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Duas realidades na mesma rede de ensino

Duas realidades na mesma rede de ensino

Enquanto escola é modelo, em outra unidade alunos sofrem com obra

Publicado em 1 de dezembro de 2018 às 22:20

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Na Escola Viva de São Pedro, em Vitória, alunos participam de atividades extra em laboratório. (Carlos Alberto Silva)

Passados três anos desde a primeira visita à Escola Viva de São Pedro, em Vitória, é nítido como a metodologia de ensino favorece o aprendizado. Em 2015, A GAZETA visitou o local e mostrava a novidade do modelo – que hoje funciona em 32 unidades –, mas sem esquecer outras escolas da rede estadual que não recebiam a mesma atenção. Um dos destaques apontados pela reportagem na época foi a Jesus Cristo Rei, em Cariacica, cuja estrutura apenas da fachada – quebrada e esburacada – já denunciava o abismo entre as duas realidades. Ao longo desse período, pouco mudou.

Difícil não comparar. Em uma nova visita às duas unidades na última semana, educadores e alunos demonstraram a diferença de condições para o aprendizado. E o quanto isso pode impactar o desempenho dos estudantes.

A Jesus Cristo Rei está passando por reforma. Uma obra esperada há muitos anos, porém realizada com alunos lá dentro. Entre o bate-estaca dos operários, um professor tenta repassar o conteúdo. Pelos corredores, a poeira de cimento forma uma névoa que, segundo educadores, volta e meia obriga algum aluno a ir mais cedo para casa por crises de alergia, sinusite, rinite e outros problemas de saúde.

Na última quarta-feira, uma aluna do 6º ano parecia resignada. “Eu sei que a obra é importante para a escola”, disse. “Mas, com esse barulho todo, é muito difícil estudar. Às vezes, a gente tem que pedir para eles pararem um pouco para entender o que o professor está falando”, queixou-se. Naquele dia, ela pretendia aproveitar o intervalo para fazer revisão da prova de História, que aconteceria na última aula. Não conseguiu.

Fachada da escola Jesus Cristo Rei, em Cariacica, que passa por obras desde meados do ano passado. (Marcelo Prest)

Professores também ressaltam a importância da reforma que, em uma outra visita da reportagem à escola em agosto, ainda não tinha chegado ao banheiro – pia quebrada, porta danificada e pichada, sanitário sem funcionar – e as salas de aula e pátio.

BIBLIOTECA

Contudo, eles reclamam que a comunidade escolar não foi ouvida para a realização do projeto e, no final das contas, quando a obra for concluída, vai ter duas quadras e nenhuma biblioteca.

“A gente usava uma salinha como biblioteca e, com a obra, esperava que pudesse haver um espaço mais apropriado. Mas não tem”, falou uma educadora, que prefere não se identificar.

Outra demanda frustrada é a falta de um auditório que poderia atender não só a escola, mas a comunidade. “Não havia necessidade de duas quadras”, ressalta uma outra professora.

Até a hora do recreio, que deveria ser um momento de mais descontração, demonstra as dificuldades estruturais e de falta de material. Ao primeiro toque do sinal, os alunos saem correndo da sala de aula para ver quem pega primeiro as raquetes para brincar de pingue-pongue nas duas mesas que a escola dispõe. Quatro jogam, dezenas se espremem em volta para apenas olhar.

Nessas condições pouco favoráveis, em que mal há uma sala preparada às aulas regulares, quanto mais para atividades diferenciadas, como na Escola Viva, o resultado dos alunos em avaliações não poderia ser diferente.

Na eletiva "Professor Buginganga", com Física e Química, alunos aprendem a fazer aspirador de pó e bumerangue na Escola Viva. (Carlos Alberto Silva)

DESEMPENHO

Conforme dados do Ministério da Educação (MEC), a taxa de aprovação dos estudantes do 9º ano do ensino fundamental da escola Jesus Cristo Rei caiu de 94,3, em 2013, para 74,4, no ano passado. Em 2017, não houve nota no Ideb porque o número de alunos participantes da prova foi insuficiente, mas em 2015 já havia caído em comparação ao exame anterior e ficou registrada em 3,9 – abaixo da meta para aquele ano.

Na 3ª série do ensino médio, a taxa de aprovação foi de 92,8, mas não há dados de anos anteriores para comparativos. E, assim como no fundamental, a maioria dos estudantes deixou de fazer a prova que compõe o Ideb e, dessa maneira, não há registro do desempenho.

Ensaio da apresentação do "Clube da Esquina", eletiva de Português e Educação Física, no centro de vivência da Escola Viva. (Carlos Alberto Silva)

RECEPÇÃO

Já na Escola Viva de São Pedro, a taxa de aprovação foi de 100% e a nota do Ideb, 5,4, uma das melhores do Estado. Por lá, até a recepção é diferente. Enquanto na Jesus Cristo Rei a reportagem foi recebida pela coordenação, preocupada com a visita inesperada, na unidade de tempo integral uma aluna foi destacada para mostrar as dependências e as aulas eletivas desenvolvidas.

