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Como vencer o bullying? Conheça projetos que deram certo nas escolas

Como vencer o bullying? Conheça projetos que deram certo nas escolas

Educadores apontam as medidas que já estão dando certo

Publicado em 23 de março de 2019 às 23:34

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Professoras com turma do 4º ano: dinâmicas de conscientização com os alunos para prevenir que o bullying ocorra em sala de aula. (Vitor Jubini )

Um problema grave, que atinge crianças e adolescentes e cujas consequências para a saúde física e mental podem durar décadas. O bullying voltou a ser debatido após recente ataque feito por ex-alunos em uma escola de Suzano, em São Paulo, onde cinco estudantes e duas funcionárias morreram, além de um tio de um dos assassinos.

O bullying está em todas as escolas, públicas e particulares, e afeta cerca de 40% dos alunos da Grande Vitória, segundo levantamento feito por pesquisadores da Ufes. Para a doutora em Educação e professora da Unicamp, Telma Vinha, o problema é uma preocupação séria, mas tem solução.

Ela enfatiza que, mais do que investir em maneiras de solucionar os conflitos, é preciso unir forças para prevenir que eles ocorram. “As escolas costumam agir uma vez que o bullying já está instaurado”, diz. Mas mesmo soluções preventivas, devem ser bem pensadas. “Não pode ser uma palestra ou duas na semana do bullying, pois isso tem pouco efeito. O trabalho tem que ser feito de forma contínua.” No próximo dia 7 de abril é o Dia Nacional de Combate ao Bullying.

Diante do silêncio de vítimas e testemunhas, muitas equipes pedagógicas têm dificuldade de mensurar o tamanho do problema em suas escolas ou o ignoram totalmente. As que o reconhecem, tentam, muitas vezes sem os resultados esperados, reduzir os casos para proporcionar um ambiente mais saudável aos alunos.

Para conhecer a dimensão do desafio, a especialista orienta aos educadores aplicar aos alunos questionários que permitam avaliar quantos deles são afetados, os locais e situações onde o bullying mais ocorre e, a partir daí, elaborar um projeto.

Na prevenção, o protagonismo das crianças e adolescentes é essencial, já que uma das principais características desse tipo de violência é que ela ocorre longe dos adultos. “Uma das soluções é criar grupos de ajuda dentro da escola, formados pelos próprios alunos. Em geral, os colegas elegem dois ou três que são considerados confiáveis e eles passam por treinamento sobre técnicas de mediação, sobre empatia, e criam um sistema de apoio para todos”, explica.

O objetivo é atacar o bullying nos locais onde ele ocorre já que, diferente dos professores, são os alunos que estão nos pátios, nos banheiros e em outros locais onde os adultos não estão. “Eles vêem quem não está bem e sentam para conversar, incluem aqueles que ficam excluídos das atividades e notificam a escola caso algo de mais grave ocorra.”

MEDIAÇÃO

Há 20 anos trabalhando em escolas da Grande Vitória, o professor de Filosofia Tião Nascimento diz que viu uma escalada na gravidade da violência praticada através do bullying. “Parece que agora está havendo uma supervalorização daquele que é o melhor, o ‘macho’, que não tem fragilidades”, diz. Os casos são constantes. “Semana passada presenciei um aluno do ensino fundamental sendo alvo de chacota porque os agressores viram nele um ‘jeito de homossexual’”, destaca.

As vítimas são sempre as mesmas: crianças ou adolescentes que representam alguma minoria, como negros e gays, mas também aquelas de condição socioeconômica inferior, que são menores ou fisicamente mais frágeis. “São pessoas que não estão em posição de se defender. Se o agressor descobre que há essa brecha para entrar e diminuir aquela pessoa, aí começa o bullying”, avalia o professor, que hoje atua em escola pública da Serra.

Para a doutora em Educação da Unicamp, uma vez que o problema já existe, é importante pensar em soluções diferenciadas já que métodos tradicionais de mediação - colocar frente a frente alvo e autor - não funcionam. “A mediação tradicional funciona em conflitos onde há paridade de forças. O bullying é baseado em relações de poder, há um mais forte e um mais fraco, e ninguém muda espontaneamente”, esclarece.

O método sugerido consiste em reunir grupos que incluam agressores, agredidos e espectadores para que, juntos, eles discutam as questões morais envolvidas e proponham soluções e mudanças que devem ser feitas para que o autor assuma o compromisso de mudança de comportamento, sem necessariamente envolver uma punição.

“Autores precisam de tanto cuidado quanto os alvos. Eles têm essa ideia de serem aprovados pelos espectadores, que compartilham aquele comportamento. Quando a comunidade trabalha junta, começa a ver os problemas que aquela atitude causa, a enxergar a ajuda e o cuidado como valor, e o autor perde o status que tinha”, orienta.

As duas formas de combate sugeridas pela especialista são utilizadas em escolas públicas e privadas de São Paulo. Algumas das práticas já foram até adotadas por prefeituras, como Sumaré e Campinas. “São vivências reais que transformaram para melhorar as relações e a convivência nas escolas.”

