Publicado em 5 de julho de 2018 às 12:09
Nove de abril de 2018, por volta das 21h40. Chove. A caminho do trabalho, Luciano vê em uma marquise no Centro de Vitória a chance de se abrigar. Com pouco mais de um minuto parado em cima da moto e preocupado com um possível assalto, sem ver, ele sente o impacto de uma BMW em seu veículo. Arremessado contra uma porta de aço, o morador de Cariacica tem a perna esmagada. Ainda sem entender direito o que acontece, ele tenta se locomover e não consegue.>
Cerca de dois minutos depois, o socorro chega, e ele começa a perceber a gravidade da batida. No mesmo dia, Luciano tem a perna esquerda amputada. As consequências não param. O lado esquerdo do corpo dele ficou bastante ferido. No cotovelo, uma lesão grave. Além disso, o pé direito precisou de uma cirurgia. No meio de tudo, muita dor. Mas, mesmo depois de passar 10 dias internado, 40 dias na cadeira de rodas e precisar de ajuda para tudo, ele encontra muitos motivos para agradecer.>
Ao acordar no hospital e ver que estava sem a perna, ele falou para si mesmo: "Pela gravidade, pelo o que eu passei e a dor, eu estar vivo, já é uma vitória de agradecer o resto da vida", comemora.>
Antes do acidente, Luciano Moura de Iolanda, 38 anos, que é mecânico industrial, estava de férias assinadas e iria para o Nordeste com a mãe. Ele também gostava de correr na Praia de Itaparica, em Vila Velha. Nesta quinta-feria (5), quase três meses após a batida, ele foi pela primeira vez à praia que frequentava. Aí você pode pensar: 'Deve ser triste voltar à praia e não poder correr'. Nada disso. Olha o que ele diz: "Voltar é sensacional. Depois da prótese, quero comprar uma bike e pedalar". Com toda essa força, veja o que Luciano fala sobre a batida e como tem vivido.>
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Como foi o acidente?>
Eu estava indo trabalhar no dia. Começou a chover, eu me abriguei na calçada, embaixo da marquise, que era nuvem passageira, né. E acabou acontecendo a colisão.>
Você não tirou o capacete?>
Não. A moto estava ligada. A minha preocupação era com assalto. Graças a Deus não tirei. Eu já estava quase partindo.>
O acidente aconteceu que horas?>
Mais ou menos 21h40, porque eu pegava no serviço às 22h40. Eu trabalhava com mecânica industrial lá na Serra.>
Você ficou quanto tempo parado embaixo da marquise?>
Eu vi o vídeo (do acidente). Fiquei um minuto e meio mais ou menos. Foi muito rápido. Na minha percepção no dia, eu achei que eu tinha ficado ali uns cinco minutos. Aí depois que eu vi o vídeo, eu tive noção do tempo. Com um minuto e pouco ele (carro) veio e, com menos de dois minutos, o Samu passou. A polícia me mostrou o vídeo que dá para ver tudo.>
O que você lembra do momento da batida? Viu o carro vindo?>
Não. Depois no vídeo eu vi que ele veio igual uma bala. Nem se eu visse não dava para sair não. Nem se eu quisesse. O que me salvou também foi a moto, eu tá em cima da moto, porque minha moto era alta. O primeiro impacto foi na moto. Ele veio no mesmo sentindo, eu moro em Cariacica, sentido Cariacica - Serra. Ela (a BMW) veio e rodou, já veio de lado. Me pegou de lado, primeiro o pneu. Aí eu fui arremessado e o que me salvou também foi a porta de aço. Afundei a porta de aço.>
O carro chegou a pegar a sua perna na hora da batida?>
Primeiro ele pegou a moto. Teve o impacto. Como eu fui arremessado na porta de aço, aí teve o esmagamento. Na hora esmagou a minha perna.>
Com o carro?>
Isso. O carro ficou agarrado entre o poste e a parede. Eu caí na calçada. Fiquei quase embaixo do carro. Fiquei todo quebrado. No braço a fratura foi feia no cotovelo, não foi exposta, porém teve que refazer tudo. Fiquei com uma lesão na mão. Agora a minha segunda casa é o médico.>
Mas o que você lembra do dia?>
Tudo. Eu não desacordei. A dor na perna era insuportável. Eu achei que eu não ia despertar. Dentro da ambulância eu esfriava, ficava com calor, sentia frio. Não sei nem o que eu estava sentido mais. Já tava perdendo a noção de temperatura. Mas os caras conseguiram estancar o sangue.>
Chegou a pensar que fosse morrer na ambulância?>
Sim. Sim. Na hora da colisão eu achei até que a marquise estivesse caindo, eu não entendi na hora. Só quando eu parei e olhei quase embaixo do carro e pensei: 'Meu Deus, esse cara me atropelou aqui debaixo'. Na hora você não entende nada, porque a porrada é tão violenta. Eu olhei, tentei sair e não consegui. Vi que a minha calça estava toda encharcada de sangue. Falei 'Nossa Senhora'. Pensei que fosse uma lesão, uma fratura exposta, alguma coisa. Mas quando eu tentei sair que eu não consegui, foi que eu vi. Mas eu vi mais quando o socorro chegou e foi auxiliando, os caras desesperados, pedindo UTI, eu tive a noção que era grave.>
Quando a sua perna foi amputada?>
Foi no São Lucas, no mesmo dia. Já chegou lá e amputou.>
Os médicos conversaram com você?>
No momento não. Só pegaram os meus dados. Rápido. Já estavam todos me esperando, a equipe médica. Pedi água, estava morrendo de sede, mas eles disseram que não. Já me deram anestesia e apaguei. Acordei (risos), acordei bem, graças a Deus. Agradeci a Deus por estar vivo, porque eu sabia da gravidade. Aí fiquei meio curioso da perna, cheio de aparelho ainda eu tava, foi amanhecendo assim... Vi meu pé direito e falei: 'Você está aí'. Depois eu olhei e estava sem a perna, mas tranquilo. Foi de Deus, a gente tem que entender.>
Mas o que você sentiu quando viu?>
No dia eu já estava conformado. Eu falei: 'Pela gravidade, pelo o que eu passei e a dor, eu estar vivo já era uma vitória de agradecer o resto da vida. A gente fica sentido sim, mas conformado também pela situação, pelo o que passou. Mas é um impacto, você tem um susto. Mas graças a Deus eu superei. Fiquei 10 dias internado. Dois no São Lucas e oito no Santa Mônica. Tive uma cirurgia grande no cotovelo esquerdo, quebrou o pé direito. Eu fiquei quase uma semana quase morrendo no hospital. O braço esquerdo doía muito. O lado esquerdo foi o que eu fui na porta.>
Como está a sua recuperação?>
Agora melhor, porque os primeiros dias com dores, dificuldade para se locomover, ir ao médico com cadeira de rodas. Tudo muito complicado. Ir ao banheiro. Minha mãe ficou me dando banho, me ajudando 41 dias. Eu morava em cima da casa da minha mãe. Hoje eu moro embaixo até me recuperar direitinho, a escada não tem corrimão. Devagarinho a gente vai se organizando nessa nova fase.>
O que mudou na sua vida?>
A minha rotina, meu modo de pensar. Ainda está mudando, a ficha vai caindo, você vai tendo os seus problemas do dia a dia. Cada dia um novo probleminha, uma nova visão. Hoje eu dou mais valor ainda a minha vida... que nossos bens não valem de nada. Eu tinha assinado férias já. Eu ia sair de férias no mês. A gente faz planos, mas os planos mesmo são de Deus. Eu ia viajar com a minha mãe nas minhas férias para o Nordeste. A família também sofre um impacto muito grande.>
E o seu trabalho?>
Não voltei a trabalhar. Esse processo é demorado. É lento, porque é um processo de recuperação. O médico tem que liberar também. Vai fazer três meses agora dia 9. A prótese para colocar é, em média, um ano. Eu faço fisioterapia no cotovelo.>
Como é a sua rotina hoje?>
