Publicado em 25 de agosto de 2018 às 23:36
Oficiais da Polícia Militar, incluindo dois coronéis e um membro das forças especiais, advogados, funcionário de cartório além de servidores da Assembleia Legislativa e do Estado, estão sendo investigados por participação em organização criminosa que faz grilagem de propriedades em Vila Velha. O termo refere-se ao roubo de terras com o uso de documentos falsos, que vem sendo praticado por um grupo de quase 20 pessoas.>
As investigações, iniciadas em 2015, estão sendo conduzidas pelo Grupo Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco Central) do Ministério Público, que na última quarta-feira (22) realizou a Operação Corpus, cumprindo 11 mandados de busca e apreensão na casa dos investigados.>
O processo está sob sigilo, mas a reportagem de A GAZETA conseguiu ter acesso a documentos que mostram os detalhes por trás da investigação.>
FRAUDES>
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O que se revela é um cenário de falsificação de documentos, inserções de declarações falsas em registros públicos e fraudes contra os reais proprietários, permeadas de ameaças, violências e invasões, cujas propriedades são comercializadas de forma clandestina.>
Paralelo a isso, a organização criminosa lança mão de uma verdadeira guerra na Justiça para garantir direitos que não existem e a partir daí pleitear até indenizações bilionárias. Uma das áreas em que o grupo investiu esforços é um terreno da Superintendência de Projetos de Polarização Industrial (Suppin), às margens da Rodovia Darly Santos, em Vila Velha.>
Para as suas práticas contam com a participação de militares, corretores, lobistas e advogados de grandes escritórios na Enseada do Suá. Recebem ainda apoio de servidores da Assembleia, do Estado e até de membros aposentados do Judiciário. Atuam de forma a influenciar juízes e desembargadores a concederem decisões a eles favoráveis.>
Os nomes dos investigados não estão sendo revelados nesta reportagem porque contra eles ainda não existe uma denúncia formal na Justiça.>
A ação do grupo começa assim que identificam um imóvel de seu interesse. Os reais proprietários de nada sabem, ou são ameaçados, alvos de violência e, em algumas situações, têm a sua terra invadida pelo grupo.>
Logo em seguida, partem para a falsificação de contratos de promessa de compra e venda, de doação ou quaisquer outros meios que garantam a eles a cessão de direitos sobre os terrenos. Os beneficiários nos contratos são os membros do grupo ou seus laranjas intermediários nas fraudes , podendo ser um familiar ou amigo.>
O passo seguinte da organização criminosa é comercializar o imóvel para outras pessoas, no todo ou por loteamentos clandestinos, para potencializar o lucro dos associados. Neste aspecto contam com a ajuda de um corretor de imóveis que faz a venda fraudulenta dos terrenos.>
FALSO>
No contrato de venda dos imóveis constam como vendedores membros do grupo, os laranjas ou até o real proprietário, mesmo que ele não saiba da transação. Para viabilizar isso entra a ajuda de um funcionário de cartório, que faz o reconhecimento falso das firmas das partes supostamente contratantes ou elabora documento com aparência de verdadeiro.>
A próxima etapa é dar um ar de legitimidade à posse clandestina e fraudulenta dos imóveis. Para isso eles entram com ações na Justiça contra o legítimo proprietário ou fazem recursos até em ações ajuizadas pelo próprio dono, brigando pelo imóvel.>
Tudo promovido pelos advogados da organização criminosa, que fazem ainda a defesa do grupo contra eventuais ações ajuizadas pelos donos ou em ações que eles realizam para garantir a propriedade clandestina, como usucapiões, ações possessórias, com documentação falsa. Os envolvidos são remunerados em dinheiro ou com os terrenos obtidos na fraude.>
As negociações são discutidas entre todos, cada um com uma função dentro da estrutura criminosa. Os investigados tratam seus parceiros e laranjas com simplicidade sobre a transferência de bens imóveis, como se pela tradição pudessem aliená-los, por instrumentos de gaveta falseados em seus conteúdos, diz o texto de uma manifestação do Gaeco no processo.>
EXPANSÃO>
A confiança na impunidade e no processo de fraude é tanta que alguns membros relatam que já estão expandindo os negócios. Os documentos colhidos apontam suspeitas do envolvimento de um coronel na inversão ilegal (fraude e/ou coerção) dos direitos de posse e propriedade sobre bens imóveis na Grande Vitória e na Região Serrana do Estado, diz o Gaeco à Justiça.>
Em todas as ações há a participação direta dos militares, apoiado pelos demais membros dos grupo (advogados, corretores, lobistas e servidores públicos), que distribuem entre seus familiares e amigos (laranjas) as posses clandestinas ou os recursos com elas obtidos.>
De acordo com a investigação, há indícios de que eles começam a substituir outro grupo que atuava na região e que também contava com a participação de militares.>
ÓRGÃOS E ENTIDADES AGUARDAM CONCLUSÕES DE INVESTIGAÇÃO>
A Polícia Militar informou que desconhece a extensão das investigações. Acrescentou, por nota, que atuou por solicitação do Ministério Público Estadual no cumprimento dos mandados de busca e apreensão. Adianta que em relação aos supostos atos ilícitos e crimes cometidos por militares, se houver, que irá cumprir o que a lei determina.>
Por nota, a Assembleia Legislativa informou não se manifestará porque a investigação não tem ligações com aquele poder.>
O Sindicato dos Notários e Registradores do Estado do Espírito Santo (Sinoreg-ES) informa que acompanha a operação e aguarda o seu desdobramento, não tendo informações que permitam qualquer posicionamento.>
O Sinoreg-ES informa que repudia de forma veemente qualquer ação criminosa. Os cartórios trabalham justamente para garantir a segurança jurídica a transações dos mais diversos níveis da vida dos cidadãos e prezam pela legalidade de todos os atos lavrados e registrados em seus arquivos, diz o texto da nota.>
A Procuradoria-Geral do Estado (PGE), por intermédio de nota, informou que não se manifestaria sobre o processo envolvendo a Superintendência de Projetos de Polarização Industrial (Suppin), autarquia do governo estadual, que ela representa na Justiça.>
Vão aguardar uma nova manifestação dos desembargadores da Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES). Lá será julgado um novo recurso contrário à decisão que garantiu a reintegração de posse da área para a Suppin, apresentado em março deste ano.>
O Tribunal de Justiça também não se manifestar, pois não tem conhecimento dos fatos.>
O GRUPO>
Organização criminosa>
Pelo menos 20 pessoas são destacadas na investigação como membros do grupo, cada um com uma função na estrutura da organização.>
Militares>
São quatro, sendo dois coronéis e dois capitães, um deles de uma força especial.>
Advogados>
Três atuando, sendo que um deles é membro aposentado do Judiciário.>
Outros>
Corretor; Funcionário de cartório; Funcionário da Assembleia; Lobista (dois, incluindo uma jornalista); Ex-chefe de segurança do Estado; Articulador; Seis supostos posseiros que entraram com ações judiciais>
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