Dez anos depois, ações mudam perfil em escola pública

“A Escola Alvimar Silva era conhecida como Alvimar ‘Selva’, tamanha era a situação de violência que os alunos enfrentavam.” O relato é da coordenadora do colégio municipal em Vitória, Eliana Cardoso. A descrição não mais representa a instituição, que fica em Santo Antônio.

Coordenadora de escola, Eliana encampou projeto para acabar com bullying. ( Ricardo Medeiros)

Um projeto antibullying implementado há cerca de dez anos - e que continua sendo aprimorado - mudou a realidade dos estudantes. “A diferença é muito grande. A relação entre eles muda a cada dia”, conta.

O projeto batizado de “Bullying não é brincadeira” funciona em duas frentes. Com os alunos, são feitos trabalhos envolvendo vídeos, rodas de conversas, atividades de teatro e outras que permitem que eles entendam o que é o problema, saibam como identificá-lo e também compreendam os danos causados não só às vítimas, mas ao clima escolar como um todo.

Punição

Até as punições foram repensadas. “A coordenação pode até suspender o autor do bullying, tirar algo que ele goste como esporte no recreio, mas vemos que isso não é vantajoso”, avalia.

O projeto também foca nos professores. A intenção é prepará-los para trabalhar o assunto com os alunos. E a instrução é clara: todo ato de bullying tem que ter uma resposta imediata. “Recebendo uma queixa, tem que ir verificar, mesmo que pare a aula por dois, dez, ou cinquenta minutos. Mas não pode deixar que o episódio ocorrido em sala de aula passe sem resposta”, diz.

Uma das descobertas nos quase dez anos de projeto, segundo a professora, é de que a cooperação é a chave. “Tratar do problema sozinho, no particular, só com os envolvidos diretos, não resolve. É preciso envolver todo mundo”, diz.

Protagonismo

Em outro contexto, a escola municipal Paulo César Vinha, que fica em Terra Vermelha, Vila Velha, resolveu iniciar este ano o próprio projeto antibullying. “Vendo tudo o que está acontecendo no mundo, em especial o que ocorreu em Suzano, São Paulo, pensamos que era hora de abordar o assunto com as crianças”, conta a professora Rosangela Azevedo de Souza.

Junto com outras duas educadoras, Rosangela convocou os alunos do 4º ano para pôr a mão na massa. Foi confeccionado um grande painel com a mensagem “bullying não tem graça”, onde os alunos escreveram o que pensam sobre esse tipo de violência.

Panfletagem

Além disso, eles ficaram responsáveis por fazer panfletagem entre os colegas de outras turmas e colarem mais cartazes pelas paredes lembrando a todos da gravidade dos atos de violência contra os colegas.

“O projeto ainda está no início, mas já vi algumas mudanças em sala de aula. Outro dia um aluno empurrou o colega ao sair da sala e outro estudante já apontou e disse ‘isso é bullying’”, afirma, com orgulho.

A professora explica que a escola recebe alunos com grande vulnerabilidade social e que projetos como esse ajudam ainda a tornar o ambiente mais atrativo para todos. “A escola já apareceu negativamente na mídia algumas vezes. Temos que fazer uma escola que seja mais atraente para que eles não abandonem o estudos”, afirma.

Combate ao problema até em creche

Na creche particular Leão Marinho, em Vila Velha, crianças de até cinco anos trabalham valores importantes para a convivência em grupo como a cooperação, ajuda ao próximo e a empatia. Por meio de contação de histórias e encenações feitas com os próprios estudantes, eles aprendem a ter consciência do próprio comportamento e responsabilidade sobre suas atitudes. “É de pequeno, no ambiente micro, que conseguimos trabalhar alguns conceitos e plantar algumas sementes. O trabalho é diário”, afima a diretora da creche, Manisa Leão Borges.

Diretora de creche, Manisa Leão Borges usa histórias para reforçar bons valores. (Ricardo Medeiros)

SOLUÇÕES

Medidas que deram certo

Prevenção

Criar protagonismo dos alunos

- Montar grupos de ajuda formados por alunos escolhidos pelos próprios colegas.

 - Com o apoio dos professores, treinar os integrantes desses grupos em técnicas de mediação de conflitos, valores como empatia e respeito às diferenças.

- Isso é importante porque alunos conseguem estar presentes em locais onde os adultos não estão, como em atividades no recreio e dentro dos banheiros. Ou seja, são eles que veem de fato onde o bullying acontece.

- Esse grupo vai servir para identificar os alvos de bullying e oferecer ajuda, incluir aqueles que acabam sempre deixados de fora das atividades e até repreender colegas quando presenciam algum tipo de abuso.

COMBATE

Mediação diferenciada

 - A mediação tradicional (colocar o alvo do bullying e o autor frente a frente, sob a tutela de um adulto) não funciona.

- O indicado é discutir o problema em um grupo de alunos, com a presença de professores, que inclua o alvo, o autor e também as testemunhas do fato.

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- Juntos, eles debatem o que foi feito e como o agressor pode fazer para mudar de comportamento. O autor não recebe punição para o bullying, mas por meio dos debates, ele compromete-se a não repetir o ato.

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