Quase todo dia eu vou no médico. A minha rotina que era quase todo dia de trabalho, eu trabalhava seis dias e folgava dois, hoje eu quase vou em médico seis dias e folgo dois (risos). Tem as outras coisas, como ir ao banco, ir atrás de documentação, para dar entrada no DPVAT. Isso é uma burocracia que poderia ser mais ágil pra gente. Isso tudo você sofre impacto, se decepciona. Mas temos que encarar, não tem jeito.>
O motorista da BMW procurou você?>
Prefiro não comentar.>
Você recebeu ajuda?>
Tiro o chapéu pra minha empresa. Já me prometeram a prótese. Eu tenho plano de saúde. Pra mim, fica muito mais fácil. Hoje eu sou privilegiado. Eu tenho condições de ir fazer a minha fisioterapia. Provavelmente vou ter que fazer outra cirurgia. O nervo sofreu uma lesão. O meu punho não sobe. Vou levar o exame para o médico no dia 10. A mão esquerda. No lado direito eu só quebrei o pé, mas fiz cirurgia também. Todas as cirurgias eu fiz nos 10 dias que eu fiquei internado. A minha recuperação foi fantástica. Coisa de Deus mesmo. O meu psicológico ajuda. Eu corria também. Quase todo dia eu estava na praia correndo, porque eu trabalhava à noite.>
Hoje você anda com muletas?>
Sim. Graças a Deus. Já evoluí, porque antes eu estava na cadeira de rodas. Com 40 dias que eu consegui andar com a muleta direitinho, porque eu tive uma cirurgia no pé e eu ficava com medo de firmar o pé. Você com duas pernas anda de muletas, mas você tenta sem uma perna, não consegue nem a pau. Eu aprendi a andar, cai aprendendo, tudo é novidade, mas hoje eu ando tudo.>
O que foi mais difícil?>
É difícil porque muda toda a sua rotina. Tudo muda da noite para o dia.>
Luciano, de tudo isso você consegue tirar alguma coisa boa?>
De bom você aprende a dar mais valor à vida. Hoje eu vejo a vida de outra forma e como ela tem que ser. A gente não se apegar muito as coisas. Eu não fazia isso, mas, às vezes, eu vejo gente trabalhando, trabalhando, fazendo hora extra. Eu falava: 'Vai passear'. Tanto que eu já tinha um passeio marcado. Mas tem gente que só trabalha, joga fora família, não dá valor ao filho, não dá uma atenção. Hoje eu tiro isso de valor pra mim: família, amigos. Amigos entre aspas, porque nesse momento a maioria some, porque você não vai mais para bar, você acaba tendo um limite. Muitas pessoas é normal se afastar, porque você não é visto. É até melhor. Os que te procuram são os que gostam de você.>
Como foi voltar à praia?>
Sensacional. Depois que tiver a prótese, quero comprar uma bike e pedalar. Antes não dava para voltar. Estava muito fraco. Você fica muito tempo sentado, deitado. A gente também estava sem carro aqui. Na época do acidente, o meu irmão bateu o carro e deu PT . Rapaz, foi drástico as coisas que aconteceram. Mas hoje está tudo bem, graças a Deus.>
O acidente do seu irmão foi depois do seu?>
Ele estava indo me visitar no hospital, tadinho. Ele não machucou, mas o carro deu PT.>
Como você está agora?>
Eu já consigo me virar, mas ainda dependo bastante. Moro com meus pais. Amputei acima do joelho, um palmo acima do joelho mais ou menos. A gente tem que agradecer. Nossa vida é maravilhosa.>
O ACIDENTE >
No dia seguinte à batida, o Gazeta Online noticiou o acidente envolvendo uma BMW e uma moto, que deixou três pessoas feridas na noite de segunda-feira, 9 de abril, por volta das 21h, na Avenida Getúlio Vargas, no Centro de Vitória.>
A BMW foi parar na calçada e ficou imprensada entre a parede de um prédio e um poste. Os ocupantes do carro ficaram presos às ferragens. A moto ficou caída próxima ao carro, também na calçada.>
As vítimas foram socorridas pelo Corpo de Bombeiros e encaminhadas por uma ambulância do Samu para o Hospital São Lucas.>
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