> >
Febre amarela: um ano após surto, ES está fora da rota de risco

Febre amarela: um ano após surto, ES está fora da rota de risco

Especialistas dizem que novos casos podem surgir, mas não em grande quantidade. Família de vítima da doença em 2017 ainda chora a perda

Publicado em 8 de fevereiro de 2018 às 00:45

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Frascos com doses de vacina contra febre amarela . (Fred Loureiro | Secom-ES)

Um ano depois do grande surto de febre amarela que tomou o Espírito Santo, algumas famílias ainda choram a perda de pessoas que foram vencidas na batalha com a doença. No Estado, dos 330 casos de febre amarela silvestre registrados no ano passado, 100 terminaram em mortes, média de três para cada 10 infectados pelo vírus. Mas, agora, com novos casos surgindo pelo país, o Estado está fora de risco de uma nova epidemia.

O Ministério da Saúde divulgou um novo balanço de pacientes com febre amarela no país. Foram registrados os casos ocorridos de julho de 2017, mês em que o Espírito Santo registrou um doente com o vírus pela última vez, a fevereiro de 2018. Ao todo, foram  353 registros da doença e 98 mortes em todo o país.

Apesar da proximidade com Estados como Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, que atualmente vivem uma situação semelhante à vivida no Espírito Santo no ano passado, especialistas afirmam que a população capixaba não precisa se preocupar com um novo surto da doença. 

De acordo com o infectologista Alexandre Rodrigues, o quadro do início de 2017 não deve se repetir. "Um surto como o que aconteceu no ano passado a gente não espera ter outra vez. Na época, a população do Estado inteiro estava sem vacina, agora boa parte dos capixabas está protegido", afirmou. 

O médico alertou que pessoas que ainda não se vacinaram seguem correndo risco de contaminação. Alexandre explicou que o vírus da febra amarela pode ser transmitido pela mosquito-mãe aos filhotes, por isso o vírus continuaria circulando. "O problema continua existindo. A vigilância tem que ser constante", disse. 

Para Paulo Peçanha, médico infectologista, a campanha de vacinação realizada no ano passado no Estado foi muito positiva. "A preocupação é que, apesar da cobertura vacinal ter sido muito boa, existem pessoas que ainda não se vacinaram. O ideal é chegar o mais próximo possível de 100% da população imunizada", disse. 

Aos que ainda não se vacinaram por terem, à época, alguma restrição quanto à imunização, Paulo recomenda que procurem um médico para uma reavaliação. "Algumas pessoas com mais de 60 anos, por exemplo, na época não podiam se vacinar (após passar por avaliação médica), mas talvez agora possam. Gestantes, lactantes, todos que tinham algum tipo de restrição precisam conversar com seus médicos para saber se o quadro clínico delas não mudou e procurar se imunizar", afirmou. 

Apesar do sucesso na campanha de vacinação, o surgimento de alguns novos casos não é improvável. "Temos uma região de matas extensa, o mosquito não fica na divisa, ele circula. Se tem macaco morrendo de febre amarela é porque tem o mosquito contaminado e com potencial de infectar tanto o macaco quanto o homem", disse Peçanha. 

O médico infectologista Crispim Cerutti Júnior afirmou que, além da grande campanha de vacinação realizada no Estado, houve uma grande mortandade de macacos, o que diminui o número de hospedeiros do vírus. "Não é impossível termos um caso da doença, mas um surto é improvável. Mesmo os que não foram imunizados correm riscos menores", afirmou. 

CAMPANHA

No surto do último ano, os capixabas se mobilizaram em uma grande campanha de vacinação contra a febre amarela. O Estado, que se tornou área de recomendação vacinal pelo Ministério da Saúde em 2017, confirmou 330 vítimas da doença, das quais 100 foram fatais. Diante dos números, os capixabas viveram momentos de caos. As filas dos postos de saúde ficaram enormes e, devido à demanda e urgência da vacinação, alguns mutirões foram organizados a fim de imunizar a população.

A região da Grande Vitória contou, na época, com o chamado “Dia D de combate à Febre Amarela”. Na ocasião, moradores de Cariacica, Guarapari, Serra, Vila Velha e Vitória puderam contar com quase 40 pontos de vacinação espalhados pelas cidades. Em Cariacica por exemplo, o “Dia D” aconteceu no Estádio Kléber Andrade. O objetivo era vacinar 20 mil pessoas.

O último caso de febre amarela registrado no Espírito Santo foi em julho de 2017. Passado um ano, o caos vivido pelos capixabas agora é uma realidade do país inteiro. De julho do ano passado a fevereiro deste ano foram confirmados no Brasil 353 casos da doença. Os Estados mais afetados foram São Paulo, com 161 casos, e Minas Gerais, com 157.

No Espírito Santo, não há registros de vítimas de febre amarela neste ano. A ausência de casos em território capixaba é atribuída ao sucesso da campanha de vacinação. De acordo com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), 3.077.619 pessoas foram imunizadas. A cobertura vacinal registrada foi de 85,71%.