E são essas atividades extras um dos pontos altos da metodologia da Escola Viva. Na tarde da última quinta-feira, tinha uma série delas: gastronomia, música, teatro, pesquisa, produção de site, protótipos de veículos, só para citar algumas.

A eletiva de música – “Clube da Esquina” – estava sendo conduzida pela professora de Língua Portuguesa, Amanda Simões, mas se engana quem pensa que tratava-se apenas de reprodução de canções conhecidas, numa espécie de coral. Os alunos ensaiavam uma apresentação com músicas de Chico Buarque e, ao mesmo tempo, incluíram no processo estudos sobre o período da ditadura militar. “Nesta eletiva, no contexto da Música Popular Brasileira (MPB), a gente trabalha literatura, poesia, história. Essa diversificação do currículo, ajuda no aprendizado”, observa.

Espaços da Escola Jesus Cristo Rei cercados por grade; piso e revestimentos danificados onde reforma ainda não chegou. (Divulgação/17-08-2018)

DILEMA

Uma das alunas da disciplina, Roberta Possatti, 17, disse que escolheu por gostar de MPB e, ao se aprofundar nos estudos de história durante o semestre, agora vive um “dilema”: descobriu que se identifica muito com questões sociais e não sabe se vai fazer Direito ou Medicina.

A perspectiva de fazer um curso superior está no horizonte de muitos dos jovens que passam pela escola de tempo integral, mesmo para quem antes pensava até em desistir de estudar.

É o caso de Vitória Luiza, 19, que está fora da idade-série, porém retomou o gosto pelos estudos. “Quando cheguei à 1ª série, com 18 anos, estava quase desistindo. Mas a Escola Viva me colocou foco, aqui descobri o que quero fazer”, ressalta a jovem, que pretende cursar Ciências Biológicas, área que já vem se destacando na escola. Vitória também passou a fazer aulas de teatro, atividade que escolheu para lidar melhor com a timidez. “Isso me ajuda na vida.”

No banheiro da unidade de ensino de Cariacica, improviso para cobrir encanamento quebrado. Também havia portas pichadas. (Divulgação/17-08-2018)

No tempo integral, os alunos também têm estudo dirigido, atividade que contribui com sua organização acadêmica, e clubes juvenis. Em São Pedro, segundo a coordenadora pedagógica Alessandra Trabach Gobetti Burini, chegam a 17, entre grupos de idiomas, esportes e outros temas contemporâneos.

André Vinícius Mululo, 16, é presidente do clube “Dentro da mesma pele”, que trata de assuntos como diversidade, feminismo, machismo. “Essa é uma das atividades que mais nos dão autonomia. São os alunos que cuidam de tudo: das reuniões, das palestras, dos debates”, valoriza.

Para Nicolly Hoffmam, 17, aluna da 3ª série que apresentou as dependências da unidade de ensino à reportagem, a Escola Viva é inspiradora. “Meu sonho é passar em Ciências Biológicas na Ufes e, depois de formada, voltar aqui para dar aulas, ser como os professores que me ajudaram”, finaliza.

BIBLIOTECA ENTRA EM REFORMA

Diante das queixas de alunos e professores da Escola Jesus Cristo Rei, a Secretaria de Estado da Educação (Sedu) informou que a biblioteca está garantida na reforma da unidade e que, para implantar o auditório, está sendo avaliada uma adaptação do projeto para transformar duas salas de aula no espaço desejado.

“Sobre o barulho e a poeira, algumas ações são realizadas em horários alternativos para diminuir os impactos durante as aulas, garantindo a velocidade da obra, mantendo a segurança e o bom funcionamento da escola”, afirma a Sedu, por nota.

Questionada sobre a razão pela qual os alunos não foram transferidos para outro espaço durante a reforma, cuja conclusão está prevista para julho, a Sedu esclarece que a alternativa que havia na região era a obra social Cristo Rei, mas o local não tinha documentação para formalizar o contrato.

Enquanto a obra na Cristo Rei segue em andamento, a Sedu planeja para 2019 a ampliação da Escola Viva, que encerra o ano com 32 unidades em 23 municípios. No próximo ano, mais quatro passarão a funcionar em Viana, Fundão, Muqui e Conceição do Castelo, contemplando ao todo 21 mil alunos do ensino médio e fundamental com o tempo integral.

O secretário da Educação, Haroldo Corrêa Rocha, acrescenta que o planejamento da Sedu tem projeção para que, até 2030, haja 300 escolas em tempo integral a fim de atender até 100% do ensino médio e até 25% do segundo ciclo do fundamental (6º ao 9º ano). Ele diz que 95% dessas unidades já existem na rede e o trabalho daqui em diante será avaliar as que têm potencial de transformação.

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