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Médicos e clínicas dificultam atendimento para quem tem plano de saúde

Médicos e clínicas dificultam atendimento para quem tem plano de saúde

Preferência na agenda é para quem paga consultas e exames particulares

Publicado em 4 de maio de 2018 às 00:43

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Denilsa Zoboli, 70 anos, teve dificuldade em conseguir consulta com dois médicos especialistas. Nos dois casos, ela acabou pagando para evitar a demora. (Marcelo Prest )

Ao telefone, a primeira pergunta ouvida pelos pacientes que pretendem agendar uma consulta médica é “tem plano de saúde?”. A questão é usada por alguns médicos e clínicas na Grande Vitória e no interior do Estado para selecionar quem será atendido primeiro e quem terá que esperar mais. Nessa corrida, aqueles que têm plano de saúde acabam ficando para trás.

Em um teste feito pela reportagem de A GAZETA, foi constatado que a diferença de data para consulta entre quem tem convênio e quem não tem chega a quatro meses.

Uma consulta com uma médica endocrinologista foi agendada para setembro quando foi informado que o paciente tinha plano de saúde. Mas ao propor que a consulta fosse feita de forma particular, dois horários apareceram na agenda da profissional no dia 15 de maio.

SEM ESCOLHA

 Sentindo muitas dores e sem conseguir mais esperar, a dona de casa Genilsa Zoboli, 70, resolveu pagar por um especialista mesmo tendo plano de saúde. “Precisei de um médico de estômago porque estou sentindo dores. Tentei marcar pelo plano mas estava demorando muito, mais de um mês. Não tinha como esperar”, conta.

A solução encontrada pela dona de casa foi desembolsar os R$ 400 da consulta com um gastroenterologista. “Encontrei um médico que tinha vaga, mas era só particular.”

Genilsa relata que teve o mesmo problema quando tentou marcar com um oftalmologista. “A gente paga o plano já. Depois tem que pagar de novo pela consulta”, lamenta.

Nas ligações feitas pela reportagem, a prática de reservar parte da agenda só para atendimento particular foi encontrada em médicos de várias especialidades e até para marcar exames.

Em um dos casos, a reportagem procurou vaga para fazer uma ressonância magnética em uma clínica de Vitória. Na primeira ligação, ao informar que seria pelo plano de saúde, o exame foi marcado para 12 de junho.

Já em uma segunda ligação, quando foi informado que seriam pagos os R$ 849 do exame, a atendente prontamente conseguiu uma vaga para dois dias depois, no 2 de maio.

INTERIOR

A situação é ainda pior no interior. Segundo o estudo Demografia Médica no Brasil, feito pelo Conselho Federal de Medicina, no Espírito Santo há oito vezes mais médicos na Capital do que no resto do Estado.

Com menos opção, os pacientes com planos de saúde ficam reféns da data proposta pelos médicos.

A atendente de um cardiologista em Colatina marcou uma consulta para a próxima semana ao saber que a consulta seria particular. Com o plano, só tinha vaga para o fim de junho.

INSATISFAÇÃO

O presidente do Sindicato dos Médicos do Espírito Santo e vice-presidente da Confederação Nacional dos Médicos, Otto Baptista, afirma que tem conhecimento que os usuários de plano de saúde estão encontrando dificuldade para marcar médicos em um tempo razoável.

Segundo ele, o motivo seria a insatisfação dos profissionais com os planos de saúde. “Como sindicato, a gente vê que muitos médicos estão pedindo descredenciamento porque não estão mais interessados em atender pelo plano”, diz.

O desinteresse dos profissionais, segundo Baptista, se deve a diversos fatores, entre eles o atraso no pagamento por parte dos planos, que pode levar meses. Outra razão é o valor pago por consulta, que varia entre R$ 35 e R$ 70. “Os valores pagos pelos planos estão muito aquém do necessário para se manter um consultório médico. Hoje, consideramos que o preço mínimo de uma consulta deveria ser de R$ 180”, esclarece.

Otto afirma que a reserva de agenda para pacientes particulares em detrimento daqueles com plano não é orientada pela entidade. “É uma atitude individual, uma escolha de cada médico. Não é uma atitude de corporações, cooperativas, sociedades e entidades. Cada um deve responder por seus atos”, afirma.

PROJETO DE LEI QUER PROIBIR AGENDAS DIFERENCIADAS

A Associação Brasileira de Planos de Saúde informou, por meio de nota, que há um projeto de lei em tramitação no Senado com o objetivo de vedar que o profissional de saúde utilize uma agenda diferenciada para a marcação de consultas, exames e procedimentos.

A proposta é vedar que o médico pratique qualquer discriminação ou diferenciação no prazo de marcação entre o paciente com plano de saúde e o paciente particular.

Para a situação atual, a Abramge recomenda que se determinado prestador de serviços não dispor de tempo livre para atender o beneficiário de plano de saúde, o paciente deve entrar em contato direto com a operadora para ser devidamente orientado e remanejado para um prestador disponível.

PRIORIZAR PACIENTES PARTICULARES FERE DIREITO DO CONSUMIDOR

A prática dos médicos de priorizar consultas particulares em detrimento daquelas feitas por meio dos planos de saúde fere o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor. É o que explica o advogado e consultor do Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (Ibedec) Luiz Gustavo Tardin.

“O artigo diz que se um consumidor pretende pagar pelo serviço de um modo aceito pelo fornecedor, ele não pode ser preterido. O médico que está em um plano de saúde aceitou por meio de um contrato receber o valor ofertado pelo plano por consultas. Logo, ele tem que aceitar esse pagamento sem fazer distinção”, explica.

Ele orienta que os pacientes que se sentirem lesados façam denúncia ao Procon, à ouvidoria dos planos de saúde e até ao Conselho Regional de Medicina. “A prática é abusiva”, completa.

O advogado Igor Britto, membro do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) esclarece que o contato entre médico e paciente se enquadra como relação de consumo e todo fornecedor deve atender aos consumidores de forma igual, sem discriminação.

“Imagine se uma escola recusa matrícula de um aluno porque ele paga parcelado e o outro paga a vista. Não pode. Assim como os médicos não podem escolher quem eles atendem com base na forma de pagamento”, diz.

PUNIÇÃO

 

Segundo Igor, os médicos podem ser punidos pela atitude discriminatória. “Esses médicos podem ter problemas seríssimos, assim como as operadoras e planos de saúde que forem coniventes com essa prática.”

Sobre as reclamações dos médicos com relação ao baixo custo da consulta paga pelos planos, os dois especialistas afirmam que quem tiver insatisfeito pode optar por se descredenciar do plano de saúde.

“Ou ele aprende a negociar com a operadora, ou não atende a operadora. O que não pode é fazer isso”, finaliza.

O TESTE

ENDOCRINOLOGISTA

A GAZETA fez duas ligações para marcar consulta com uma médica. A primeira foi no dia 2 de maio e a segunda no dia 3 de maio.

Primeiro diálogo

Atendente: Consultório médico, boa tarde.

Repórter: Boa tarde, gostaria de marcar uma consulta com a (nome da médica).

Atendente: Tem convênio?

Repórter: Sim, (diz o nome de um plano de saúde).

Atendente:Eu só estou tento horário no final de setembro.

Repórter: Final de setembro? Mas é muito longe.

Atendente: Infelizmente só tem essa data.

Repórter: Fica muito tarde pra mim. Mas obrigada pela atenção.

Segundo diálogo

Atendente:Consultório médico boa tarde.

Repórter: Boa tarde, eu agendo com a (nome da médica) nesse número?

Atendente: Isso mesmo.

Repórter: Queria saber para quando ela tem vaga.

Atendente: Qual o convênio?

Repórter: É particular. Qual o valor da consulta?

Atendente: É R$ 250,00.

Repórter: E qual dia você tem?

Atendente: O mais próximo que eu tenho é para o dia 15

Repórter: Dia 15 de junho?

Atendente: Não, desse mês. Dia 15 de maio

Repórter: Qual o horário?

Atendente: Tenho disponível às 8h e às 11h.

Repórter: Obrigada pela informação.

CARDIOLOGISTA

 

Foi feita apenas uma ligação no dia 3 de maio para o consultório de um médico cardiologista.

Atendente: Consultório médico, boa tarde.

Repórter: Boa tarde, queria saber quando tem vaga para consultar com o (nome do médico)?

Atendente: Tenho para o final do mês de junho.

Repórter: Final de junho? Faltam quase dois meses.

Atendente: É, só tem esse mesmo.

Repórter: Até se eu quiser pagar particular?

Atendente: Você é paciente dele?

Repórter: Não.

Atendente: Particular eu vou ter horário na terça-feira da semana que vem, dia 8. Tem o horário das 11h. O paciente tem algum convênio?

Atendente: Não, está sem plano de saúde

Repórter: Obrigada.

OFTALMOLOGISTA

 

A ligação foi feita para uma clínica de oftalmologia no dia 27 de abril. Foi pedida uma consulta com um especialista.

Atendente: (Fala o nome da clínica), boa tarde.

Repórter: Boa tarde, gostaria de uma consulta com um oftalmologista.

Atendente: Tem preferência por algum?

Repórter: Não, pode ser o que tiver vaga primeiro.

Atendente: Tem convênio?

Repórter: Sim, (cita o nome do convênio).

Atendente: Para esse convênio tenho vaga para o dia 20 de maio.

Repórter: Quanto é a consulta?

Atendente: É R$ 300,00.

Repórter: E tem vaga para particular?

Atendente: Para particular tenho no dia 30 de abril.

Repórter: Mas porque as datas diferentes?

Atendente: A agenda para pacientes de plano está mais cheia.

EXAME

Foram feitas duas ligações para uma clínica de exames. Ambas no dia 30 de abril, uma segunda-feira.

primeiro diálogo

Atendente: Como posso ajudar?

Repórter: Eu queria marcar um exame

Atendente: O exame seria por convênio?

Repórter: Sim. (cita o nome de um plano de saúde)

Atendente: Qual é o exame?

Repórter: Ressonância de coluna cervical.

Atendente: Infelizmente só vou ter agenda para o dia 12 de junho, uma sexta-feira, às 7h da manhã.

Repórter: Só em junho?

Atendente: Infelizmente sim

Repórter: Nossa, vai demorar. Essa exame é caro?

Atendente: O valor é R$ 849

Repórter: Pagando particular eu consigo uma data mais cedo?

Atendente: Infelizmente não. Só seria essa data mesmo.

Repórter: Obrigada. Eu entro em contato novamente.

Segundo Diálogo

Atendente:(Identificação da atendente), boa tarde, como posso ajudar? 

Repórter: Quero marcar uma ressonância de coluna cervical

Atendente: A senhora ainda continua com o plano de saúde?

Repórter: Não. Eu quero fazer particular agora.

Atendente: O valor da ressonância é R$ 849,00.

Repórter: Ok. E quando é a data mais próxima?

Atendente: Eu tenho agenda para o dia 02.

Repórter: De maio?

Atendente: Isso. quarta-feira agora, depois do feriado (dois dias depois).

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Repórter: Tá bom. Obrigada.

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