> >
Desvendando os mistérios de Vitória: o 'Casarão dos Cerqueira Lima'

Desvendando os mistérios de Vitória: o 'Casarão dos Cerqueira Lima'

Erguida há mais de 100 anos, residência foi palco de um crime brutal que chocou a sociedade capixaba

Publicado em 4 de setembro de 2013 às 15:05

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura

Um casarão verde localizado na esquina das ruas São Gonçalo e Muniz Freire, ao lado da antiga Assembleia Legislativa, na Cidade Alta, Centro de Vitória, parece ter feito um acordo com o tempo e com o silêncio. A data de construção é incerta: segundo os registros da prefeitura, a construção tem mais de 100 anos.

Imóveis históricos costumam ser taxados de mal-assombrados, seja por causa de lendas ou por conta de boatos espalhados ao longo dos anos na comunidade. No caso desta casa, há um fato comprovadamente registrado nos arquivos da Polícia Civil. Palco de um crime que chocou a sociedade capixaba em abril de 1996, o "Casarão dos Cerqueira Lima" foi cenário do brutal assassinato de mãe e filho.

Conhecido na Justiça como o "Caso Normanha", a condenação dos acusados pelo crime aconteceu 10 anos depois, em 2006. Consta na denúncia do Ministério Público Estadual que Célia Maria Cerqueira Normanha, 74 anos, e seu filho Paulo Roberto Cerqueira Normanha, 46, estavam no casarão quando foram surpreendidos pelo advogado e homem de confiança da família, Gerivaldo Bins de Freitas, e pelo policial militar Geraldo Antônio da Piedade Elias.

O objetivo dos acusados era roubar um cofre da família com US$ 600 mil e joias. Para isso, amarraram as vítimas e usaramfitas adesivas para cobrir os rostos delas.

Sem poder respirar, mãe e filho morreram asfixiados. Os corpos foram retirados da casa com a ajuda de comparsas dos criminosos e levados para serem enterrados no município de Fundão.

No dia seguinte aos assassinatos, o advogado e o policial voltaram ao casarão para roubar o cofre. O que eles não esperavam, é que não havia absolutamente nada dentro dele. Mas a "saga" não terminaria por aí.

Não satisfeito, doutor Bins, como era conhecido, contratou uma mulher para se passar por Célia Cerqueira. Ele treinou a estelionatária para que ela tivesse a mesma assinatura da vítima e, com isso, pudesse assinar a papelada transferindo bens e tendo acesso às contas bancárias da idosa.

Os parentes dos Normanha já desconfiavam que por trás do desaparecimento das vítimas poderia estar o advogado. Em outubro de 1996, após denuncia anônima, os corpos foram localizados pela polícia em uma estrada de Fundão. Segundo a denúncia do Ministério Público, as vítimas foram identificadas pela namorada de Paulo Roberto, Maria Rosa Suet. Após a confirmação, os corpos foram enterrados no Cemitério São Domingos, na Serra.

Ao tomarem conhecimento que as vítimas haviam sido encontradas e reconhecidas, os acusados contrataram os serviços de mais de dez homens. No dia 2 de fevereiro de 1997, eles se dirigiram ao cemitério utilizando um veículo Kombi, com placa idêntica à utilizada pelo rabecão do Departamento Médico Legal (DML), e um mandado de exumação falsificado. Os criminosos violaram as sepulturas, retiraram os restos mortais e os queimaram em um lixão da Serra. 

Boatos, cemitério e escavações

O fato dos restos mortais dos Cerqueira Lima terem sido queimados só aumentam as histórias e o imaginário popular. Na época do crime, vizinhos costumavam falar que a casa era amaldiçoada, tudo por conta de histórias que diziam que o terreno onde está construído o casarão tinha sido um cemitério antigo de padres jesuítas.

No entanto, a arqueóloga Cristiane Machado, que realizou estudos no local entre dezembro e janeiro de 2000, desmente o boato. "Na verdade, em todo o entorno de igreja na Cidade Alta encontramos ossos, até porque não havia cemitérios antigamente. Mas no local da casa nada foi encontrado", disse.

Segundo Cristiane, a equipe que trabalhou no local tinha a esperança de encontrar um sítio arqueológico no local. Porém, só conchas foram achadas - e não se sabe se já estavam lá ou foram utilizadas na construção do casarão, já que na época era o material empregado, porque o cimento não era utilizado.

Cristiane afirma que, no terreno da casa, foram encontrados somente fragmentos de louça e uma planta do teatro Glória - na época, a família que teria morado lá era a proprietária do espaço. A planta estava colada em uma placa de madeira e foi descoberta no sótão.

Um fato curioso, destaca a arqueóloga, é que na época da pesquisa no terreno muitas pessoas procuravam a equipe para dizer que a casa era assombrada.

Exposição de artista recria "cena do crime"

O artista plástico Júlio Tigre, especialista em fazer intervenções artísticas em residências abandonadas, recria, em seu mais recente trabalho, o interior da casa dos Normanha. O local tem sala de entrada, piso superior e sótão. A exposição "Silente" mistura um ambiente em que ficção e realidade se confundem. (Vídeo abaixo mostra um tour pela casa com o artista Júlio Tigre).

Tigre usa pedras encontradas no próprio terreno para demarcar os cômodos da casa, com o auxílio de cabos de aço. "Essas pedras são de uma primeira reforma que teve aqui em 1934. A demarcação é uma proposição ficcional. Eu não tive acesso às plantas, elas não foram encontradas na prefeitura", lamenta.

A exposição abstrata leva o visitante a percorrer os ambientes da casa para que ele imagine o que aconteceu no dia do crime. "Essa casa tem um história. Ela passou a existir aqui no Centro como uma lenda urbana. Dizem que é assombrada, que aparece um fantasma à noite, que tem ruídos. Muitos dizem que é uma casa maldita por causa desse crime", finaliza.

O exposição "Silente" pode ser conferida de terça a sexta-feira, das 9 às 17 horas, e aos sábados e domingos, das 16 às 23 horas até o dia 4 de outubro.

Casarão vai virar gabinete do prefeito

Este vídeo pode te interessar

Desde o ano 2000 em processo de restauração, o Casarão, agora pronto, vai ser transformado no gabinete do prefeito Luciano Rezende a partir de dezembro, dentro do programa de resgate e valorização do Centro de Vitória. O local também vai continuar abrigando exposições artísticas.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais