Publicado em 28 de abril de 2018 às 00:38
Os homens agressores que desrespeitarem medidas protetivas poderão ser presos na hora. Uma alteração na Lei Maria da Penha que começou a valer em 4 de abril deste ano definiu o descumprimento como crime. Até mesmo uma mensagem de WhatsApp pode acabar em prisão.>
Pode ser uma mensagem, telefonema, ir à casa da vítima. Se o autor for pego em flagrante, ele será levado a delegacia e, em seguida, encaminhado para o presídio, explica a titular da Delegacia Especializada de Antendimento à Mulher (Deam) da Serra, Natalia Tenório Sampaio.>
A nova lei impede ainda que o acusado seja solto na delegacia mediante pagamento de fiança. A lei é clara. Apenas o juiz poderá conceder fiança. Na esfera policial, o crime é inafiançável, diz a delegada chefe da Divisão Especializada em Atendimento a Mulher, Cláudia Dematté.>
Se não houver o flagrante, ainda assim há a possibilidade de prisão. O novo artigo prevê pena de detenção de três meses a dois anos. Nesse caso, é preciso que a vítima vá à delegacia registrar um boletim de ocorrência. Prints de mensagem, histórico de ligações e até uma testemunha podem ser usados como prova.>
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Segundo Cláudia, a mudança veio para endurecer a aplicação da Lei Maria da Penha e assegurar a proteção das mulheres. As vítimas precisam saber que existe esse crime para poder denunciar. Para os agressores, fica o alerta: a partir de agora, esse descumprimento é crime, esclarece.>
AVANÇO>
Natalia conta que o descumprimento da medida protetiva havia se tornado corriqueiro entre os agressores. Mero descumprimento, era o jargão que a gente usava antes, porque não era crime.>
No ano passado, 2.179 mulheres solicitaram medidas protetivas no Espírito Santo. No mesmo período, o Estado alcançou a maior taxa de feminicídio do Sudeste e a terceira maior do Brasil. A Secretaria de Segurança Pública não informou dados referentes ao ano de 2018.>
Criou-se uma sensação de insegurança para a vítima e de impunidade para os agressores que consideravam que era só um papel, reforça Dematté.>
Ambas consideram que o novo crime permite uma resposta mais rápida e efetiva da polícia e da Justiça. O que precisamos agora é que as vítimas nos ajudem a protegê-las, fazendo a parte delas, ou seja, se mantendo afastadas do agressor, diz Natalia.>
ENTENDA A MUDANÇA >
Como era antes>
Lei Maria da Penha>
Logo que a Lei Maria da Penha foi criada, em 2006, constava no Código Processual Civil (CPC) uma punição para descumprimentos das medidas protetivas. No entanto, a pena era branda e demorava a ser aplicada. Na prática, os agressores acabavam enquadrados no crime de desobediência.>
STJ>
Quando os casos começaram a chegar em instâncias superiores, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que os acusados não poderiam responder por desobediência, visto que já havia uma punição prevista para o descumprimento no CPC. Ou seja, o acusado não poderia ser punido duas vezes.>
Dois pesos>
Por causa dos dois entendimentos diferentes, a polícia não prendia quem desrespeitava a medida protetiva, pois o acusado não havia cometido um novo crime. Com isso, o risco para a mulher aumentava.>
Como ficou>
Novo artigo>
Desde abril deste ano, o artigo 24A foi incorporado à Lei Maria da Penha. Ele qualifica o descumprimento de medida protetiva como crime.>
Punição>
Quem descumprir a restrição imposta pela Justiça poderá receber pena de três meses a dois anos de prisão.>
Fiança>
A lei informa que, no caso de prisão em flagrante, os delegados de polícia não poderão arbitrar fiança para a soltura do acusado. Apenas o juiz poderá decidir se ele será liberado ou se responderá pelo crime na cadeia.>
DURMO COM UMA ARMA ESCONDIDA>
Eu só quero ter paz. O apelo vem de Aline, moradora de Vitória, que é perseguida e ameaçada há anos pelo ex-marido, com quem tem um filho. Apesar de ter três medidas protetivas contra ele e até contra a família dele , a vítima ainda não conseguiu o sossego que tanto deseja e, por isso, dorme com uma arma escondida. Já perdi as contas de quantas vezes eles desobedeceram a medida. Só de registro de descumprimento na delegacia já fiz mais de 20. As delegadas me chamam por apelido, conta ela, que teve aqui o nome alterado para preservar sua identidade.>
No entanto, segundo Aline, quando o registro chega na Justiça, nada acontece. Cansada de viver em constante medo de morrer, a vítima procurou meios de conseguir a segurança que o Estado falhou em fornecer. Desde que percebi que aquelas decisões não serviam na prática, passei a dormir com uma arma debaixo do travesseiro, revela.>
SEPARAÇÃO>
A vítima conta que apanhou pela primeira vez do marido quando anunciou que iria se separar dele, há três anos. Depois disso, ela foi agredida diversas vezes durante cerca de um ano antes de tomar coragem e sair de casa. Segundo ela, todos os vizinhos ouviam e sabiam das agressões, mas ninguém nunca fez nada.>
Durante uma das brigas ele me pegou pelo cabelo e me jogou no chão. Eu consegui me trancar em um quarto e gritei pela janela. Pedi socorro, falei onde eu estava, mas ninguém veio, revela.>
Desde que deixou a casa onde morava com o marido, Aline vive com medo constante. Ela relata que é perseguida pelas ruas e recebe constantes ameaças. Uma vez ele apareceu na frente da minha casa e gritou: Enquanto você não estiver no fundo o poço, não vou te deixar em paz.>
Segundo Aline, a última vez em que a medida protetiva foi descumprida aconteceu há cerca de um mês, quando a nova lei ainda não estava valendo. Um familiar do meu ex-marido apareceu na minha casa. É um terror constante. Já fiquei sem trabalhar pois tinha muito medo de sair de casa, diz.>
CARRO>
Para evitar ser seguida pelas ruas, a vítima conta que troca frequentemente de carro e evita passar muitas vezes pelos mesmos lugares. Um dia, ele me perseguiu por uma avenida em Vitória. No desespero, larguei o caro no meio da rua e saí gritando procurando a polícia, afirma.>
Aline também é importunada pelas frequentes ligações que recebe do agressor. Segundo ela, podem chegar a mais de 15 por dia.>
Ela conta que faz cópias do registro de chamadas do telefone para juntar provas do descumprimento da medida.>
FECHADURA>
Para evitar ao máximo contato com o ex-marido, a vítima conta que a guarda do filho do casal é transferida na escola. Ela também afirma que deixou de frequentar alguns eventos para não correr o risco de encontra-lo.>
Eu troco a fechadura da minha casa todo mês. Se uma moto para do meu lado no sinal, meu corpo já congela. Eu passo tudo isso porque eu não quero voltar para ele, desabafou.>
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