realiza em vários estados do Brasil. Tradição europeia antiga, disseminada em países de formação católica, foi introduzida no Brasil pelos portugueses, sendo hoje um importante traço da identidade cultural brasileira.

HISTÓRIA

Como é

Durante o período de Natal os grupos de Folias de Reis visitam as casas no intuito de celebrar a visita dos Três Reis Magos ao menino Jesus.

Tradição

A Folia de Reis, que encena a viagem dos Reis Magos em visita ao Menino Jesus recém-nascido, é integrada por doze foliões que representam os doze apóstolos, dentre os quais se incluem o mestre da folia e os tocadores, enquanto os palhaços representam os soldados do rei Herodes.

Formação

O mestre é quem organiza o grupo e, com seu apito, comanda as toadas e tira os desafios. Os tocadores são os músicos que animam a folia.

Dia de Reis

As Folias iniciam sua peregrinação no ciclo natalino a partir da meia-noite do dia 24 de dezembro, prosseguindo até o dia 6 de janeiro, dia de Reis, e podendo continuar ou não até o dia de São Sebastião, 20 de janeiro.

Bandeira

O símbolo religioso da Folia é a bandeira dos Santos Reis, na qual cada enfeite tem um significado relativo à Sagrada Família. O uniforme dos foliões pode ser de cores variadas com o predomínio das cores azul, branco amarelo, vermelho e verde.

No Estado

No Espírito Santo existem aproximadamente 65 grupos de Folia de Reis.

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Fonte: Atlas do Folclore Capixaba de 2011.

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