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Inclusão: os desafios da educação especial

Inclusão: os desafios da educação especial

As redes públicas municipais da Grande Vitória têm 4.802 alunos

Publicado em 28 de julho de 2019 às 00:27

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Andréia é mãe de Ramon, 14, e Ryan, 10, ambos com autismo. Ela destaca que é preciso mais estímulo. (Carlos Alberto Silva)

Dados do Censo da Educação promovido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) apontam que, de 2011 a 2018, o número de matrículas de crianças com deficiência intelectual e física, referentes à educação infantil e os primeiros anos do ensino fundamental do rede pública, passou de 2.515 para 4.802 na Grande Vitória. Mesmo com mais crianças na educação especial, pesquisadores e ativistas apontam que ainda há desafios a serem enfrentados pelas escolas para promover a inclusão de fato.

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, criada pelo Ministério da Educação, em 2008, estabelece que alunos com deficiência devem participar das mesmas atividades que os demais em sala de aula. E que o poder público tem o dever de garantir a todos caminhos para o desenvolvimento de suas capacidades sem fazer distinção. Mas especialistas e pais apontam que ainda há muitos problemas nesse cenário.

Aumento no número de matrículas na rede pública . (Infografia)

A doutora em educação e professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Maria Teresa Mantoan é uma das que destaca que ainda é há muito a se fazer pela política inclusiva dentro das instituições de ensino. “Os pais não podem escolher uma ‘escola especial’ para o filho. É preciso que seja garantido a essas crianças o direito a frequentar uma escola comum, regular”, explica a professora.

Salienta ainda a importância de incluir essas crianças nas atividades entre todos os colegas e de trabalhar as limitações de cada um para que sejam transponíveis.

Andréia Félix Dos Santos Souza é mãe de Ramon Luíz Santos Souza, 14 anos e Ryan Erly Santos Souza, 10 anos, convive com a dificuldade de garantir isso. Os dois meninos são autistas e frequentam uma escola pública municipal, em Cariacica. Ela conhece os direitos dos filhos, e diz que enfrentam problemas na escola. “Um deles fica triste por não saber ler, se sente inferior. Falta estimular, trabalhando com o tempo deles, que é específico. Sinto que as escolas não estão preparadas para receber as crianças especiais. E acredito que essa atenção tem que ser maior”, disse.

Cuidadores

A pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença da Unicamp Meire Cavalcante destaca outra situação encontrada em muitas instituições: a segregação dos alunos com deficiência. Ela diz que isso é inconstitucional e que, infelizmente, existe um movimento forte de trazer concepções na escola comum que criam dispositivos para separar a criança com necessidades especiais. Um exemplo disso é a grande quantidade de cuidadores que isolam esses alunos em outras atividades em vez de auxiliar o professor para que a criança realize os mesmos exercícios da classe.

“Se criou uma ideia errada de que é necessário ter cuidador somente para ser uma sombra para o aluno. E quando você coloca uma pessoa no canto da sala para realizar uma atividade diferente com um profissional inclusivo, traz a antiga concepção à escola que se diz inclusiva, mas não é”, salienta a professora que defende mais capacitação para os profissionais da educação.

O coordenador de formação do Instituto Rodrigo Mendes – ONG que colabora para o acesso da pessoa com deficiência à educação -, Luiz Henrique Conceição, defende que a principal mudança deve estar no planejamento das aulas, para que elas sejam aproveitadas por todos os estudantes.

“A quebra de barreiras é difícil, não acontece de um dia para o outro, mas é isso que educação precisa. É necessário levar em consideração as especificidades de cada um”, orienta. Ele reforça que com a forma inclusiva de ensinar todos os estudantes são beneficiados.

Essa conscientização da necessidade da inclusão é a esperança da dona de casa Ju Lopes, mãe Davi Lopes Borges, 10, que tem autismo e é estudante da rede municipal de Vila Velha. Ela cobra esforço do poder público para promover melhor ensino ao menino, que está com dificuldades na alfabetização. “Falta darem mais atenção a isso. Precisamos de mais estímulo em sala de aula.”

DESAFIOS E CAMINHOS PARA MUDANÇA

Cumprir a Constituição

Direito à educação

Antes de tudo, o direito à educação precisa ser garantido. É necessário que as crianças com necessidades especiais frequentem uma escola comum, como aponta a lei, e não que os pais busquem uma “escola especial”. Para isso, as instituições devem se preparar contando com profissionais capacitados e com mudanças estruturais. Dentre elas a reestruturação física, com a eliminação das barreiras arquitetônicas.

Sem discriminação

Comunidade escolar

A escola deve atender a todos os alunos sem discriminação, sem diferenciação pela deficiência ou qualquer outro tipo de característica que o aluno possa a ter. O caminho para isso é conscientizar os profissionais da educação e também a comunidade escolar, incluindo pais e outros alunos. Projetos extraclasse que incluam a todos e redes de apoio podem oportunizar isso.

Mudar as práticas

Projeto pedagógico

É importante mudar as práticas pedagógicas mas de maneira a atender a todos os alunos, e não criar uma diferenciação somente para estudantes com necessidades especiais. Por lei, qualquer aluno tem o direito de desenvolver ao máximo a sua capacidade, segundo as suas possibilidades.

As práticas usuais para incluir estão voltadas a adaptar currículos, atividades e conteúdos para alguns estudantes. É preciso deixar de usar isso como uma saída para que o aluno da educação especial possa aprender com os demais colegas na escola. Não se deve, por exemplo, criar exercícios específicos para as crianças com deficiência – os resultados, claro, se darão com cada um a seu tempo e seu alcance. É importante repensar o projeto pedagógico; planejamentos que contemplem a diversidade e garantindo o direito ao convívio.

Formação de professores

Estímulo

A inclusão está sendo mal interpretada nos cursos de formação de professores, segundo especialistas. O principal problema é considerar que os alunos da educação especial são um grupo à parte e que precisam de outra sala e de conteúdo diferenciado. Isso é uma incompreensão que deixa alguns isolados em sala de aula. O professor deve ser agregador, incluir o aluno com necessidades especiais nas atividades de classe e estimular a relação com os colegas.

Identificar barreiras

Avançar contra limitações

Para a inclusão, o foco do trabalho deve ser identificar as barreiras de cada criança e atuar para que elas deixem de existir. A sociedade associa a deficiência à incapacidade do sujeito e, na educação, esses obstáculos precisam ser vencidas. Pouco a pouco, no tempo de cada criança, as limitações devem ser trabalhadas, e não ignoradas.

Atendimento Educacional Especializado

Não é reforço

Muitos sistemas de ensino confundem o Atendimento Educacional Especializado (AEE) com reforço escolar. Isso é um conceito equivocado. O AEE, que existe em escolas públicas, é realizado de forma obrigatória em contraturnos nas escolas como complementar usando recursos pedagógicos e de acessibilidade para eliminar as barreiras para a plena participação dos alunos. O objetivo é reduzir as limitações com linguagem e habilidade e não reforçar o conteúdo dado regularmente em aula. É preciso investir na formação dos profissionais do AEE para que mude essa concepção.

Cuidador é para auxiliar

“Sombra”

Se criou uma noção errada de que o cuidador serve para ser uma “sombra” para o aluno. Na verdade, ele é um assistente para orientar o professor. Muitas vezes, o cuidador fica no canto da sala de aula fazendo outra atividade com o aluno com necessidades especiais. Isso não deve acontecer. O cuidador deve estar atuando para que esse estudante seja capaz de fazer a mesma atividade que os outros.

Fonte: especialistas ouvidos pela reportagem

Investimento em capacitação

Para atender a crescente demanda por educação especial em escolas regulares, as prefeituras apostam principalmente em capacitar professores para atender esse público. Em Vitória, por exemplo, há uma rede com 914 funcionários, entre professores, cuidadores e estagiários para atender cerca de 1.022 alunos com deficiência. Isso dá quase um profissional por aluno.

Ainda assim há barreiras a serem vencidas.

“Desde 2014 se investe pesado em formação dos professores. Percebemos que eles estão mais interessados, mais dispostos, mas a formação ainda é um desafio”, afirma a Coordenadora de Educação Especial da Prefeitura de Vitória, Ana Lúcia Sodré.

Na Serra, a média de profissionais por aluno também é quase um por um. São cerca de 1.383 estudantes para 1.361 profissionais preparados para educação especial. Por lá, o desafio maior, segundo a coordenadora da Educação Especial da Secretaria de Educação, Mara Rubia dos Reis Fonseca, é garantir a formação de professores que não são exclusivos da educação especial.

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Criamos um grupo de professores que atuam exclusivamente especial

José Roberto Martins Aguiar
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“Para a rede que atende a educação especial, a gente consegue garantir a formação. A nossa dificuldade hoje e no que estamos trabalhando é levar essa formação a outros atores da escola, como diretores, professores e pedagogos”, explica a Mara Rubia.

Ela diz ainda que outro obstáculo que o município tenta superar é a escolarização do aluno, ou seja, garantir que ele esteja na escola de fato aprendendo, e não apenas marcando presença.

“A matrícula e o acesso dos alunos com deficiências às escolas regulares a gente já garante. O nosso trabalho agora é fazer com que esse aluno consiga aprender e se desenvolver”, afirma.

Em Cariacica, a proporção de alunos para professor é um pouco maior. No município cada profissional de educação especial (368) fica responsável por quase três estudantes (1.046).

O secretário de Educação municipal, José Roberto Martins Aguiar, reforça que o principal desafio é atender, com qualidade, a demanda que cresce ano após ano.

“É preciso dar um tratamento específico e também pedagógico”. Para vencer isso a prefeitura criou este ano um grupo de professores que atuam exclusivamente na educação especial.

“Nós criamos o cargo de professor de educação especial e neste ano vamos fazer concurso para admissão desse grupo”, prevê o secretário.

Entre os municípios da Grande Vitória, em Vila Velha é onde a proporção entre professores de educação especial e alunos é maior, sendo, em média, mais de três estudantes por profissional. Na rede há aproximadamente 1.351 alunos com deficiência para 400 professores.

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