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Moradores de Baixo Guandu e Colatina revivem drama da lama

Moradores de Baixo Guandu e Colatina revivem drama da lama

Nova tragédia causa até crises nervosas em afetados na de 2015

Publicado em 29 de janeiro de 2019 às 03:35

Therezinha (à direita) teve seu trabalho interrompido pela lama no Rio Doce Crédito: Carlos Alberto Silva

Desde sexta-feira, a artesã Terezinha Guês, moradora de Baixo Guandu, tem optado por deixar a televisão desligada. É que as notícias do rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, a levam a relembrar a tragédia em Mariana, em 2015.

“Choro muito, tenho crise de pressão alta. Não aguento mais ver, é muito triste. Desde que fiquei sabendo desse novo crime anunciado, vou para o pronto-socorro todos os dias com crise nervosa. É como se passasse um filme na minha cabeça sobre novembro de 2015”. desabafou.

Terezinha viveu do trabalho de artesã por mais de 20 anos, mas agora não pode mais exercer o ofício. É que a matéria-prima usada está toda contaminada pela lama de rejeitos da Samarco (que tem a Vale como uma de suas controladoras) que invadiu o Rio Doce: areia, argila e escamas de peixe.

“E pode acontecer de novo. Porque a tragédia de Brumadinho veio mostrar que eles não aprenderam nada e reforçar que eles não estão nem aí para a vida humana. Só pensam em lucro e lucro”, comenta a artesã, que mais de três anos após o acidente em Mariana, não teve ainda o seu direito à indenização reconhecido pela Fundação Renova, criada para reparar os danos causados pelo rompimento da barragem.

A artesã não é a única de Baixo Guandu que sofre ao ver o noticiário da tragédia em Brumadinho. A GAZETA entrou em contato com um pronto-socorro do município e uma atendente, que não se identificou, relatou que a procura por atendimento na cidade cresceu muito nos últimos dias. “Muita gente relatando enjoo, dor de cabeça”, contou.

Terezinha faz parte de um grupo de artesãs, que precisaram buscar outras fontes de renda após a tragédia de Mariana. Segundo ela, do grupo, 15 fazem tratamento contra depressão e afirmam que tiveram uma piora no quadro após o desastre em Brumadinho. Maria Aparecida Leite, de 55 anos, não consegue dormir direito. “Tenho que tomar remédio. Estamos de coração partido por ver mais esse crime”, desabafa a artesã.

COLATINA

Bispo da Diocese de Colatina, Dom Joaquim Wladimir Lopes Dias acompanhou de perto o sofrimento dos ribeirinhos depois que a lama de rejeitos da Samarco invadiu o Rio Doce.

Três anos depois, faz coro ao discurso de que as mineradoras tratam as comunidades afetadas com “descaso”, ao demorar para indenizar as vítimas da tragédia em Mariana e ao permitirem com que um novo acidente acontecesse.

“Com que aconteceu em Mariana, era para os responsáveis terem sido presos, era para todas as vítimas terem recebido indenização e nada disso aconteceu. E como eles têm a certeza da impunidade, o descaso continua”, desabafa o religioso, que foi nomeado bispo da Diocese de Colatina, pelo Papa Francisco, meses antes do desastre de Mariana.

A tragédia de Brumadinho não afeta diretamente o Espírito Santo, mesmo assim, o bispo de Colatina defende que é preciso debater a política de segurança de barragens e diz que esse tema pode ser prioritário durante a Campanha da Fraternidade de 2019 que tratará de políticas públicas.

“Vamos tentar uma audiência com o governador Renato Casagrande. Alguma coisa precisa mudar porque está errado. Com esse descaso, outras barragens podem se romper. É preciso que se tenha uma ação rápida, como o governo federal teve desta vez", alerta o religioso, que reclama ainda do atraso e a discriminação no pagamento das indenizações.

ÓRGÃOS NÃO QUEREM RENOVA EM BRUMADINHO

Pescador observa o Rio Doce poluído pela lama Crédito: Carlos Alberto Silva

 

O Ministério Público Federal, os Ministérios Públicos de Minas Gerais e do Espírito Santo, a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Espírito Santo emitiram nota em que alertam para que a Fundação Renova, criada para amparar os afetados pela tragédia de Mariana, em 2015, não atue no âmbito da tragédia de Brumadinho para que não haja “desvirtuamento de sua finalidade e enfraquecimento dos programas específicos que buscam debelar as consequências do desastre ambiental da Bacia do Rio Doce.”

Os órgãos defendem que o conhecimento adquirido pela Fundação seja colocado à disposição de Brumadinho, mas pedem para que as duas não se confundam. O temor é de que ocorra um retrocesso no processo, já conturbado, de reparação dos danos causados às Rio Doce e ás vítimas do desastre de 05 de novembro de 2015.

Por conta disso, a 21ª Promotoria de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais expediu recomendação pedindo que a Fundação Renova não atue na defesa de interesse de terceiros, especialmente das empresas instituidoras (Samarco Mineração S.A, Vale S.A e BHP Billiton Brasil LTDA).

“Reitera-se que não é adequado o aproveitamento de estruturas criadas para outro desastre ambiental, o que poderia negligenciar a centralidade dos atingidos e o dever de correta e tempestivamente informá-los de todos os dados e os fatos relevantes relacionados à tragédia”, diz a nota.

No documento, os órgãos ainda reiteram o compromisso com a busca pela responsabilização administrativa, cível e penal de todos os envolvidos.

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