“O público que foi vacinado é bastante significativo. Só no ano passado foram mais de 3 milhões de pessoas, fora as que já haviam sido vacinadas antes. Considerando que a vacina é distribuída desde 1994, a cobertura vacinal chegaria a 97,32%”, afirmou a coordenadora do programa estadual de imunizações da Sesa, Danielle Grilo.

Apesar da boa cobertura, 483.381 pessoas ainda não foram vacinadas. assim como os médicos, Danielle alerta para a importância de esse contingente não imunizado procure um posto de saúde, já que o vírus ainda está presente no ambiente. “O estoque de vacinas no Estado é muito bom, todas as unidades de saúde têm vacinas. É segura e bastante eficaz, uma dose para toda a vida”, reforçou.

PERDA NÃO CICATRIZADA

Maria Helena Cristo Haese, 57, babá, perdeu o filho, Marcelo Cristo Haese, 32, vítima da febre amarela . (Fernando Madeira | GZ)

Após um ano do surto no Espírito Santo, famílias como a da babá Maria Helena Cristo Haese, de 57 anos, continuam não aceitando as perdas causadas pela doença. 

Aspas de citação

Até hoje eu pergunto a Deus o que foi que aconteceu com meu filho. A gente conversou com ele e logo no outro dia ele morreu. Eu não esperava aquilo, ninguém espera

Aspas de citação

Com apenas 32 anos, Marcelo Cristo Haese, filho de Maria Helena, foi uma das vítimas da febre amarela no Estado no último ano. O jovem morreu no dia 23 de fevereiro de 2017, apenas alguns dias após ter apresentado os primeiros sintomas da doença.

A mãe do jovem afirmou que perder um filho para a febre amarela é uma dor indescritível. “É algo que você não consegue aceitar. Ver seu filho morrendo aos poucos, como eu vi, não dá para dizer o tamanho da dor”, disse.

Maria Helena disse ainda que se lembra das últimas palavras do filho. “A última palavra do meu filho foi ‘mamãe’. Eu cheguei naquele quarto e vi o meu filho com os olhos amarelos. Na mesma hora eu perguntei a ele o que era aquilo, e tudo que ele conseguia dizer era ‘mamãe’. Depois disso o meu filho acabou, não teve mais jeito”, contou.

Marcelo era descrito como um bom filho, amigo e companheiro da mãe. A babá contou que ainda é muito difícil lidar com o vazio causado pela morte do filho.

Maria Helena desabafou ainda que se sentiu impotente diante da perda. “Eu vi meu filho morrendo e não pude fazer nada. Eu ainda gritei, pedi para salvarem o meu filho, mas não foi suficiente”, completou.

O CASO

De acordo com a família, Marcelo teria começado a se sentir mal no dia 16 de fevereiro de 2017. Assim que os primeiros sintomas apareceram - dores no corpo e na cabeça - o jovem procurou um médico em Venda Nova do Imigrante, na região Serrana, próximo ao local onde ele morava. Ao ser consultado, foi medicado e liberado.

Dois dias depois, 18 de fevereiro de 2017, Marcelo ainda se sentia mal. Retornou ao hospital e precisou ser internado. O estado de saúde do garçom se agravou e no dia seguinte à internação ele foi transferido para a Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Dório Silva, na Serra. Poucos dias depois da internação, o quadro  se agravou e ele não respondeu mais ao tratamento.

De acordo com a família do jovem, que mora na Serra, Marcelo morava no alojamento de um hotel em Pedra Azul, em Domingos Martins. Ele trabalhava no local como garçom há cerca de dois anos e meio. A família acredita que o rapaz pode ter tido contato com a doença no local de trabalho.

O CICLO DA DOENÇA E OS MACACOS

(Carla Possamai | Divulgação | Arquivo)

O atual Diretor do Instituto Nacional da Mata Atlântica, Sérgio Lucena, afirmou que o ciclo silvestre da doença ainda não chegou ao fim. Prova disso é a morte de macacos, considerados sentinelas da doença, que vem sendo registradas desde meados do ano passado.

“De julho de 2017 até agora foram cerca de 50 notificações de mortes de macacos no Estado. Um dos casos, o de um macaco morto em dezembro de 2017 em Rio Novo do Sul, foi confirmado com febre amarela. Para os outros, cerca de metade deu negativo e a outra metade estamos aguardando os resultados”, disse.

Em 2017, foram registradas as mortes de 1.300 macacos em matas capixabas. O atual Diretor do Instituto Nacional da Mata Atlântica, Sérgio Lucena, contou que em meados de 2017 o número de notificações diminuiu, isso porque em períodos mais frios a população de mosquitos também diminui e o surto desaparece.

De acordo com o Lucena, a população capixaba agora está bem informada e não agride os animais, como aconteceu no ano passado, tem consciência que os animais não transmitem a doença, mas são sentinelas do vírus, servindo de termômetro para a presença do vírus na região.

Em todo o país, das 24 espécies de macacos presentes na Mata Atlântica, 18 estão na lista de ameaçados de extinção. No Estado, algumas espécies foram muito afetadas. A população de Bugios é a que mais sofre, já que são mais suscetíveis à virose. “Quando o vírus passa numa população de Bugios, chega a matar cerca de 80% dos indivíduos. Em matas menores, pode extinguir todos os animais”, afirmou Lucena.

Os Sauás, Muriquis e saguis-da-Serra também foram muito afetados no Estado, tendo suas populações muito vitimadas. Sérgio Lucena explicou que os macacos, além de sentinelas, participam de muitas interações ecológicas nas matas.

Responsáveis por dispersar sementes de frutas pelas matas, ajudar na regeneração de e restauração do ambiente e manter o equilíbrio da população de insetos, os macacos são parte importante para a manutenção do ecossistema. “Eliminar os macacos traz um impacto muito grande para as florestas”, explicou.

TIRA-DÚVIDAS

Qual a atual situação do país?

O Brasil viveu um grande surto da doença no ano passado, com muitos casos registrados no Espírito Santo e Minas Gerais. Neste ano, após um período de trégua, os números da doença voltam a assustar. O Ministério da Saúde divulgou um novo balanço dos casos e mortes por febre amarela no Brasil que apontou 353 casos confirmados da doença, sendo que 98 pessoas morreram devido à infecção no período de 1º de julho de 2017 a 6 de fevereiro de 2018.

O que é feito para frear o avanço da doença?

A vacinação da população tem sido a arma contra o avanço da doença. No Espírito Santo, a campanha realizada no ano passado imunizou 3.077.619 pessoas. 

Como a febre amarela é transmitida?

Pela picada de mosquitos infectados em áreas de mata. Desde 1942 o Brasil não registra casos de febre amarela urbana. 

Quem deve se vacinar?

Pessoas que moram ou vão viajar para as áreas de vacinação recomendadas pelo Ministério da Saúde. Quem pretende viajar para países que têm a circulação da doença, ou exigem certificados de imunização, também precisam se vacinar. 

Quais países exigem o certificado?

Ao todo são 135 países, que podem ser consultados no site da Anvisa. Na América do Sul, fazem parte da lista Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Paraguai e Suriname. 

Perdi o comprovante, e agora?

Basta procurar o serviço de saúde onde tomou a vacina e tentar resgatar o comprovante. Caso não seja possível, a recomendação é fazer a vacina novamente.

Quem não deve tomar a vacina?

Crianças com menos de seis meses não devem ser vacinadas sob nenhuma hipótese. Na idade de seis a nove meses, apenas se houver indicação médica. A imunização é contraindicada para pacientes imunodeprimidos por alguma doença ou tratamento, como quimioterapia, e pessoas com alergia grave a ovo. Grávida, a princípio, devem evitar, a não ser que o risco de contrair o vírus seja alto. Os idosos também devem procurar um médico antes de se vacinar. 

Que tipo de vacina foi distribuída no Estado?

No Espírito Santo, diferente dos outros Estados, foram distribuídas as doses padrão da vacina. 

Quantas doses é preciso tomar?

No caso dos capixabas, que receberam a dose padrão, apenas uma vez. 

Até abril de 2017, o Ministério da Saúde recomendava tomar uma segunda dose dez anos após a primeira. Quem foi vacinado antes da mudança de recomendação precisa tomar a segunda dose?

Não, a vacina é exatamente a mesma de antes. A única mudança é que o Ministério passou a aceitar o entendimento anterior da Organização Mundial da Saúde (OMS) de que apenas uma dose é suficiente. 

Tomei a vacina antes dessa mudança e meu certificado internacional mostra a data de validade de dez anos. Preciso trocar o certificado?

Não. Por determinação da OMS, o certificado passa a ser considerado válido para o resto da vida. 

Onde encontrar a vacina?

Em postos de saúde de todo o Estado, ou em clínicas particulares. 

Quem não pode se imunizar deve se proteger como?

Se possível, evitar áreas de mata em regiões com casos da doença. Outras recomendações são usar repelente e se proteger de picadas. 

Em quanto tempo a doença se manifesta?

Geralmente, de três a seis dias após a picada do mosquito. Em casos excepcionais, até 15 dias. 

Quais são os primeiros sintomas?

Febre súbita, calafrios, forte dor de cabeça, dores no corpo, fraqueza e vômitos. A maioria das pessoas melhora depois, mas cerca de 15% desenvolvem a forma grave da doença após um intervalo de até um dia sem sintomas. Nesses casos pode haver icterícia, que deixa a pele e olhos amarelados, hemorragia e insuficiência de órgãos. 

Qual a taxa de letalidade?

De 20% a 50% das pessoas que desenvolvem a forma grave da doença morrem, segundo o Ministério da Saúde. 

Como é o tratamento?

Não há tratamento específico, apenas para os sintomas. Analgésicos e antitérmicos podem ser usados para aliviar febre e dor. O ministério recomenda evitar aspirina e derivados, pois podem favorecer reações hemorrágicas.

 

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais